Dimmi Amora e Jenifer Ribeiro, da Agência iNFRA
O acordo entre a Rumo, o Ministério dos Transportes e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para a reprogramação de obras previstas na renovação antecipada da Malha Paulista de Ferrovias prevê diminuir as duplicações e contornos previstos para a ferrovia.
O acordo foi parcialmente fechado no TCU (Tribunal de Contas da União) na semana passada, após quase um ano de negociações. Falta concordância entre as partes sobre novos termos que não têm relação direta com essas alterações, sobre as quais há concordância entre as partes, inclusive para o que foi vetado: a devolução de trechos por parte da concessionária.
A decisão do tribunal, disponível neste link, prevê alterações contratuais nos seguintes pontos: troca de dormentes na linha tronco; troca de trilhos em ramais de baixo tráfego; duplicação de trechos ferroviários; sinalização e sistemas; mudanças em contornos ferroviários; e recuperação de ramais sem tráfego.
De acordo com o voto do relator, o ministro Vital do Rêgo, essas mudanças afetam 20 dos 122 investimentos obrigatórios previstos no termo aditivo que permitiu a renovação antecipada da Malha Paulista.
A previsão inicial era de investimentos de R$ 1,72 bilhão em ampliação de capacidade e R$ 1,014 bilhão a serem aplicados para as soluções de conflitos urbanos. As mudanças retiram cerca de R$ 500 milhões dessas obrigações, mas esses números ainda serão revistos devido à necessidade de novos projetos e cálculos após o acordo.
O voto do relator deixa claro que seria impossível à Rumo cumprir o contrato, assinado em 2020, sem adentrar sobre os motivos que fizeram a empresa não conseguir cumprir nem mesmo no primeiro ano de contrato as suas obrigações.
Como o contrato previa que descumprimentos em três anos seguidos levariam à retomada pelo poder público, a comissão entendeu que isso geraria um conflito que poderia ser prevenido com o acordo. Esse, contudo, não foi o único critério de avaliação, que também focou na necessidade dos investimentos e na economicidade da troca.
“Não interessa ao poder público simplesmente substituir eventuais obras por valor de outorga, mas também não há razoabilidade em se executar soluções que não gerem valor ou sejam desnecessárias naquele marco temporal específico apenas porque o caderno de encargos assim especificou tais soluções”, escreveu o relator no TCU, ministro Vital do Rêgo, em seu voto.
Contorno ferroviário
As mudanças de maior impacto são as que determinavam a construção dos contornos ferroviários Variante de Mirassol, em São José do Rio Preto e Cedral (SP), e Contorno de Catanduva (SP).
A Rumo alega que o contorno não seria uma solução eficiente para afastar a ferrovia das áreas urbanas e que a experiência mostra que o crescimento urbano acaba se aproximando novamente das linhas. As áreas escolhidas para os novos contornos já estariam com início de ocupação urbana, segundo a empresa informou.
Na mesa de negociação, ficou claro que seria impossível fazer os contornos nos prazos estipulados, e, sem a renegociação, seria necessário aplicar a cláusula resolutiva do contrato. Esse foi um dos motivos para a secretaria concordar com a mudança, evitando assim um conflito iminente no contrato.
Durante as discussões na Secex Consenso do TCU, foi acordado que, como substituição dessas obrigações, serão feitas soluções integradas nas áreas por onde a ferrovia já passa atualmente, como forma de solucionar os conflitos urbanos. Essa solução teria o aval da prefeitura de Catanduva, que não deseja o contorno, e a população local teria sido ouvida.
Pelo acordo, a Rumo terá dois anos para apresentar projetos executivos e novos orçamentos para os investimentos, que deverão ser aprovados pela ANTT e executados até o ano oito. A agência reguladora também fica encarregada de definir o prazo para a conclusão das intervenções e o valor regulatório das obras, além de realizar o reequilíbrio econômico-financeiro.
Originalmente, o valor das intervenções de contornos ferroviários chegaria a R$ 1,1 bilhão, o que corresponde a 23% do investimento total na ferrovia previsto pela renovação. Somente esses dois projetos somavam R$ 670,6 milhões. A estimativa é que as soluções integradas diminuam esse valor para R$ 150 milhões, mas isso depende dos projetos executivos.
Duplicação da malha
Outra obrigação retirada do contrato foi a necessidade de duplicar 11 trechos da Malha Paulista. Só dois foram mantidos com necessidade de duplicar, como previsto em contrato. O desejo da Rumo de não duplicar toda a linha está presente desde o início do projeto, mas no acordo para a renovação o governo não permitiu essa mudança.
