iNFRADebate: O encerramento dos contratos de concessão do Anel de Integração do Paraná e a problemática da reversão dos bens

Paola Caroline Canto Lenz*

No ano de 1996, foram firmados entre o Governo do Estado do Paraná e o Governo Federal, por meio do então Ministério dos Transportes, convênios de delegação para exploração de rodovias federais por parte do Governo do Estado do Paraná, os quais permitiram a exploração de rodovias federais por meio de contratos de concessões com a iniciativa privada, contemplando, também, trechos estaduais. As concessões se dividiram em seis lotes, formando o denominado Anel de Integração do Estado do Paraná. 

Assim, os contratos 71/1997, 72/1997, 73/1997, 74/1997, 75/1997 e 76/1997 foram firmados em 1997, entre o Estado do Paraná, como anuente, por intermédio do DER/PR (Departamento de Estradas de Rodagem), com anuência da Secretaria de Transportes, a União como interveniente, por meio do Ministério dos Transportes, o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem)1 e as concessionárias de rodovias, pelo prazo de 24 anos e findaram em novembro de 2021, pelo advento do termo contratual.

Assim, a extinção de qualquer tipo de concessão desencadeia uma série de obrigações e procedimentos por parte tanto do Poder Concedente, quanto da concessionária, fato que não foi diferente no encerramento das concessões rodoviárias do estado do Paraná.

Pela Lei Federal de Concessões 8.987/1995, em seu art. 35, §2°, com a extinção da concessão pelo advento do termo contratual, haverá a imediata assunção do serviço pelo Poder Concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.

Conforme os ensinamentos de Egon Bockmann Moreira (2022), as relações jurídicas prestacionais, relativas aos bens e serviços públicos, deixam de existir tal como previstas no contrato. Contudo, poderá restar outros vínculos jurídicos intersubjetivos envolvendo as partes do contrato, usuários e terceiros, conforme se verá a seguir.

O encerramento do contrato de concessão e suas consequências fáticas
O encerramento dos contratos de concessão rodoviária do Anel de Integração do Estado do Paraná envolveu etapas para o seu processamento, observando as diretrizes legais e contratuais para conclusão das atividades que visam a transição operacional e dos ativos, bem como o cálculo de haveres e deveres, de forma a garantir a qualidade, a continuidade e a atualidade da prestação do serviço, bem como a adequada transferência à União dos bens reversíveis, nos termos da Lei Federal 8.987/1995.

Por não haver previsão específica quanto às etapas que integram o processo de encerramento, os órgãos e entidades administrativas, por meio de portarias e resoluções, fazem esse regramento, seguidos das disposições contidas nos convênios, editais e contratos.

Nesse sentido, o Estado do Paraná, por meio do DER/PR (Departamento de Estradas de Rodagem), responsável pela gestão dos contratos de concessão rodoviária, visando atender os ditames legais e contratuais, editou a Portaria DER/PR 108 de 29 de abril de 2021, a qual versou sobre o encerramento de contratos e convênios de concessão, tratando dos bens reversíveis, do Plano de Desmobilização, da fiscalização, da fase de transição e do Termo de arrolamento e transferência de bens, balizada na Resolução 5.926/2021 da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Destaca-se que a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) é a maior autarquia responsável pela regulação das atividades de exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária federal e de prestação de serviços de transporte terrestre, e possui uma vasta rede de resoluções sobre o tema, incluindo procedimentos voltados para o encerramento de tais contratos.

Logo, as resoluções da ANTT e o arcabouço legal federal servem como referência para o encerramento dos contratos de concessão no país.

Extinta a concessão nasce o direito do Poder Concedente de receber os bens reversíveis, direitos e privilégios inicialmente transferidos para a concessionária prestadora dos serviços conforme determina a Lei Federal 8.987/19952, assim como a imediata assunção do serviço, que autoriza a ocupação das instalações e a utilização de todos os bens. 

Dentro de um ambiente tão vasto e específico, o procedimento de encerramento deve ser o mais eficiente e claro possível para a adequada transição dos ativos operacionais para o Estado. Nesse sentido, uma das etapas mais relevantes é a elaboração de um apropriado Plano de Desmobilização. Ainda que o presente artigo se restrinja ao instituto da reversibilidade dos bens, vale destacar que o procedimento de encerramento contratual possui outras etapas, como a fiscalização do encerramento e a fase de convivência.

