Marília Sena e Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O governo federal está finalizando a metodologia para qualificar projetos que poderão acessar novos recursos de contratos de concessão de ferrovias e rodovias, voltados a incentivar práticas de descarbonização e resiliência climática pelas concessionárias. De acordo com o diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e relator da proposta, Felipe Queiroz, em entrevista à Agência iNFRA, a estimativa inicial é que esse mecanismo pode gerar até R$ 21,5 bilhões em novos investimentos nesses setores.
Chamado de PSI (Programa de Sustentabilidade para Infraestrutura de Rodovias e Ferrovias), a proposta é buscar a adesão das empresas para que cumpram requisitos previamente estabelecidos em normas do Ministério dos Transportes e da agência reguladora e possam ter pelo menos 2% de receitas novas para a realização desses investimentos.
Para incentivar a adesão das empresas ao programa de sustentabilidade, o modelo prevê que a adesão ao projeto habilita as empresas a ter o reequilíbrio prévio de suas receitas e, assim, iniciar os projetos. Isso será possível porque o modelo a ser aprovado, o que deve ocorrer nesta semana, prevê que a análise dos requisitos será feita dentro de um sandbox regulatório, o que permite ajustes ao longo do período de regulação experimental. A previsão é que a metodologia seja aprovada pelos comitês de rodovias e ferrovias na quarta-feira (8).
O projeto será lançado oficialmente na sexta-feira (10), durante o evento Infra ESG Talk, promovido pela ANTT em São Paulo (inscrições neste link). O evento reunirá especialistas e autoridades para tratar sobre os desafios e mudanças necessárias para tornar os sistemas de transporte e logística no Brasil mais sustentáveis. A programação será na Arena B3, das 14h às 17h, com transmissão ao vivo.
Segundo explicou o diretor da ANTT, o programa começa com o setor de rodovias. A partir do momento em que a concessionária entrar no programa, o acréscimo mínimo de 2% será automaticamente incorporado à sua tarifa, garantindo o piso para a sustentabilidade financeira dos projetos. As propostas das empresas terão que cumprir parte dos cerca de 470 requisitos estabelecidos por comissões formadas por membros da agência, do ministério e das empresas, que trabalham desde o início do ano para estabelecer os requisitos e a metodologia para a avaliação do seu cumprimento.
Segundo Queiroz, ao longo do período do Sandbox, cada um dos 31 contratos de concessão rodoviária federal que quiser acessar o programa terá de apresentar os planos que cumpram os requisitos. Ao fim do período, será feita uma avaliação sobre se os recursos foram suficientes, acima ou abaixo do necessário para os projetos. Caso tenham sido acima do necessário, serão feitos ajustes para adequar a receita.
Se for necessário mais recurso para algum projeto específico, haverá uma análise para avaliar se ainda é possível obter mais receitas no contrato para essa finalidade, mas dentro de limites estabelecidos nas normas de que os investimentos não podem impactar a modicidade tarifária.
De acordo com Felipe Queiroz, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) acompanha o programa, ajudando o governo federal a internalizar esses procedimentos na regulação, além de monitorar as metas e os resultados. Um dos desafios é identificar o que são investimentos efetivamente novos que reforcem a resiliência das infraestruturas ou ampliem a descarbonização e o que eram os investimentos já previstos em contrato.
Está previsto para o dia 6 de novembro, como um dos incentivos à COP 30 (Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas), que acontece no Brasil entre os dias 10 a 21 de novembro, em Belém (PA), o lançamento dos editais nos quais as concessionárias vão poder aderir ao programa. A área de rodovias, que terá os primeiros editais, tem potencial para obter ao longo dos contratos em vigor algo na casa dos R$ 15,2 bilhões, segundo a agência e considerando apenas o patamar de 2%. Já o setor ferroviário, que deve se utilizar de recursos de outorgas a pagar pelas concessionárias, poderia ter algo na casa dos R$ 6,5 bilhões.
Necessidade
A preocupação com projetos que incentivem a descarbonização e ampliem a resiliência climática das concessões de infraestrutura vem aumentando, especialmente diante de eventos climáticos extremos, como as chuvas que destruíram rodovias em São Paulo (2023) e rodovias e ferrovias no Rio Grande do Sul (2024). Mas a avaliação é que não haveria recurso público para fazer os investimentos necessários.