A comissão justificou a alteração desses investimentos usando como base um estudo de capacidade feito pela Rumo e revalidado pela ANTT, que mostra ser possível o índice de saturação da malha se manter menor que 90% até 2058 com intervenções mais simples que as duplicações previstas.
A Secex Consenso não considerou a duplicação inviável, mas entendeu a intervenção como antieconômica. A proposta aprovada determina que no trecho entre Itirapina e Boa Vista Velha sejam substituídas nove duplicações por 11 intervenções.
Por sua vez, a duplicação entre Camaquã e Rio Claro Novo, assim como entre Rio Claro Novo e Cordeirópolis, será mantida. No trecho entre Convenção e Pirapitingui será realizada mais uma obra de capacidade, que vai ser definida durante a elaboração de projeto executivo.
Outra ponderação do órgão foi para que a ANTT e o próprio TCU fiscalizem se a não duplicação da linha vai criar algum gargalo para o qual será necessário acionar o gatilho de capacidade previsto no contrato (a concessionária tem que ampliar por conta própria a linha quando atinge 90% de capacidade). Essa alteração foi estimada em R$ 150 milhões, mas ainda dependerá de novas avaliações.
Controle
Devido a essa alteração nas duplicações, a empresa também pediu para redimensionar o layout do projeto de implementação do novo Controle Centralizado do Tráfego alegando que com a mudança dos trechos duplicados há incompatibilidade entre a sinalização original e o novo plano para garantir que o nível de saturação não seja atingido. A proposta foi acatada pela comissão.
Além disso, no contrato de renovação também ficou previsto que esse sistema de controle se estende a concessionários com direito de passagem na malha. Na comissão, ficou acordado que essa obrigação será retirada, tendo em vista que não cabe à concessionária arbitrar nas empresas que operam na malha por direito de passagem. Nesse item, foram mais R$ 58 milhões de diferença.
Modernização da malha
Foi concedida também à concessionária a extensão do prazo de quatro para oito anos para o cumprimento da obrigação de troca de dormentes da linha tronco da ferrovia, que vai de Aparecida do Taboado (MS) a Santos (SP).
A Rumo afirma que, por mais que seja possível finalizar a intervenção em quatro anos, como determina o contrato, seria inviável manter a operação dentro dos padrões estimados na renovação com esse cronograma. Seria necessário reduzir o volume de cargas transportado.
A empresa já fez intervenção para a troca de trilhos desse trecho, o que já permite operar em toda a linha com trens de 32,5 toneladas por eixo. Essa alteração resultou em um acréscimo de R$ 83,8 milhões em outorga a favor do governo pela extensão de prazo, mas sem alterar o serviço.
Mudanças nos ramais
Nos ramais de Panorama e de Colômbia, houve também mudança na implantação dos trilhos e dormente. Apenas os trilhos de menor capacidade serão trocados dentro do prazo previsto no contrato, três anos para o ramal de Panorama e quatro para o de Colômbia.
No entanto, foi determinado que se mantém a obrigação contratual de troca de todos os trilhos até o ano 30 da renovação. A empresa alegou que o custo dos trilhos subiu. A comissão justificou a concordância com o pedido, afirmando que a troca dos trilhos nos trechos definidos não atrairia mais demanda para os ramais. O cálculo inicial de mudança desse item ficou em R$ 32,8 milhões, sujeito a reavaliação.
Recuperação de trechos
O único pedido recusado da proposta apresentada à comissão foi o de não realizar a recuperação nos trechos entre Pradópolis e Colômbia, e de Panorama a Bauru. Essa parte da malha está sem tráfego e a Rumo tinha a intenção de devolver o ramal.
Na proposta original de renovação, levada a audiência pública em 2016, a Rumo já queria devolver esses ramais, mas houve pressão das comunidades locais e o governo não aceitou essas devoluções, mantendo os dois ramais no contrato renovado.
A comissão decidiu rejeitar as solicitações de devolução e não acatou o pedido de eliminar a obrigação de implantação do contorno de Barretos. A Secex Consenso alega que essas avaliações estão fora do escopo de atuação da comissão e que a possibilidade de devolução já havia sido analisada e rejeitada durante a discussão da renovação antecipada.
No entanto, dentro desse pedido, foram acatadas as solicitações de divisão do ramal em dois segmentos, de estabelecimento de novo cronograma de investimentos, da exclusão do trecho Pederneiras a Bauru do plano de modernização e da inclusão do trecho no plano de recuperação de trechos.