Do Plano de Desmobilização
O Plano de Desmobilização funciona como meio de garantir produtividade, eficiência e economia, por meio de diretrizes, com o objetivo de elencar as condições fundamentais para o encerramento dos contratos.

É um documento que deve ser apresentado pelas concessionárias, com no mínimo três meses de antecedência do término contratual. Contudo, isso não impede que o Poder Concedente gerencie tal atividade, inclusive, é de suma importância a participação direta do Estado na gestão do Plano. Isso porque, busca-se estabelecer o procedimento mais idôneo e completo ao final da concessão para retorno de bens reversíveis, desembaraços legais e financeiros, validação de documentos técnicos e econômicos, entre outros fatores relevantes para uma adequada transição dos ativos para o Estado.

Aqui, não há como se falar em transição de ativos sem tangenciar o assunto de prestação de contas, o cálculo de haveres e deveres, verificando-se aspectos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Assim, pode-se dizer que o Plano de Desmobilização estabelece diretrizes de forma a auxiliar na gestão do procedimento de encerramento das concessões, tanto do Poder Concedente, quanto das concessionárias, conferindo previsibilidade e transparência ao processo.

O que se infere nos últimos contrato de concessão rodoviária celebrados pela ANTT e, até mesmo pela Artesp3, é que nestes consta cláusula específica sobre a desmobilização, prevendo: metodologia de reversão dos bens reversíveis; estado de conservação e manutenção desses bens; estado de depreciação; medidas de manutenção, reparações e substituições, a serem realizadas até o termo final do contrato, a fim de assegurar condições adequadas para a reversão dos bens; necessidades de vistorias conjuntas antes do termo contratual; entre outras diretrizes, condicionando, ainda, a liberação da garantia de execução à expedição do Termo de Recebimento Definitivo, o qual só será lavrado caso a concessionária reverta a malha rodoviária de acordo com as conformidades ali explanadas.

Já os contratos de concessão rodoviária que compõem o Anel de Interação do Estado do Paraná não discorrem sobre o Plano de Desmobilização. Nesse contexto, foi publicada a Portaria DER/PR 108 de 29 de abril de 2021, citada anteriormente, a qual trata, em sua Seção III, nomeadamente sobre tema:

Seção III

Plano de desmobilização

Art. 5º A Concessionária deverá apresentar ao DER/PR Plano de Desmobilização em pelo menos 03 (três) meses que antecederem o termo final do contrato de concessão.

1º O Plano de Desmobilização deverá conter, e atender no mínimo: 

I – As medidas de desmobilização de serviços operacionais;

II – A retirada de materiais de publicidade, símbolos e outros signos que remetam à concessionária;

III – a relação dos contratos celebrados pela concessionária com terceiros, tais como:

a) contratos de permissão especial de uso, aluguéis ou que estabeleçam outros direitos sobre a faixa de domínio;

b) fornecimento de água, luz, gás e prestação de outros serviços para a concessão; e

c) outros contratos que ensejam obrigações para período posterior ao termo final da concessão.

IV – o inventário da documentação técnica, operacional e administrativa pertinente, contendo, no mínimo:

a) acervo com documentos recebidos do Poder Concedente no início da concessão, tais como: projetos, memoriais, sondagens, cadastro da faixa de domínio e desapropriações;

b) acervo com documentos produzidos pela Concessionária ao longo da concessão, mesmo que não tenham sido utilizados, tais como: projetos, memoriais, estudos e pesquisas;

c) lista de bens reversíveis e irreversíveis, e eventuais ônus sobre eles incidentes;

d) banco de dados do Centro de Controle de Informações Operacionais;

e) banco de dados do Sistema de Gerenciamento Operacional;

f) banco de dados do Sistema de Gerenciamento dos Pavimentos;

g) garantias, licenças e softwares; 

h) relação de licenças e autorizações ambientais vigentes, termos de compromisso, assim como a relação de pendências ambientais;

i) acervo de documentos que atestem a entrega oficial e a devida conclusão dos investimentos contratuais.

V – O relatório dos processos judiciais, administrativos e arbitrais em curso.

VI – O quantitativo e detalhamento das operações especiais, ocorridas no ano anterior, por tipo de operação, relatando se houve ou não inversão de faixa e os recursos disponibilizados pela concessionária.

VII – Custos operacionais incorridos pela concessionária nos últimos cinco anos.

VIII – Levantamento dos bens que vão precisar de guarda e operação mínima ao final do contrato de concessão.

