Luiz Afonso dos Santos Senna*
Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira. (Leon Tolstoi)
Captura; este foi sempre o principal temor desde a criação das agências reguladoras no Brasil. A noção de captura pode ser sintetizada da seguinte forma: se realizada elos concessionários, a melhor tradução é corrupção; se realizada pelos usuários/clientes, pode ser traduzida em populismo regulatório; e se realizada pelo governo, a palavra é submissão da agência.
Concebidas para constituir um ambiente previsível e estável para os investimentos privados em infraestrutura, que independem dos governos, as agências reguladoras jamais chegaram a operar em sua plenitude. No Brasil, até mesmo governos que as criaram acabaram praticando bullying e atos de captura.
A ação de separação de atividades entre governo, monopólio e regulador, tem sido, em geral, acompanhada pela criação de uma agência reguladora, cuja missão é zelar pelo cumprimento do contrato de concessão, pela promoção da eficiência, pelo exercício efetivo da competição, pela defesa dos direitos dos consumidores e da qualidade dos serviços, propiciando a esperada segurança jurídica. Pode ainda apoiar o processo de investimento e proteger os investidores de eventuais ações arbitrárias do governo.
A agência surge após uma reformulação regulatória, com a introdução de competição, e tem como uma das metas garantir que as reformas em curso não penalizem o usuário, além, é claro, de buscar a garantia de eficiência econômica. A agência não é o poder concedente, nem tampouco deve com ele se confundir. O poder concedente é o governo, a quem compete a política pública, que faz um convênio com a agência para que a mesma possa cumprir os termos contratuais com os operadores privados.
O principal objetivo no estabelecimento de um órgão regulador efetivo é dotá-lo de poderes suficientes para agilidade na tomada de decisões, ao mesmo tempo em que suas relações de intervenção no mercado devem ser diminutas e restritas. Tal equilíbrio é resultado de definições claras determinadas por legislação específica e posterior regulamentação. A agência promove o equilíbrio nas relações entre o poder concedente, os prestadores de serviços (concessionários) e os usuários (consumidores), que é fundamental para a eficiência do sistema regulador.
A criação de agências de regulação independentes do governo inspira-se no modelo inglês, sendo três as tarefas principais a serem realizadas: i) fixar um teto máximo de aplicação dos preços de mercado, que passam por uma revisão periódica, através de uma concatenação entre o conjunto das partes envolvidas. A fórmula utilizada para esta tarifação de price-cap consiste em anexar anualmente, em um tempo determinado, os preços de monopólio, procurando assim levar em conta a evolução dos custos; ii) gerir a concorrência: atribuem licenças de operação das redes, fiscalizam a aplicação das cláusulas, sobretudo em termos de segurança e de qualidade dos serviços. Elas introduzem um código de utilização das infraestruturas que deve assegurar a equidade entre os diversos operadores, podendo ainda sancionar os abusos de posição dominante; e iii) construir a concorrência, quando esta não foi introduzida no momento da privatização.
É fundamental para o eficiente funcionamento da agência que o regulador mantenha um distanciamento crítico em relação aos consumidores, às empresas e a outros interessados privados, assim como em relação às autoridades políticas. Entre as propriedades necessárias das agências, destacam-se: autonomia, independência política, poder, transparência e profissionalização.
O órgão regulador das concessionárias deve ser investido de autonomia, com vistas a fazer valer a eficiência do sistema em ambiente de privatização de monopólios estatais. Torna-se, portanto, fundamental a autonomia financeira, definida em legislação e caracterizada pela prática do orçamento próprio e financiamento independente. A autonomia financeira pode ser viabilizada por taxas de fiscalização cobradas aos concessionários. Isto permite a programação prévia de dispêndios e otimização na atuação da agência, considerando os padrões viabilizada pela receita a ser obtida.
A independência política é um ponto importante na segurança do investimento privado. A atuação da agência deve ser em favor do Estado e do mercado (que inclui consumidores e investidores), não devendo haver a “captura” por subordinação política temporal. Neste particular, o regime de mandatos fixos para o conselho diretor e a garantia de cumprimento dos respectivos mandatos, só suscetíveis a eventual decisão em contrário do Legislativo, são opções que visam à estabilidade do funcionamento regulatório independente. Da mesma forma, um corpo jurídico independente se faz necessário, como forma de inviabilizar a captura por parte do próprio poder concedente, ele também parte interessada no mercado.
O poder exercido pelo órgão regulador independente pode ser melhor entendido se desmembrado: poder de fiscalizar empresas sob sua jurisdição, que permite impor sanções à eventual conduta violadora de normas e obrigações específicas; poder de regular, que possibilita emitir normas a incidir sobre os fatos e atos próprios do curso da atividade verificada no âmbito de sua jurisdição; poder de formular, que habilita o órgão a sediar, mediando publicamente os interesses diretos, discussões de políticas próprias para o setor sob sua jurisdição, a serem convertidas em normas ou votadas pelo Congresso ou, por delegação, estabelecidas pelo executivo.
Com vistas a garantir a eficácia operacional, merece destaque a importância do regime de profissionalização na agência regulatória. O órgão regulador precisa estar estruturado de acordo com orientações básicas que permitam máxima flexibilidade, que permita a adaptação aos desenvolvimentos do mercado. A flexibilização, através de mão-de-obra especializada contratada, permite ao órgão a adoção de regime de atualização profissional dinâmica e mais adequada às exigências operacionais. Esta é a melhor forma de interagir com meios acadêmicos, ambientes de pesquisa e especialistas, sem a necessidade de inchar a estrutura interna do órgão regulador.
De uma forma geral, os governos não gostam das agências nem tampouco de sua independência. Como as agências foram criadas mais por necessidade do que por convicção, qual seja, a atração de investidores requer tal procedimento por parte dos governantes, os mesmos as criam mesmo que tal procedimento não faça parte de suas convicções. O resultado é que as agências convivem permanentemente em um ambiente de bullying e com a iminência de captura por parte dos governos, quer seja através de ações primárias/primitivas, como nomear para o quadro diretivo pessoas sem a devida qualificação para o cargo, por asfixia financeira e burocrática, ou através de ações mais sofisticadas, como subordinar o quadro jurídico da agência à Advocacia-Geral da União ou às procuradorias de estados e municípios. Tanto as ações primárias/primitivas quanto as ações mais sofisticadas acabam atingindo seus objetivos, qual seja, a revogação da autonomia e independência, e, como consequência, a inviabilização das agências.
As agências reguladoras devem ser fortes, independentes, autônomas e profundamente técnicas, As agências são a materialização do novo, da expectativa de eficiência sistêmica do país e, por consequência, peças fundamentais para a sustentabilidade econômica da infraestrutura do país. O Brasil não pode abrir mão de dispor de agências reguladoras plenas, sem nenhum tipo de mutilação, particularmente considerando o momento econômico pelo qual o país passa.