Amanda Pupo e Marília Sena, da Agência iNFRA
A entrada do governo de São Paulo, em tom crítico, no debate sobre o leilão do Tecon Santos 10 gerou um incômodo dentro do MPor (Ministério de Portos e Aeroportos), responsável por enviar ao TCU (Tribunal de Contas da União) a modelagem do projeto definida pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).
Segundo interlocutores ouvidos pela Agência iNFRA, partiu desse contexto a declaração dada nesta quarta-feira (11), pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, que disse estar “muito confortável” com a decisão do órgão regulador, pontuando em seguida que a atual diretoria foi indicada pela gestão Bolsonaro.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro e responsável por iniciar os estudos para o arrendamento do terminal de contêineres em Santos, então chamado de STS10. À época, a ideia era licitar o projeto em 2022. As discussões sobre os aspectos concorrenciais do leilão e depois o debate sobre a privatização do Porto de Santos, contudo, inviabilizaram o certame no governo passado.
“Eu me sinto muito confortável em relação à decisão porque a ANTAQ foi toda indicada pelo governo Bolsonaro. Então, quem indicou toda a diretoria da ANTAQ foi o governo anterior. Não foi o nosso governo. Nós temos que respeitar a decisão da ANTAQ”, disse Costa Filho, após participar do 3º Simpósio Liberdade Econômica, em Brasília.
Na semana passada, o governo de São Paulo enviou um ofício a autoridades de Brasília posicionando-se de forma contrária ao modelo de leilão em duas fases do Tecon Santos 10. Pelo modelo definido na ANTAQ, na primeira etapa da licitação não poderão participar empresas que já operam em Santos. Somente se não houvesse proposta nesta fase é que outras companhias poderiam disputar o ativo.
No documento da ANTAQ, os diretores relembram pelo menos 21 arrendamentos portuários feitos com restrições concorrenciais, parte deles durante a gestão de Tarcísio de Freitas no ministério.
Já no ofício, secretários de Tarcísio argumentaram que a criação de regras restritivas esvazia a ampla competição e retira empresas qualificadas do certame, podendo resultar num serviço menos eficiente e mais custoso para a cadeia logística paulista. Embora o ativo seja federal, o entendimento da gestão estadual é de que a relevância do projeto demandava uma posição do poder local.
Tarcísio e Costa Filho são do mesmo partido, o Republicanos. Nos últimos tempos, estreitaram o contato em razão do projeto do túnel seco para ligação entre Santos e Guarujá (SP), que vai ser licitado pelo governo estadual, mas contará com aportes dos executivos estadual e federal.
As críticas ao modelo do leilão do Tecon10, entre elas as do governo de SP, pressionaram o MPor nos últimos dias, o qual, embora seja o poder concedente, enviou a modelagem ao TCU sem tomar posição oficial sobre as restrições concorrenciais. A estratégia desagradou, inclusive, integrantes da gestão Lula, segundo apurou a reportagem.
À Agência iNFRA, Costa Filho afirmou que o ministério agiu dessa forma para tomar uma posição já resguardada pela avaliação do TCU. “Vamos nos manifestar depois de ouvir o tribunal, que é, sem dúvida, quem vai poder dar a diretriz com mais segurança. Precisamos aguardar para que o governo faça uma reflexão e tome a decisão da maneira mais segura possível”, disse o ministro, segundo quem o movimento do MPor, de aguardar o TCU, é feito como “posição do governo”.
Ele também reforçou que a pasta respeita a decisão tomada pela ANTAQ no caso, repetindo que o colegiado foi indicado durante o governo Bolsonaro.
Interlocutores do MPor afirmaram à Agência iNFRA que o posicionamento de Costa Filho já vinha sendo manifestado a aliados, representantes do setor de infraestrutura e à própria equipe. Mas a declaração foi recebida com certa surpresa até por pessoas próximas, já que, embora o contexto da fala tenha relação com as críticas do governo Tarcísio, colocou a ANTAQ como protagonista em um momento de críticas sobre a restrição proposta no leilão.
Por outro lado, o receio de que as declarações do ministro pudessem gerar mal-estar na agência foi, segundo fontes, dissipado. A avaliação é de que ele mantém boa relação com a autarquia, o que levou os diretores a lerem suas falas como uma provocação ao governador de São Paulo.
Configurado com indicações da gestão Bolsonaro, o colegiado da ANTAQ hoje aguarda indicações pendentes do governo para a diretoria. Atualmente, o diretor Caio Farias ocupa interinamente a direção-geral da agência.
Caso a nomeação de Farias seja efetivada, Costa Filho deverá indicar um novo nome para compor o colegiado –ou, em alternativa, sugerir um novo diretor-geral. No entanto, hoje a maior possibilidade é de que o auditor do TCU Frederico Dias seja o indicado para a vaga de diretor-geral da agência.
Audiência na Câmara
A Nota Técnica 51 da ANTAQ, que fez a análise concorrencial sobre o leilão do Tecon10, será debatida em audiência pública, conforme aprovou nesta quarta-feira (11) a CDE (Comissão de Desenvolvimento Econômico) da Câmara dos Deputados. O requerimento foi de autoria do deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que critica o documento por apresentar “fragilidades na definição do mercado relevante”. A audiência ainda não tem data definida.
Até o momento, estão convidados para a reunião o ministro Silvio Costa Filho; o ministro da Casa Civil, Rui Costa; Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União); André de Seixas Ponce Alves, diretor-presidente da Logística Brasil; e Eduardo Heron dos Santos, representante do Conselho de Exportadores de Café do Brasil.