Marília Sena, da Agência iNFRA
A escassez de marítimos para embarcações está travando o desenvolvimento do projeto BR do Mar, que previa a ampliação da navegação de cabotagem no país. Para representantes do setor, a falta de capital humano compromete o desenvolvimento do setor tanto quanto a carência de infraestrutura.
O problema da falta de profissionais foi unanimidade entre palestrantes do o painel “Infraestrutura Hidroviária” da 2ª edição do Regulation Week em Brasília, realizado em Brasília no início deste mês. O secretário de Hidrovias e Navegação do Ministério de Portos e Aeroportos, Dino Antunes, reconheceu que a formação é de qualidade, mas criticou o sistema dizendo que ele beira o modelo comunista.
Somente a Marinha do Brasil pode treinar marítimos para trabalharem nos navios da marinha mercante. E a força faz um número restrito de treinamento por ano, criando um número baixo de vagas. Quando há aumento na oferta, como é o caso agora com a entrada do BR do Mar e a retomada da indústria de petróleo offshore, acaba havendo escassez de mão de obra.
Em nota enviada à Agência iNFRA na última terça-feira (12), a Marinha do Brasil informou que está trabalhando para aumentar a capacidade de formação de oficiais para a Marinha Mercante. “Ciente das perspectivas futuras de incremento das atividades marítimas, a Força está buscando soluções para ampliar e manter a reconhecida qualidade na formação de oficiais para a nossa Marinha Mercante”, disse.
“A Marinha esclarece que o Ensino Profissional Marítimo, por meio do Programa de Ensino Profissional Marítimo (PREPOM), planeja e executa, anualmente, o gerenciamento de cerca de 800 turmas, capacitando aproximadamente 14.000 aquaviários – marítimos, fluviários e pescadores”, disse a instituição.
Em recente entrevista à Agência iNFRA, o então CEO da Norcoast, Gustavo Paschoa, relatou que a falta de marítimos era um dos limitadores ao crescimento da empresa, que foi a primeira a se habilitar nas novas regras do BR do Mar para transporte de contêineres, afretando quatro novos navios que foram tripulados com marítimos brasileiros.
O vice-presidente da Abac (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem), Luis Fernando Resano, aponta que o problema está na Marinha, que limita a formação de profissionais por ano. Para ele, a legislação atual não contesta essa medida.
“A BR do Mar falou em crescer o número de oferta de navios, crescer o número de empresas de navegação, mas não cuidou de crescer a mão de obra que continua [sendo de] marítimos oficiais especialmente, sendo formados exclusivamente pela Marinha do Brasil, que ainda continua abrindo vaga somente para 200, 300 marítimos por ano”, criticou Luis Fernando Resano.
Na visão da Abac, com essa atitude, a Marinha se esquiva das responsabilidades de reguladora. “A Marinha sempre fica à margem da regulação, mas ela também é um regulador. O que são as normans? Nada mais do que a regulação da autoridade marítima. E ela fica tentando se eximir de seguir os ritos da regulação, da transparência, e, claro, da publicidade dos seus atos”, afirmou Luis Fernando Resano.
Resano apontou que a norma prevista no Registro Especial Brasileiro lembrou ainda que a falta de marinheiros também é causada porque a Marinha não reconhece o treinamento de estrangeiros mesmo para a realização de serviços nos quais não há obrigatoriedade de se contratar tripulantes brasileiros.
“Sabe quantos navios operam com estrangeiros sob a bandeira brasileira? Nenhum. Isso acontece porque, para um navio ter a bandeira brasileira, a autoridade marítima precisa endossar os certificados. E ela não endossa esses certificados”, finalizou Luis Fernando Resano.
Modelo comunista
O secretário nacional de Hidrovias, Dino Antunes, afirmou que, inicialmente, a questão da tripulação seria abordada no âmbito do projeto BR do Mar, mas acabou se tornando “inviável”. Segundo ele, a ideia é que a situação ainda seja trabalhada a longo prazo.
“A visão da Marinha sobre a formação de marítimos é quase comunista. Existe uma planilha, não sei se todos estão cientes, com a lista nominal dos marítimos disponíveis para contratação… É claro que estou usando uma metáfora, mas não podemos continuar trabalhando com essa dinâmica. Precisamos adotar uma abordagem onde a oferta de marítimos não se limite a simplesmente atender à demanda. Esse negócio de oferta e demanda, quem vai resolver isso é o mercado”, destacou o secretário.
Segundo a Marinha, “no tocante à oferta de vagas para a formação de oficiais, nos últimos três anos foram oferecidas cerca de 1.000 vagas para a formação de Oficiais de Náutica e de Máquinas, o que representa aproximadamente 10% do total de oficiais da Marinha Mercante hoje em atividade no mercado”, esclareceu.
De acordo com o diretor do IBI (Instituto Brasileiro de Infraestrutura), Mário Povia, que trabalha junto com a Frente Parlamentar de Portos e Aeroportos, o assunto já é uma demanda do colegiado.
“A demanda é totalmente legítima, e nós estamos, tanto na frente parlamentar quanto no instituto IBI, com essa pauta em mãos. Vamos levá-la adiante, assim como outras questões importantes, como a formação de portuários, que não faz sentido continuar sob responsabilidade da Marinha”, criticou Povia.