2º A não entrega do plano de desmobilização no prazo estabelecido no caput sujeita a concessionária à aplicação de penalidades previstas contratualmente. 

3º Será de responsabilidade da concessionária a remoção e desobstrução da faixa de domínio no tocante aos bens não reversíveis.

Ocorre que a publicação da portaria se deu em abril de 2021, ou seja, sete meses antes do encerramento dos contratos de concessão, sendo inegável a falta de tempo hábil para uma adequada transição e reversão dos ativos. O Plano de Desmobilização visa, justamente, que a retomada do sistema rodoviário pelo Poder Concedente ocorra sem percalços ou imprevistos para que a operação da rodovia não reste prejudicada. Conforme os ensinamentos de Egon Bockmann Moreira (2022), “é sempre mais fácil negociar em momentos de boa execução contratual do que em sua finalização, quando o concedente está mais preocupado com a futura contratação e o concessionário em minorar as despesas finais”. 

Dentro do contexto atual, o grande desafio relacionado ao Plano de Desmobilização gira em torno do instituto de reversão dos bens para o Poder Público, ou seja, a afetação contratual do patrimônio necessário a interditar soluções de continuidade na prestação de serviços públicos, uma vez que o término do contrato não pode importar na interrupção dos serviços prestados aos usuários.

Da reversibilidade dos bens
A extinção da concessão implicará, obrigatoriamente, no retorno do serviço público ao Poder Concedente.

Com efeito, o instituto da reversibilidade dos bens encontra respaldo no princípio da continuidade, conforme descrevem Pereira Neto e Prado Filho (2009), “a reversibilidade é uma providência necessária para garantir que a atividade possa continuar a ser prestada após o término do prazo contratual, seja pelo Poder Público, seja por outro particular, via nova relação de concessão de serviço público”, exatamente por isso, o tema ostenta uma série de condicionantes.

A Resolução 5.860 de 03 de dezembro de 2019 editada pelo Minfra (Ministério da Infraestrutura) em conjunto com a ANTT, estabelece a metodologia para cálculo dos valores de indenização relativos aos investimentos vinculados a bens reversíveis não depreciados ou amortizados em caso de extinção antecipada de concessões rodoviárias federais. Não obstante a resolução trate de extinção antecipada, o que no caso do Estado do Paraná não ocorreu, uma vez que o fim das concessões se deu com o termo contratual, pode-se estabelecer a mesma metodologia no presente caso. Assim, segundo a resolução, são considerados bens reversíveis: os bens utilizados na prestação de serviços de conservação, manutenção, monitoração e operação rodoviários, bem como a própria infraestrutura rodoviária sob concessão.

Ademais, para a ANTT, os bens somente serão considerados reversíveis se contribuírem para a continuidade da prestação do serviço público, auferindo benefícios econômicos futuros para o sistema rodoviário; e, se forem de propriedade da concessionária e possuírem prazo de vida útil remanescente. 

Não são considerados reversíveis os bens utilizados pela concessionária exclusivamente em atividades administrativas, bem como os investimentos realizados na prestação de serviços de conservação e manutenção do sistema rodoviário.

Ou seja, na lógica da ANTT, e esse também é o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal)4, do TCU (Tribunal de Contas da União)5 e da maioria dos doutrinadores, cita-se aqui Hely Lopes Meirelles (2003), o que deverá determinar a natureza jurídica do bem é a sua afetação à uma finalidade pública, e não sua titularidade. Ou seja, qualifica-se a reversibilidade dos bens como sendo “funcional”, imprescindíveis na prestação do serviço.

Sustenta o jurista que a reversão só abrange os bens, de qualquer natureza, vinculados à prestação do serviço. Os demais, “não utilizados no objeto da concessão rodoviária, constituem patrimônio privado do concessionário (…). Assim é que a reversão só atinge o serviço concedido e os bens que asseguram sua adequada prestação”6.

Blanchet (2000) entende que este é o posicionamento mais condizente com o princípio da continuidade do serviço, pois se os bens efetivamente utilizados na prestação adequada do serviço já são suficientes para preservar a continuidade de sua prestação, a reversão dos demais bens é supérflua, e de qualquer modo terá sido paga com recursos públicos antes da concessão (se já existentes ou adquiridos pelo Poder Concedente para utilização na prestação do serviço), durante (dissolvido o seu custo no valor da tarifa), ou ao final da concessão mediante indenização ao concessionário.  

