Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A vinculação ao instrumento convocatório, uma das teses utilizadas para barrar mudanças nos contratos de longo prazo no setor de infraestrutura, é direcionada nas leis do setor para criar rigidez durante o período da licitação, com baixa relação com o longo período da gestão contratual.
É o que defendeu a advogada Letícia Queiroz de Andrade, sócia do Queiroz Maluf Advogados e professora da Escola de Direito da PUC-SP, em mesa sobre o tema de regulação contratual no evento Rodovias do Futuro, promovido por Melhores Rodovias do Brasil-ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) na última semana.
Letícia afirmou que fez um estudo nas legislações referentes aos contratos com a iniciativa privada, as leis de licitações (antiga e nova), a lei de concessões e a Lei de PPPs (Parcerias Público-Privadas). No caso da Lei 8.666/1993, ela afirmou que o princípio da vinculação aparece citado em 31 ocorrências. Em 26 ocorrências, ele trata do período licitatório, que, para ela, é o momento adequado, em que deve haver rigidez legal para garantir uma disputa saudável entre concorrentes, mas curto.
Segundo ela, esse princípio aplicado à gestão contratual em parcerias que muitas vezes duram mais de 30 anos faz com que outros princípios também presentes nas mesmas leis tenham dificuldades de ser aplicados, citando como exemplo o da atualização tecnológica.
“Se ficar preso a isso [instrumento convocatório], ao fim nem seria necessária a regulação”, defendeu a advogada em sua fala.
A intepretação de que os contratos devem ter vinculação ao instrumento convocatório cria dificuldades para a gestão dessas avenças, na visão de parte do setor, porque, a depender de como for interpretada, impede mudanças que são necessárias e até inevitáveis ao longo do tempo.
Foi uma das discussões recentes no debate que ocorreu em relação à consulta formulada pelo governo federal ao TCU (Tribunal de Contas da União) relativa à possibilidade de reestruturação de contratos de concessão desequilibrados nos setores de rodovias e aeroportos, parte deles em processo de relicitação.
A defesa de parte do segmento é que mudanças constantes dos contratos de longo prazo teriam o condão de afastar competidores de melhor qualidade, que fazem propostas considerando o cumprimento do acordo nos moldes do que foi apresentado no edital, não se arriscando em precificar mudanças que competidores de pior qualidade fazem já prevendo alterações futuras.
Letícia Queiroz defendeu que qualquer mudança nos contratos de longo prazo deve ser feita de maneira motivada, com cálculos de impacto e outros requisitos, sem “desnaturar o objeto do contrato”.
“Impossível prever o futuro”
O painel tratava de “Desafios Regulatórios para a Absorção de Novas Tecnologias nos Contratos de Concessão” e foi mediado pelo subsecretário de Parcerias do Ministério dos Transportes, Olavo Bastos, que classificou a decisão do TCU sobre a consulta do governo como a interpretação do órgão de que “é impossível prever o futuro”, mas defendeu que é necessário “seguir o caminho do meio” em relação às inovações.
A defesa dos palestrantes sobre a necessidade de se encontrarem formas de atualizar os contratos teve no modelo de sandbox regulatório (regulação experimental) um caminho considerado o adequado. Waleska Gurgel, subprocuradora-geral da ANTT, disse que a regulação experimental parte do princípio de que não se pode manter estanque um contrato de 30 anos.
Ela explicou que no momento a agência trabalha em dois sandboxes, um relativo ao free flow, pedágio sem cabine, e outro ao HS WIN, modelo de pesagem dos veículos em movimento nas rodovias. Em ambos os casos, são inovações tecnológicas as quais há intenção de diferentes governos em implementar em todos os contratos, facilitando o uso das rodovias, mas que vão necessitar de mudanças nos que não tinham o modelo previsto.
Pesquisa e desenvolvimento
O diretor de Operações da Artesp, Santi Ferri, lembrou que esse tipo de mudança de atualização tecnológica tem esbarrado na burocracia e que será preciso para evoluir que as agências trabalhem no sentido da padronização dos processos e na pesquisa e desenvolvimento.
O sócio da Houer Concessões, Camilo Fraga, lembrou que é necessário atentar para a origem dos contratos e que a implantação de inovações tem enorme potencialidade para reduzir custos das concessões e, consequentemente, aos usuários finais do serviço.
O advogado Fernando Vernalha Guimarães, sócio da Vernalha Pereira Advogados, lembrou ainda da necessidade de que as matrizes de risco dos contratos de parceria deixem claro que as inovações tecnológicas não podem ser feitas com ônus ao concessionário. Para ele, as inovações que não fazem parte das atividades meio da concessão deveriam ser assumidas como risco do concedente, na medida em que o privado não tem como prevê-las no momento de assinatura do contrato.
O evento contou com quase uma centena de palestrantes e a participação de quase duas mil pessoas ao longo do dia, apresentando inovações de diferentes setores, de empresas de telefone, com bases robustas para fazer pesquisas de origem e destino, a companhias de tecnologia que refinam o monitoramento das rodovias com uso de inteligência artificial.