Marília Sena, da Agência iNFRA
O contrato de concessão do Aeroporto Internacional de Viracopos (Campinas-SP), operado pela ABV (Aeroportos Brasil Viracopos), vai passar por uma nova tentativa de negociação, agora por uma comissão de autocomposição que será estruturada na ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). As tratativas ainda não começaram, mas o aval já foi dado pela agência, que quer inaugurar com o caso de Viracopos um ambiente de solução consensual aos moldes do que já ocorre na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) com a Compor (Câmara de Negociação e Solução de Controvérsias).
As tratativas para Viracopos marcam uma nova fase de tratamento da ANAC sobre o tema, já que na gestão passada a ideia defendida era de dar prosseguimento à retirada da ABV do contrato, após disputas judiciais e arbitrais terem avolumado as discordâncias entre a agência e a empresa – que pediu a devolução do ativo em 2019.
A relicitação de Viracopos é um dos grandes imbróglios entre o poder público e o setor privado na área aeroportuária, um debate que se arrasta desde que a ABV pediu a devolução, dentro de um processo de recuperação judicial iniciado pela concessionária. Durante os últimos cinco anos, contudo, a concessionária conseguiu se recuperar financeiramente e passou a atuar para se manter no aeroporto.
No atual governo, a situação desembocou numa tentativa de repactuação no âmbito da SecexConsenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos) do TCU (Tribunal de Contas da União), que terminou sem acordo no ano passado. Uma arbitragem na qual se discutem pedidos de indenização por descumprimentos contratuais de ambos também foi retomada.
Como a renegociação no TCU não teve consenso, a ideia da ANAC era promover a relicitação do ativo, mas o entendimento da corte de contas foi de que a agência perdeu o prazo para fazer um novo leilão. Diante deste cenário, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, vinha defendendo publicamente nos últimos meses que desejava manter a concessionária no ativo.
Pedido da empresa
Nesta terça-feira (14), o secretário nacional de Aviação Civil, Daniel Longo, informou que a ANAC aprovou a abertura de uma comissão de autocomposição para tentar resolver, de forma consensual, as controvérsias da concessão. A declaração foi feita durante audiência promovida na CFFC (Comissão de Fiscalização Financeira e Controle) da Câmara dos Deputados.
A mesa terá a participação da ANAC, do MPor (Ministério dos Portos e Aeroportos), da AGU (Advocacia-Geral da União) e da concessionária ABV. A solução consensual foi um pedido da empresa, aprovado pela autarquia nos últimos dias. Durante a audiência na Câmara, o diretor-presidente da concessionária, Gustavo Müssnich, defendeu que a criação da comissão de autocomposição é importante para construir uma solução que atenda ao interesse público e possa “salvar” um ativo que, segundo ele, tem desempenhado bem.
“Com um pouco de diálogo, boa vontade e racionalidade, a gente consegue sim salvar um ativo importante que tem desempenhado bem e, na nossa visão, atende ao interesse público, que, no fim do dia, é o que mais conta. Estamos muito abertos para as discussões que virão e otimistas quanto à possibilidade de entendimento”, afirmou. A comissão na ANAC já era esperada desde o ano passado, quando se aguardava a formação de um novo quadro de diretores da autarquia.
Discussões
Durante a audiência na Câmara, o secretário nacional de Aviação Civil afirmou que o novo processo busca “equalizar os diferentes pleitos de parte a parte, tanto do poder concedente quanto da concessionária”. Segundo ele, o MPor participará do que chamou de esforço institucional para resolver as controvérsias relacionadas ao aeroporto, e a pasta irá se manifestar apenas sobre aquilo que compete ao Ministério, “o que é basicamente temas relacionados ao projeto aeroportuário”, disse.
Longo reforçou que chegar a uma solução negociada para um contrato depende das posições que a ANAC estará disposta a assumir na precificação dos pleitos apresentados pela concessionária, assim como da flexibilidade da agência ao exigir o cumprimento das obrigações que considera de responsabilidade da concessionária.
De acordo com ele, a posição do MPor não se trata de “defender essa ou aquela concessionária, esse ou aquele agente econômico”, mas sim de garantir segurança jurídica e estabilidade regulatória. “O que nós iremos defender é o contrato. E confiamos na posição e na gestão que a agência reguladora exerce sobre o contrato de concessão. Se a agência conseguir chegar a uma construção negocial satisfatória junto à concessionária, a tendência do ministério é apoiar essa construção”, completou.
A superintendente de Regulação Econômica de Aeroportos, Emanuelle Soares, ressaltou, durante a audiência, que o processo está em fase inicial e que o alcance das discussões será determinado a partir de avaliações técnicas, financeiras e operacionais, de acordo com a legislação vigente, e que a agência aceitou o pedido da ABV com o objetivo de “assegurar que qualquer solução preserve a continuidade do serviço, a proteção do interesse público e a sustentabilidade do setor”.
Prazo da relicitação
Foi em julho que o plenário do TCU rejeitou o pedido da ANAC – formulado ainda na época em que a agência era comandada de forma interina – para retomar o processo de relicitação do ativo. O entendimento da corte no caso foi de que o edital do novo certame só poderia ser publicado com a certificação prévia, por auditoria externa, sobre o cálculo de indenização à atual concessionária de Viracopos. A imposição foi expressada pela Corte em fevereiro.
A ANAC, contudo, defendia que o acórdão do início do ano não decidia de forma definitiva sobre esse tema e alegava ainda que a exigência dos cálculos da auditoria externa antes da publicação do edital representava uma mudança no processo, já que na relicitação do Asga (Aeroporto de São Gonçalo do Amarante) essa não foi a regra adotada. No TCU, por sua vez, o argumento considerado foi de que os casos eram diferentes, especialmente pela litigiosidade envolvendo o processo de Viracopos, algo que não era registrado no Asga.
*Reportagem atualizada para inclusão de novas informações.