Cabe destacar, ainda, que, em princípio, quando da extinção da concessão, todos os investimentos já deveriam ter sido amortizados ou depreciados. 

Ocorre que os contratos de concessão do Estado do Paraná disciplinaram em sua Cláusula XXXII7 que “extinta a concessão, revertem ao DER todos os bens transferidos para a Concessionária (…)”.

Da leitura seca do contrato, observa-se que, todos os bens imóveis que forem adquiridos pela concessionária integrarão a concessão, revertendo-se e incorporando-se ao domínio do Estado do Paraná com a sua extinção, qualificando-se o instituto da reversibilidade dos bens como sendo “patrimonial”, sendo ela plena e integral. Contudo, há de se ponderar que os bens deverão estar em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção, porém, sem prejuízo do normal desgaste resultante do seu uso.  

Ou seja, todos os bens deverão ser revertidos, mesmo os que não constam da lista taxativa do contrato, porém, sem ser passível da cobrança indenizatória pelo seu desgaste normal de uso. Esse também é o firmado na Portaria DER 108/2021, em seu art. 4°:

Art. 4º Serão considerados reversíveis, para a finalidade desta Portaria, os bens, públicos ou privados, utilizados na prestação de serviços de conservação, manutenção, monitoração e operação rodoviários, bem como a própria infraestrutura rodoviária sob concessão e todos os bens que não integram o patrimônio pessoal dos Concessionários, adquiridos ou constituídos com as receitas provenientes dos contratos de concessão, tais quais: 

I – Edificações, obras civis e melhorias localizadas no sistema rodoviário; 

II – Máquinas, veículos e equipamentos; 

III – Móveis e utensílios; 

IV – Equipamentos de informática;

V – Sistemas, seus softwares e direitos associados, livres e desembaraçados de quaisquer ônus, alienação, caução, penhor ou gravames de qualquer natureza;

VI – Projetos e estudos relacionados a melhorias e ampliação de capacidade do sistema rodoviário, conforme disposição contratual e regulatória;

VII – Licenças ambientais válidas;

VIII – Despesas diretas com desapropriação e remoção de interferências; 

IX – Investimentos em recuperação da rodovia, executados até a data prevista contratualmente, mantidos os parâmetros de desempenho correspondentes. 

1º São considerados reversíveis e não indenizáveis os bens repassados à concessionária pelo Poder Público a qualquer título, mediante termo de arrolamento ou listagem similar anexa ao contrato de concessão. 

2º Os bens a que se refere o parágrafo anterior deixarão de ser reversíveis quando tenham sido desfeitos mediante prévia autorização do Poder Concedente.

 Depreende-se, portanto, que a Portaria 108/2021 segue o mesmo entendimento do contrato de concessão, prevendo a reversão de todos os bens, independentemente de sua função. Importa frisar que a portaria aborda os mesmos aspectos presentes na Resolução 5.860/2019 editada pelo Minfra (Ministério da Infraestrutura) em conjunto com a ANTT, contudo, a resolução do Minfra é clara ao delimitar a afetação dos bens para serem taxados como reversíveis, diferente da posição do Estado do Paraná.

O que se observa é que, todo o entendimento do Estado do Paraná sobre a reversibilidade de bens, se comparado ao disposto na resolução da ANTT, é muito mais amplo, abarcando todos os bens, não apenas aqueles necessários para a continuidade da prestação do serviço público.

Essa ambiguidade acaba gerando um conflito de interesses, ao passo que, de um lado para o Poder Concedente torna-se muito mais interessante o retorno de todos os bens para sua propriedade, podendo-se concluir, inclusive, que todos os bens adquiridos pelas concessionárias ao longo dos 24 anos de contrato provieram das tarifas de pedágio pagas pelos usuários, logo, nada mais justo que retornem para o uso público. 

Ao revés, para as concessionárias, para a doutrina e para a jurisprudência, a resolução da ANTT é mais lógica, considerando que não faria sentido o retorno, por exemplo, de mesas e cadeiras utilizadas pelos seus funcionários, uma vez que tais itens não são fundamentais para a continuidade da prestação do serviço público. Assim, o que deverá determinar a natureza jurídica do bem é a sua afetação à uma finalidade pública, e não sua titularidade.

