A saga do enquadramento de projetos de minigeração distribuída no Reidi

Marvin Menezes*, Rafaela Rocha** e Hodekirichardson Cunha***

Com a promulgação da Lei 14.300/2022, conhecida como o “marco legal da microgeração e minigeração distribuída”, e da promulgação posterior, de agosto de 2022, da previsão contida no parágrafo único do seu art. 28 – que havia sido vetada pelo Presidente da República –, os projetos de minigeração distribuída tornaram-se elegíveis ao Reidi (Regime de Incentivos ao Desenvolvimento de Infraestrutura).

O Reidi, instituído pela Lei 11.488/2007 e regulamentado pelo Decreto 6.144/2007, caracteriza-se como regime de incentivo fiscal que, no que diz respeito à venda ou importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, e de materiais de construção para utilização ou incorporação em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado, assim como para a contratação dos serviços necessários a essas obras, suspende a exigência das contribuições relacionadas ao PIS/PASEP e à Cofins, reduzindo, por consequência, o custo final desses bens.

Ou seja, trata-se de incentivo que, pela própria natureza dos projetos de minigeração distribuída, dependentes, em sua grande parte, da importação de bens, pode representar relevante redução do valor necessário para implantação, aumentando o número de interessados bem como da participação da geração de energia por fontes renováveis na matriz energética brasileira.

Essa última que, diga-se, foi uma das razões para a contemplação das pessoas jurídicas com projetos de minigeração distribuída dentre aquelas elegíveis ao aproveitamento do benefício, conforme expressamente apontado pelo legislador no parágrafo único do art. 28 da Lei 14.300/2022.

Para fazer jus ao Reidi, os interessados devem ser habilitados nos termos definidos pelo poder executivo, a quem a lei instituidora conferiu expressamente tal atribuição (parágrafo único do art. 1º da Lei 11.488/2007) e quem vem desempenhando esse papel por meio da SRFB (Secretaria da Receita Federal) e do MME (Ministério de Minas e Energia), responsável por definir, em portaria, os projetos que se enquadram nos requisitos, quando relacionados ao setor elétrico.

Sem a habilitação, não é possível ao titular do projeto valer-se dos benefícios que o Reidi contempla e que somente podem ser utilizados durante os cinco anos posteriores a esse procedimento. E é justamente essa fase inicial que os titulares dos projetos de minigeração distribuída não conseguiram, até então, ultrapassar, tendo a obtenção do Reidi se transformado em verdadeira saga.

Inobstante tenham passado quase 18 meses desde a derrubada do veto ao parágrafo único do art. 28 da Lei 14.300/2022, não foi ainda feita pelo poder executivo a necessária regulamentação do procedimento para a habilitação desses projetos.

Enquanto nos meses iniciais essa ausência de regulamentação gerou dúvida por parte dos interessados sobre a possibilidade ou não de submissão de solicitação para enquadramento no Reidi com base apenas no que a Lei 14.300/2022 previu, nos meses que foram seguindo, a não apresentação de solução acabou por levar à decisão de muitos por, ao menos, tentar a sua habilitação com o que havia até ali.

As inúmeras solicitações de enquadramento que foram endereçadas à ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), responsável por instruir o processo e recomendar ou não a aprovação do enquadramento ao MME, etapa prévia à habilitação junto à SRFB, acabaram, no entanto, arquivadas justamente sob o entendimento de ausência de previsão regulatória.

De fato, a Portaria 318/GM/MME de 2018, que dispõe taxativamente sobre as categorias de projetos de geração de energia elegíveis ao Reidi e cujos titulares poderão requerer à ANEEL o enquadramento, não inclui a minigeração distribuída, mas apenas a geração de energia elétrica decorrente de participação de licitação, na modalidade Leilão no ACR (Ambiente de Contratação Regulado); a geração de energia elétrica no ACL (Ambiente de Contratação Livre); e a geração de energia elétrica decorrente de ampliação para o fim de exportação.

Disso decorre que a ANEEL, logo a primeira a se deparar com as solicitações, ao exercer a atribuição de as analisar, não teria como indicar ao MME a adequação dessas solicitações aos termos da lei e da própria regulamentação vigente do Reidi (conforme disposto no art. 2º da referida portaria).

Como resultado, tanto aqueles que tentaram o enquadramento apresentando requerimento à ANEEL quanto aqueles que preferiram aguardar encontram-se atualmente na mesma situação – à espera da regulamentação.