O Ministério dos Transportes elaborou então uma política pública, baseada em duas portarias (622/2024 e 689/2024) nas quais vinculou a emissão de debêntures de infraestrutura ao cumprimento de parâmetros ESG e estabeleceu que até 2% das receitas das concessões possam ser usadas para essa finalidade, sendo 1% para descarbonização e 1% para resiliência climática.
As diretrizes do ministério passaram a basear a atuação da agência, que vinha elaborando um projeto sobre o tema e, em novembro do ano passado, aprovou a Resolução 6.057/2024, que estabeleceu os critérios para que as empresas possam acessar esses recursos. Nessa norma, as empresas são classificadas em nove parâmetros de desempenho sustentável (chamados de PDS)
Ao longo deste ano, as comissões formadas pelos integrantes do poder público e do setor privado trabalharam para definir os requisitos dos PDS. De acordo com a gerente de Sustentabilidade e Inovação da agência, Claude Soares, eles totalizam 470 itens, mas cada contrato terá o número de requisitos adaptado às suas especificidades.
O diretor Felipe Queiroz explicou que os comitês temáticos que trabalharam no modelo junto a ANTT procuraram embasamentos técnicos e realistas para a situação dos contratos. Todo projeto é baseado em regulação responsiva e por incentivos. Por isso, a proposta é que as empresas tragam os projetos com sustentabilidade econômica e sejam reequilibradas antes da execução, como forma de evitar que discussões posteriores sobre o enquadramento possam inibir a adesão ao programa.
“Quando há maturidade no setor, boas práticas tendem a ser mais eficientes, especialmente do ponto de vista operacional. Afinal, quem está no sol e na chuva, no dia a dia da operação, conhece melhor o que funciona. Não faz sentido que Brasília fique editando regras para quem atua no Norte; se há maturidade, o próprio profissional sabe o que é eficaz e o que não é”, disse.
Sandbox regulatório
O período do sandbox regulatório deve ter duração mínima de dois anos. Na visão da ANTT, a medida, enquanto experimento regulatório, oferece maior segurança jurídica às concessionárias. “Ainda não se sabe se há mercado ou se a iniciativa funcionará. Por isso, é importante iniciar como um projeto piloto ou em um ambiente temporário, de modo a testar e reunir evidências da prática. Com base nesses resultados, será possível avaliar se os parâmetros estão adequados e, posteriormente, realizar ajustes nas revisões necessárias”, afirmou o diretor Felipe Queiroz.
A regra do PSI prevê a categorização das concessionárias em três níveis. O primeiro nível será obrigatório para quem quiser emitir debêntures. Já no segundo nível, as concessionárias classificadas poderão acessar o patamar de 2% de aumento de receita para os investimentos. Somente as que chegarem ao nível três poderão ter avaliados pela agência os projetos que passem dos 2% de aumento de receita.
Corredor logístico
Faz parte do PSI o projeto de Corredores Logísticos Verdes. São trechos específicos de conexão entre rodovias, ferrovias e portos, com um plano de sustentabilidade integrado com o setor portuário para reduzir as emissões e garantir resiliência climática para as infraestruturas.
Os PDS serão aplicados dentro dos corredores, permitindo uma abordagem multimodal que integra rodovias, ferrovias e portos. Segundo Felipe Queiroz, um exemplo é o corredor que conecta a EPR Litoral Pioneiro, concessionária da BR‑277, que liga Curitiba a Paranaguá e o Porto de Paranaguá, cujo planejamento e execução vêm sendo discutidos com a concessionária e parceiros desde 2024.
A ideia é que investimentos na concessão rodoviária possam ser feitos para melhorar a operação no porto, reduzindo as emissões como um todo. Felipe cita como exemplo a conexão de informações sobre agendamento de caminhões no porto com os PPD (Ponto de Parada e Descanso) que têm que ser construídos pela concessionária, que podem reduzir as emissões dos caminhões por diminuir o tempo de espera nas filas.








