Geraldo Campos Jr., Marisa Wanzeller e Lais Carregosa, da Agência iNFRA
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou o relatório da MP (Medida Provisória) 1.304, da reforma do setor elétrico, nesta terça-feira (28). Após leitura do texto na comissão mista do Congresso Nacional, o presidente do colegiado, deputado Fernando Coelho Filho (União-PE), concedeu vista coletiva e agendou uma nova reunião para esta quarta-feira (29), às 11h, para retomar a discussão e apreciar a matéria. Depois, a proposta ainda precisará passar pelos plenários da Câmara e do Senado até a próxima sexta-feira (7), quando perde a validade.
Além de alterar trechos propostos pelo governo na 1.304 e de incorporar partes que eram da MP 1.300, que foi aprovada basicamente com a Tarifa Social, o parecer de Braga trouxe várias novidades. Dentre elas, estão a possibilidade de renovação de contratos de hidrelétricas, compensação por passivos de curtailment (cortes de geração), incentivos fiscais para sistemas de armazenamento e previsão de usar benefícios tributários da Sudam (região Norte) e da Sudene (Nordeste) para modicidade tarifária.
Curtailment
No caso do curtailment, a MP permite o ressarcimento do passivo referente aos cortes por razão elétrica, ou seja, conforme a disponibilidade de transmissão. A data de corte para a compensação será desde 1º de setembro de 2023 (dias após o apagão daquele ano) até a entrada em vigor do texto. Para ter direito, os empreendimentos precisarão desistir de ações judiciais sobre o tema. Segundo Braga, esse custo não recairá sobre os consumidores.
“Nós estamos endereçando aqueles cortes do passado que foram realizados em função de desequilíbrio elétrico. Esses terão uma indenização que não sairá da CDE [Conta de Desenvolvimento Energético], mas sim de multas que a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica] aplica sobre o setor”, afirmou o senador em entrevista após a apresentação do parecer.
No entanto, de acordo com Braga, o curtailment por razão energética, que se refere à falta de demanda, não será ressarcido. “Os [cortes] energéticos não têm nenhuma indenização, pois isso é risco do gerador. Foi uma decisão empresarial do gerador e isso é um risco dele no passado, no presente e no futuro”, defendeu.
Hidrelétricas
Pelo texto, o governo poderá renovar os contratos de geração hidrelétrica assinados antes de dezembro de 2003, com capacidade instalada acima de 50 MW (megawatts). Conforme apuração da Agência iNFRA, há uma série de outorgas vincendas envolvidas em um imbróglio legal que poderia obrigá-las a serem renovadas conforme o regime de cotas. O texto de Braga resolve esse problema ao definir o modelo de renovação e ao estabelecer que os empreendimentos sejam classificados como “produção independente”, sem precisar aderir às cotas, segundo fontes do setor.
Há ainda mudança nas regras do licenciamento ambiental, para prever que as usinas hidrelétricas, inclusive reversíveis, utilizem a LAE (Licenciamento Ambiental Especial). Esse modelo de licenciamento, criado pelo novo marco legal, agiliza a análise de empreendimentos considerados estratégicos. Conforme o texto de Braga, o prazo para a licença das usinas será de 90 dias.
O senador também acrescentou à MP a criação de um mecanismo competitivo para contratar a geração de energia firme nos horários de maior demanda do sistema, quando há redução da geração solar e eólica. Para esses horários de ponta, a contratação preferencial deverá considerar o armazenamento, seja com baterias ou usinas reversíveis.
Sudam e Sudene
O relatório prevê que benefícios fiscais concedidos a distribuidoras nas áreas da Sudam e da Sudene sejam revertidos em tarifas menores para os consumidores dessas regiões, o que dividiu opiniões no setor. O texto permite que a ANEEL calcule nas revisões tarifárias a taxa de remuneração das concessionárias considerando o imposto menor. Segundo o relator, essa medida tem potencial de reduzir as tarifas em 2,1%, em média, já no ano de 2026 nessas regiões.
Especialistas consultados pela Agência iNFRA consideram a proposta justa, uma vez que esses incentivos tributários “foram criados com o objetivo de provocar quedas nas tarifas”. No entanto, “o que acontece hoje é que as empresas não abatem no custo de capital o benefício, e com isso não repartem com os consumidores os ganhos”, disse um agente do setor.
Por outro lado, o tópico desagradou empresas de distribuição, em especial as que atuam nas áreas da Sudam e Sudene, como a Equatorial, Energisa e Neoenergia. As companhias agora articulam no Congresso a retirada da previsão do texto.
Um dos argumentos, segundo interlocutores, é que a alteração reduziria os investimentos nessas regiões ao diminuir a taxa de retorno das distribuidoras. “Cerca de R$ 5 bilhões dos investimentos anuais das distribuidoras nessas regiões são oriundos desse benefício fiscal”, diz um representante do segmento.
Térmicas e PCHs
Braga também alterou alguns dos trechos enviados pelo governo no texto original da MP, que previa a substituição da contratação obrigatória de termelétricas a gás natural, prevista na Lei de Privatização da Eletrobras, por PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas).