O cenário, todavia, parece estar em caminho de alteração e, ao que tudo indica, em decorrência (não só, mas também) do que foi recentemente exposto pelo poder judiciário, quando da apreciação do tema.

Veio do judiciário, afinal, manifestação acerca da necessidade de ação regulatória eficaz e célere para garantir os direitos dos empreendedores com projetos de minigeração distribuída, sendo que a não adoção das providências depois de tanto tempo justificaria, como efetivamente justificou (cf. decisão no Mandado de Segurança nº 1058792-41.2023.4.01.3400, da 1ª vara federal cível da seção judiciária do Distrito Federal) determinação judicial para o enquadramento necessário. 

A partir disso, novos movimentos foram finalmente feitos pelo poder executivo em direção à regulamentação do tema.

Em 17 de janeiro deste ano, o MME publicou o aviso de abertura da Consulta Pública 159/2024, com proposta de procedimentos para o enquadramento de projetos de minigeração distribuída no Reidi, conforme estabelecido no parágrafo único do art. 28 da Lei 14.300/2022.

De acordo com a proposta submetida à consulta pública, o enquadramento no Reidi deveria ser efetuado mediante solicitação à distribuidora pela pessoa jurídica titular da unidade consumidora com minigeração distribuída que cumpre os requisitos estabelecidos no Decreto 6.144/2007.

Esse requerimento deverá ser feito em formulário de informações padrão fornecido pela distribuidora da área de concessão e conterá, dentre outras informações, o número da unidade consumidora, número do CUSD (Contrato de Uso do Sistema de Distribuição), a estimativa dos investimentos em bens e serviços e o valor de suspensão dos impostos e contribuições referentes ao Reidi.

Seria a distribuidora, por sua vez, quem encaminharia à ANEEL, até o décimo dia útil do mês subsequente à data da solicitação, as informações recebidas e o resultado da análise da solicitação de enquadramento no Reidi.

Já a ANEEL, após receber essas informações, caberia avaliar a conformidade do pedido, especialmente no que se refere à compatibilidade da estimativa dos investimentos, cujos valores são indicados em anexo à minuta da portaria proposta – correspondentes aos valores estabelecidos na Resolução Homologatória nº 3.171/2023, que homologou os valores de referência dos custos de investimento em centrais de minigeração distribuída para o fim de pagamento da garantia de fiel cumprimento –,  bem como do valor de suspensão dos impostos e contribuições decorrentes do Reidi.

Após a análise, caberá então à ANEEL encaminhar ao MME as informações do projeto e sua manifestação acerca da adequação do pedido, tal como o procedimento que já é adotado atualmente. Caso haja uma recomendação de não enquadramento no regime, é facultada ao titular do projeto a reapresentação da solicitação à concessionária de distribuição.

Trata-se, como dito, de proposta ainda submetida à Consulta Pública 159/2024, que ficará aberta até 16 de fevereiro, podendo ou não ser alterada.

O que se mostra importante é a possibilidade de que, após o seu encerramento reste finalmente publicada Portaria com a inclusão dos projetos de minigeração distribuída para enquadramento no Reidi, chegando ao fim a saga enfrentada desde o veto inicial do parágrafo único do art. 28 da Lei 14.300/2022.

São os efeitos de todo esse percalço que não estarão afastados por completo.

Em vista dos prazos estabelecidos pela Lei 14.300/2022 para que a conexão das unidades com minigeração distribuída se dê ainda dentro do regime de faturamento e compensação prévios à lei (cf. §3º do art. 26), boa parte dos projetos já estão (ou supõe-se que estão) em fases avançadas, já tendo sido ultrapassada a de aquisição de bens e contratação de serviços.

Como os benefícios do Reidi são apenas prospectivos, a partir da habilitação do projeto, e incidem justamente sobre essas etapas, é possível que o seu aproveitamento acabe limitado.

É dizer então que, neste caso, a demora na adoção das providências necessárias para a regulamentação eficaz do benefício pretendido pelo legislador para a minigeração distribuída foi de dimensão tamanha que pode ter acabado por levar ao seu próprio esvaziamento.

Ao fim e ao cabo, inobstante o veto presidencial tenha sido vencido para tornar vigente a possibilidade de Reidi para a minigeração distribuída, a ausência de regulamentação impediu a sua eficácia. Esperamos que não.

*Marvin Menezes é sócio e titular da área de Energia do TAGD Advogados.
**Rafaela Rocha é coordenadora da área de Energia do TAGD Advogados.
***Hodekirichardson Cunha é estagiário da área de Energia do TAGD Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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