Impende considerar, ainda, que a Lei 8.987/1995 é silente quanto à definição do que é bem reversível e o que não é e também não há uma regra clara na legislação em vigor sobre como se precificar ou valorar esses bens que serão revertidos. Ou seja, qual o alcance da afetação do bem ao longo do contrato de concessão para que ele se torne reversível e quais desses bens reversíveis deverão ser indenizados pelo concessionário ou não. 

Com efeito, a disciplina contratual que permeia os contratos do Estado do Paraná entra em conflito com o que vem sendo delineado pela regulação setorial. Resta a questão sobre como isso poderá ser tratado na esfera pública.

Outro fator relevante diz respeito ao cálculo de haveres e deveres ao final do contrato, uma vez que o investimento em bens reversíveis compõe o equilíbrio econômico-financeiro das concessões.

Tais investimentos devem constar como premissa da Proposta Comercial das Concessionárias, estimando-se sua depreciação e amortização com o objetivo de apurar os seus efeitos no fluxo de caixa do plano de negócios e na valoração dos eventos em relação aos itens de investimento e demais variações no ativo, como já elucidado pelo professor Rafael Verás de Freitas (2020).

Considerando-se o aporte de recursos despendidos pela concessionária em investimentos em bens reversíveis, cabe ao Poder Público, ao termo da concessão, indenizar o parceiro privado pelos bens não amortizados, cálculo este que deverá ser composto, também, pelo valor da depreciação do bem.

No caso dos contratos do Paraná, o termo contratual, o edital e até mesmo o PER (Programa de Exploração de Rodovias) trataram de forma superficial o tema, ao cabo que, ao final da concessão, essa questão torna-se mais um fator controverso para o adequado processo de encerramento dos contratos, levando a potenciais disputas judiciais. 

Conforme ilustra Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara (2016), faz-se premente que o Poder Concedente se encarregue de planejar e monitorar os investimentos em bens reversíveis. A constante necessidade de atualização e expansão do serviço faz com que a lista inicial de bens prevista na Proposta Metodológica da concessionária constitua apenas um referencial em relação ao que, de fato, será transferido para o Poder Concedente com a extinção da concessão. Vale frisar, ainda, que esses bens, embora do ponto de vista formal integrem o patrimônio da concessionária, acabam por constituir acervo do serviço público ao qual estão vinculados.

Para os autores:

A premissa é que as previsões de investimento e de receitas serão cumpridas durante o curso da concessão. O contrato é dotado de previsões aparentemente absolutas quanto aos investimentos necessários (normalmente arrolados em caderno de encargos da concessionária, anexo ao contrato) e às receitas proporcionadas (previsão de tarifas, fórmulas de reajuste e revisão, receitas alternativas, acessórias ou complementares)8.

Não obstante, outro ponto de destaque é o fato dos contratos de concessão rodoviária e até mesmo a legislação em vigor abordarem apenas o lado favorável às concessionárias no momento da reversão dos bens. Muito se fala em indenização ao parceiro privado pelos bens não amortizados, mas pouco se discute sobre a indenização que recai sob a concessionária caso reverta o sistema rodoviário em desacordo com os padrões técnico exigidos no instrumento contratual, no Programa de Exploração, nas normas vigentes da ABNT e nas diretrizes adotadas pelo Poder Concedente. No mundo ideal a concessionária deveria reverter os bens em plenas condições de uso, atendendo os parâmetros normativos, contudo, pela experiência empírica do encerramento dos contratos de concessão rodoviários do Brasil, sabe-se que a realidade tangencia outros patamares.

Os contratos de concessão rodoviária que compõem o Anel de Integração do Estado do Paraná previram, de forma genérica, a reversão patrimonial, retornando ao Estado do Paraná todo o patrimônio cedido às concessionárias ou por elas adquirido e construído ao longo destes anos. Ocorre que não se vislumbra ao longo do termo de contrato regras claras para controle de inventário de bens e procedimentos para sua reversão, além de metodologia de cálculo dos valores das inconsistências decorrentes do descumprimento dos parâmetros técnicos exigidos.  

A despeito disso, o DNIT, a ANTT e o DER/PR, possuem publicados manuais sobre a implantação, conservação e fiscalização de rodovias, os quais servem como referência à execução de obras rodoviárias, contudo, não se vislumbra nenhum material específico sobre a metodologia de levantamento, bem como da valoração de passivos quando da reversão de toda malha rodoviária ao Poder Concedente decorrente do encerramento dos contratos de concessão. 

