Esclarecendo a Política de Apoio à Exportação de Bens e Serviços do BNDES

Francisco Costa e Silva*, Thiago Cardoso Araujo** e André Uryn***

Em sessão plenária extraordinária realizada no último dia cinco, o TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu acolher integralmente as defesas de ex-gestores e empregados do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em caso que analisava suposto desvio de finalidade em operações de financiamento a exportações de bens e serviços de engenharia para empreendimentos rodoviários realizados no exterior. O processo (TC 017.469/2016-3) era de relatoria do ministro Augusto Sherman, que restou vencido no julgamento.  

O voto vencedor do acórdão, proferido em revisão pelo ministro Vital do Rêgo e acompanhado pelos ministros Benjamin Zymler, Jhonatan de Jesus, Augusto Nardes, Antonio Anastasia e Jorge Oliveira, ponderou que o conceito de “exportação de serviços” é de natureza jurídica indeterminada, notadamente caracterizado pela entrada de moeda estrangeira na balança comercial brasileira.

O principal argumento do ministro revisor foi no sentido de não ser possível concluir pela existência de desvio de finalidade no financiamento de supostos gastos locais, considerando a declaração do importador – emitida pela autoridade competente do país estrangeiro – no sentido de que os recursos foram utilizados para os fins contratados, acompanhada pela subsequente remessa de divisas estrangeiras ao Brasil, destinada à quitação do crédito concedido pelo BNDES.

Seguindo esse racional, por maioria dos votos, os ministros do TCU entenderam que não estava configurado o desvio de finalidade e, também, afastaram a existência de erro grosseiro ou dolo na conduta dos responsáveis arrolados.

O desfecho desse julgamento é de extrema relevância para o cenário nacional, abrindo caminho para a retomada e implementação de políticas públicas semelhantes no país. Para tanto, há clara necessidade de aprovação do Projeto de Lei 5.719/2023, a fim de que seja conferida sólida base de segurança jurídica aos agentes envolvidos nessas operações.

Os benefícios da política pública de fomento à exportação para o desenvolvimento econômico do país são inegáveis. Primeiro, o incremento no volume exportado promove o crescimento do produto interno, dos investimentos, da renda e do emprego.

No Brasil, o apoio governamental às exportações de serviços e bens industriais de alto valor agregado teve como principais metas assegurar a entrada de divisas para equilibrar o balanço de pagamentos e gerir a dívida externa, bem como fomentar a competitividade internacional das empresas brasileiras.

Dados revelam que no decorrer de mais de duas décadas, o BNDES assumiu relevante papel no apoio à exportação de bens e serviços brasileiros, desembolsando em torno de US$ 10,5 bilhões para empreendimentos em quinze países, dos quais US$ 12,8 bilhões já retornaram ao banco[1]. Isto significa dizer que essas operações deram um resultado positivo de mais de US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões) para os cofres públicos.  

Segundo, os financiamentos concedidos pelo BNDES às construtoras brasileiras envolveram mais de 4.800 fornecedores no país, dos quais 66% eram empresas de pequeno e médio porte. De 2005 a 2014, esses fornecedores, em média, empregaram 561 mil pessoas por ano.

É incontestável, portanto, o impacto positivo que essa política pública definida à época pelo governo federal, com suporte do poder legislativo, trouxe ao país. E, para além disso, quão fundamental foi o papel exercido pelo BNDES, como principal banco de fomento, no crescimento socioeconômico nacional.

Em 2015, no entanto, conforme informações do banco, o BNDES cessou os repasses destinados às exportações de bens e serviços de engenharia no exterior. A medida se deu em razão de questionamentos suscitados quanto a sua atuação – dentre eles, as supostas “caixas-pretas” que deveriam ser devassadas – sobretudo no que concerne à necessidade de fiscalização dos itens exportados, bem como à supervisão das obras realizadas no exterior.

Como resultado, a política pública associada a esses repasses deixou de ser prioridade nos últimos anos, tendo sofrido críticas sob a falsa perspectiva de que o déficit de infraestrutura no Brasil seria diretamente atribuído às exportações financiadas pelo BNDES que, supostamente, priorizava o desenvolvimento de projetos em países estrangeiros, em detrimento de investimentos locais.

Em resposta a esse cenário, discussões sobre o tema no legislativo ganharam destaque no ano passado. Destacam-se proposições que proíbem o financiamento do BNDES para empresas brasileiras atuarem no exterior, a exemplo do projeto de lei 87/2023, até propostas para alinhar a atividade de fomento realizada pelo Banco aos padrões adotados por bancos de exportação de países membros da OCDE (organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)[2], como o mencionado Projeto de Lei 5.719/2023.

Além das polêmicas no congresso, o governo federal esbarrou em outra dificuldade para retomar a política de apoio à exportação de obras e serviços de engenharia para o exterior. Diversos processos que questionavam essa política pública estavam em análise pelo TCU, com proposta de aplicação de sanção a dezenas de funcionários e ex-funcionários do BNDES, incluindo técnicos, ex-diretores e ex-presidentes. A decisão pelo arquivamento do primeiro caso sobre o tema, portanto, não só confere uma base sólida de segurança jurídica para a continuidade e eventual retomada dessas políticas públicas, mas reconhece que a atuação do BNDES no apoio ao fomento às exportações é legitima e essencial para o desenvolvimento econômico do país.


[1] De acordo com o BNDES, o retorno é referente aos pagamentos do valor principal da dívida e juros, até setembro de 2022.

[2] A principal diferença da atuação do BNDES para os Bancos de Desenvolvimento de outros países diz respeito ao financiamento de gastos locais, que são custos incorridos no país do importador e que não ingressam na balança comercial do país exportador. Enquanto o BNDES atua de modo conservador, não permitindo o financiamento desses gastos, a maioria dos Bancos de Desenvolvimento internacionais é bastante flexível em relação a esse tema. Cite-se como exemplo o US Exim Bank, dos Estados Unidos da América, que permite o financiamento de até 50% de gastos no país de destino da obra, o que representa um percentual bastante agressivo de conteúdo estrangeiro.

*Francisco Costa e Silva é sócio de Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, ex-diretor das áreas de infraestrutura e social do BNDES e ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
**Thiago Cardoso Araújo é sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados.
***André Uryn é sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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