Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Perto de completar um ano de sua aprovação pelo Senado, o novo Marco Legal do Saneamento está com regulamentações previstas no seu texto atrasadas.
A falta de definição sobre pontos dessa nova lei também está atrasando a concretização de regras sobre temas que serão importantes para dar cumprimento ao essencial que foi aprovado pela nova legislação: realizar a universalização do saneamento básico no país até 2033.
O novo Marco Legal do Saneamento foi aprovado em 24 de junho de 2020 pelo Senado. Sancionado com vetos em 15 de julho pelo presidente, ele virou a Lei 14.026/2020.
O principal prazo não cumprido, até o momento, é o previsto no artigo 7º da nova lei, que alterou a Lei 11.447/2007 (o antigo marco) para prever que as empresas com contratos em vigor terão que comprovar capacidade financeira para executar a universalização até 2033.
O chamado decreto de capacidade financeira deveria ter sido publicado 90 dias após a sanção da lei. Mas o governo alegou que, como havia um movimento para derrubar vetos relacionados a esse tema pelo Congresso, preferiu esperar a votação no Congresso. A análise dos vetos foi encerrada em 18 de março, com a manutenção de todos.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, comemorou a manutenção dos vetos após a votação e disse que o decreto estava pronto para sair em dias, informando ainda que ele criaria um sarrafo para retirar “mais de uma dezena” de empresas do mercado.
Mas, 40 dias depois da aprovação, o decreto segue sem ter sido publicado. Ele foi enviado no início de abril do Ministério do Desenvolvimento Regional para o Ministério da Economia e, segundo esta pasta, está “em análise” e será encaminhado ao Planalto “nas próximas semanas”.
Na resposta à Agência iNFRA, a Economia atribuiu o atraso à votação dos vetos no Congresso. Mas, quando a lei foi aprovada, não havia nenhuma previsão de que as regulamentações só seriam editadas após a análise dos vetos. Ou seja, o atraso foi uma escolha. Foi uma estratégia usada pelo governo para evitar que os vetos fossem derrubados. Perguntado se a demora na avaliação pode comprometer prazos do marco, o ministério respondeu:
“Não vai comprometer. Há o prazo até 31 de março de 2022 para a inclusão das metas de universalização, que será suficiente para o processo de comprovação da capacidade.”
Travando
Mas as consequências de não se definir as regras sobre quais empresas vão de fato poder seguir operando, e em quantas áreas, está travando outras regulamentações consideradas essenciais para o planejamento e o desenvolvimento de novos projetos. O governo federal não pode, por exemplo, sequer atualizar o Decreto 7.217, que regulamenta a Lei do Saneamento.
Outro atraso é que, pelas regras, os governos locais terão que definir os chamados blocos de saneamento, forma criada para que municípios com maior rentabilidade ajudem a subsidiar o saneamento em cidades menores.
Mas, sem saber como as atuais empresas vão poder operar, essas propostas – que precisam passar pelo Legislativo – tendem a não andar. E a lei prevê que os blocos têm que ficar prontos um ano após a promulgação, ou seja, em julho. Nenhum estado aprovou projetos de blocos após a lei nova (a Bahia já havia aprovado seus blocos em 2019).
Normas de referência
Além de definir que empresas vão operar, a forma e as regras sobre como elas vão operar também precisará ter as chamadas “normas de referência” nacionais, que vão ser definidas pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). Essas normas servem de parâmetro para a regulação nos entes subnacionais que, pela nova lei, precisam segui-las para ter acesso a recursos federais para o saneamento.
Mas, até o momento, nenhuma norma de referência foi aprovada pela agência nacional. A agência precisa apresentar, entre outras, uma proposta de referência para reequilíbrio de contratos, e a previsão era que isso ocorresse neste ano.
Segundo Carlos Motta, superintendente adjunto de Apoio ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos da agência, os estudos internos para que a minuta seja colocada em audiência pública estão avançados, com coleta de subsídios em diferentes tipos de empresas e organizações para uma proposta adequada. Mas, para ser concluída, ela depende da definição do decreto de capacidade financeira.
“O decreto vai ter impacto. Algum caminho que a gente está trilhando vai ser afetado pelo decreto. Em que pese a urgência, se o decreto sai num sentido diferente, podemos ter que recomeçar tudo”, explicou Motta, lembrando que os contratos que já têm cláusulas de reequilíbrio especificadas podem ser reequilibrados pois não serão afetados, na medida que a regra é respeitar contratos. “Mas há contratos que não têm nada [sobre o tema].”
Efeito cascata
Num efeito em cascata, sem a norma de reequilíbrio, também não é possível criar a chamada referência para a indenização de ativos que não tiverem sido amortizados, o que afetará diretamente as empresas que não conseguirem se qualificar para seguir prestando o serviço após o decreto e pode atrapalhar as que possam querer iniciar a nova operação.
Pela agenda regulatória da ANA, a proposta era soltar a consulta pública desse tema no segundo semestre deste ano. A agência ainda precisa definir normas sobre os padrões de novos contratos, funcionamento das agências locais, entre outras.
Augusto Dal Pozzo, sócio do Dal Pozzo Advogados, que participou das discussões sobre o marco, lembrou que as normas de referência nacionais foram criadas para que fosse possível ter uma maior harmonização regulatória no país e, assim, ampliar a segurança jurídica para os investimentos privados no setor. Para ele, quanto mais demorar o estabelecimento dessas normas, maior será a dificuldade em cumprir a universalização no prazo previsto na lei.
“Já era difícil sem atraso. Quanto mais demora, mais dificuldade se cria”, disse o advogado, indicando que é necessário que se trabalhe numa harmonização de agenda regulatória entre os órgãos federais que tratam do saneamento.
Resíduos sólidos
A norma mais avançada da ANA é a que vai regular a cobrança por resíduos sólidos. A consulta pública foi encerrada há duas semanas. Mas, também nessa, há uma corrida contra o tempo.
Os governos locais têm até 15 de julho (um ano da lei) para apresentar propostas legislativas sobre como vão fazer para cobrar pela coleta e destinação do lixo nas cidades. Cerca de 4 mil municípios não têm regra sobre o tema.
Na proposta original, a ANA recomenda que a cobrança seja feita por uma tarifa, que pode ser cobrada numa conta de serviço, como a conta de água, mais fácil de gerenciar do que quando cobrado por taxa.
Segundo Motta, foram 470 contribuições, a maior participação da história de uma consulta da agência, o que dá a dimensão do interesse do tema e como serão as outras. E também a dificuldade para os agentes em trabalhar, já que cada contribuição precisa ser analisada e respondida.
“Estamos numa corrida contra o relógio”, explicou o superintendente adjunto.