Depreende-se um limbo tanto técnico do ponto de vista de engenharia e econômico-financeiro, quanto jurídico sobre o tema, ficando a cargo do Poder Concedente a execução de medidas para análise de eventuais condições contratuais não atingidas pela concessionária ou de normas técnicas vigentes não observadas, ao longo dos 24 anos de concessão. Além disso, resta a necessidade de se buscar possíveis soluções jurídicas para a adequada liquidação contratual.

Como bem elucida Egon Bockmann Moreira (2022), “caso as partes não planejem adequadamente a extinção do contrato, instalarão custos extraordinários, a ser arcados ou pelos acionistas da atual concessionária, pelos futuros usuários, ou mesmo pelos contribuintes”. Logo, a falta de planejamento não é benéfica para nenhuma das partes envolvidas. 

Conclusão
Diante das premissas aventadas, por mais conflituosas que pareçam, deve-se ponderar o caso concreto. A despeito das falhas apontadas no seu planejamento, os contratos de concessões rodoviárias do Estado do Paraná foram uns dos pioneiros no tema no país, o Programa Brasileiro de Concessões de Rodovias teve início na década de 90 como alternativa à falta de recursos federais para a recuperação, melhoria, manutenção e expansão da malha rodoviária nacional. 

Diante de todo cenário vivenciado com o encerramento das concessões rodoviárias fica um aprendizado necessário para as próximas modelagens, visando o aperfeiçoamento contínuo da política pública setorial – é de suma importância pensarmos no final do contrato. É inquestionável que quanto mais longo o horizonte contratual, maiores são as incertezas inerentes à sua execução, contudo, a concretude do seu encerramento é palpável. 

Assim, deve-se sopesar a ideia de suficiência contratual, os contratos de concessão têm por característica fundamental o longo prazo de duração, e com isso eles não podem ser engessados, contudo, deve-se assegurar a soberania do instrumento contratual, mesmo que passível de adequações, evitando-se a arbitrariedade do Estado ou a pressão da iniciativa privada. A mutabilidade inerente a estes contratos deve assegurar a maior adequação possível aos serviços concedidos, porém, de forma a impactar minimamente os interesses coletivos e individuais envolvidos. 

Sendo um setor vital da economia, os investimentos em infraestrutura rodoviária pressupõem grandes aportes financeiros, logo, é imprescindível que haja um ambiente regulatório que transpareça estabilidade e segurança jurídica não só para as empresas concessionárias, como também, garanta um adequado serviço ao usuário.

Ademais, para além das cláusulas legalmente usuais, as cláusulas de extinção devem ser claras e o mais completas possíveis, devendo prever o máximo de regras para se evitar dúvidas e conflitos entre as partes, especialmente após um período tão longo. Uma densa e técnica metodologia de encerramento contendo o relatório dos bens reversíveis e suas vertentes como bens que poderão ser depreciados ou amortizados e o montante indenizatório devido pelos investimentos realizados; o cálculo de haveres e deveres em tempo hábil; as adequadas medidas de desmobilização e dos serviços operacionais; providências relativas à desembaraços legais e financeiros são, por mais redundantes que pareçam, questões que podem ser previstas desde o início de uma concessão.

Outrossim, deve-se criar mecanismos eficientes de gestão que previnam o surgimento de futuros litígios. Impende destacar que tão importante quanto a modelagem do edital, a celebração do contrato e a própria execução é a extinção da concessão. 

O correto processo de encerramento de um contrato de 24 anos exige um árduo trabalho de ambas as partes, a assimetria de interesses entre Poder Público e o parceiro privado é algo natural, contudo, o caminho pode ser muito mais eficaz e menos doloroso com um cuidadoso e detalhado planejamento e as melhores práticas de estruturamento logo no encabeçamento da modelagem da concessão.

1 Atual DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
2 Art.35, §1° da Lei Federal 8.987/1995.
3 Agência de Transporte do Estado de São Paulo.
4 RE 32865. Relator Min. EDGARD COSTA. Julgamento em 28.08.1956. Órgão Julgador 2ª TURMA. / RE 71727RJ. Relator Min. DJACI FALCÃO. Julgamento em 11.12.1979. Órgão Julgador 2ª TURMA.
5 TC nº 024.646/2014-8.
6 Pg. 379.
7 Os contratos podem ser acessados por meio do site https://www.der.pr.gov.br/.
8 Pg. 153.
*Paola Caroline Canto Lenz é advogada especialista em compliance público e coordenadora jurídica no Consórcio Prosul – Houer Concessões.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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