Em seu relatório, o senador retoma a contratação de 4,2 GW (gigawatts) de térmicas a gás pelo regime de reserva de capacidade, com período de suprimento de 25 anos, com divisão de montantes a serem contratados por regiões, a exemplo do texto que foi aprovado – e depois derrubado – no Marco das Eólicas Offshore.
Além disso, o parecer também mantém a contratação de 4,9 GW de PCHs como proposto pelo governo, com montantes mínimos por regiões, e insere a obrigatoriedade de contratar outros 3 GW de térmicas a biomassa.
Já as térmicas a carvão nacional terão contratos renovados por 25 anos, até 2040, medida que beneficia a usina de Candiota (RS) nos mesmos moldes do já feito para a térmica de Jorge Lacerda (SC).
Teto da CDE
A ideia do governo de criar um teto para a CDE foi mantida, mas reformulada. Enquanto a proposta do MME (Ministério de Minas e Energia) era de que o teto fosse o valor total orçado para 2026, a proposta de Braga é que o ano de referência seja de 2025, mas não considerando o valor total, e sim cada despesa que compõe a conta.
A implementação dos limites, no entanto, só começará a vigorar no exercício de 2027, conforme o relatório. “A partir de 2027 nós temos que o congelamento será no valor de 2025, com subteto. E cada subteto terá um congelamento com o valor de 2025, corrigido pela inflação. Tudo que diz respeito às questões sociais, como Tarifa Social e como Luz para Todos, não será limitado”, explicou Braga. A CCC (Conta de Consumo de Combustíveis) também ficará sem limitação.
O que extrapolar o teto de cada rubrica será cobrado como um encargo dos próprios beneficiários daquele subsídio. Pelo texto, já haverá uma cobrança de 50% do extrateto a partir de 2027, passando o encargo em 2028 a ser de 100% do que exceder o limite.
Geração distribuída
No caso da GD (Geração Distribuída), há uma mudança para os entrantes. Os novos pedidos de acesso ao SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica) estarão sujeitos, a partir da publicação da lei e até o fim de 2028, à cobrança de R$ 20 a cada 100 kWh (quilowatt-hora) de energia compensada. Segundo Braga, trata-se de um incentivo para que os novos investimentos em GD sejam feitos com armazenamento.
“Todos os direitos adquiridos pela Lei 14.300 estão preservados. Os entrantes terão o direito de fazer armazenamento ou pagarão um encargo para o setor, para que a distribuidora possa fazer o armazenamento na subestação. Porque nas subestações de baixa tensão haverá o armazenamento pelas concessionárias para poder administrar a entrada da geração distribuída e reduzir o curtailment que existe em função do desequilíbrio da GD”, afirmou o relator.
O relatório ainda permite a participação da geração distribuída no compartilhamento de riscos do curtailment – algo que atualmente tem sido discutido entre ANEEL e o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Já o custo dos subsídios da GD alocados na CDE, conforme o texto, será compartilhado entre os consumidores do mercado regulado e do mercado livre, sendo que estes últimos não arcam com essa despesa atualmente.
Abertura de mercado
O relatório também prevê a abertura do mercado livre a todos os consumidores – algo que estava previsto na MP 1.300, sancionada no início do mês, mas havia sido retirado durante a tramitação no Congresso. A abertura vai acontecer em dois anos para o comércio e a indústria conectados em baixa tensão e em três anos para os consumidores residenciais.
Foram mantidas as previsões de criação do SUI (Supridor de Última Instância), para garantir a entrega de energia caso o comercializador não consiga honrar o contrato, além de um novo encargo caso haja sobrecontratação das distribuidoras com as novas migrações.
Armazenamento
Outro ponto tratado é a desoneração de impostos federais, como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS e Cofins para sistemas de armazenamento de baterias. A justificativa, conforme o relatório, é que a tecnologia “é inviabilizada por uma estrutura tributária ultrapassada e onerosa, que impõe carga de cerca de 70,8% e classifica indevidamente esses sistemas como simples equipamentos de informática”.
O texto também garante à União poder para exigir que tanto as térmicas a carvão que terão seus contratos estendidos quanto aquelas a gás natural a serem contratadas pela Lei da Eletrobras possuam a capacidade de armazenar até 5% da inflexibilidade diária média da usina.
Segundo Braga, o relatório cria quatro possibilidades de uso de sistemas de baterias: 1) nas usinas centralizadas que sofrem com o curtailment, com sinal de preço; 2) nas subestações de alta tensão, das transmissoras, conforme indicação de local pelo ONS e sinal de preço; 3) nas subestações de média e baixa tensão das distribuidoras; e 4) nos sistemas de geração distribuída.
Gás natural
Em relação ao gás natural, o novo texto determina que o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) deverá maximizar o aproveitamento da produção nacional de gás natural e definir limites de reinjeção para os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção.
Há ainda a previsão de que a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) participe de outros mercados, como o de gás, e preste outros serviços. Esse ponto constava no texto da MP 1.300, mas também foi retirado durante a tramitação no Congresso.
*Matéria atualizada às 11h06 da quarta-feira (29) para ajustes textuais.








