Dimmi Amora e Jenifer Ribeiro, da Agência iNFRA
O acordo referente à repactuação dos encargos da prorrogação antecipada da concessão da Rumo Malha Paulista foi aprovado pelo plenário do TCU (Tribunal de Contas da União), na última quarta-feira (29). Esse foi o primeiro processo do setor de transportes terrestres concluído pela secretaria de solução consensual do órgão.
Os termos da solução permitirão que a Rumo reprograme investimentos obrigatórios e com prazo determinado previstos no contrato, o que pode fazer com que algumas obras possam ficar prontas somente em 2028. Nessa reprogramação, R$ 500 milhões em obras que deixaram de ser feitas no prazo ou não serão mais realizadas poderão ser feitos em novos locais ou pagas ao governo.
A empresa alega que esses investimentos não seriam os mais adequados para a operação ferroviária e alguns estariam defasados. Mesmo sem realizá-los, a concessionária informa que vem cumprindo com os volumes que deveriam ser transportados na ferrovia após a repactuação.
Além dos recursos da reprogramação, ficou acordado que a empresa indenize o governo em R$ 670 milhões. O valor, que foi nomeado de “adicional de vantajosidade”, é proveniente de um recálculo de ativos e passivos da concessão.
Nesse ponto, travou-se a principal divergência entre os ministros do TCU. Foram cinco votos a favor do relator e dois contrários – dos ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira. Ambos os ministros que rejeitaram o acordo pediram que houvesse um adiamento de mais uma semana para melhor análise do cálculo que levou ao valor de R$ 670 milhões. A matéria já havia sido retirada de pauta em duas ocasiões anteriormente.
Vital do Rêgo informou que Ministério dos Transportes e Rumo indicaram que, quando foi feito o levantamento dos ativos e passivos da concessão no processo de renovação antecipada, houve duplicidade no cálculo, o que resultou em um valor distorcido. É esse valor que estaria agora se tornando o “adicional de vantajosidade”.
Os ministros Nardes e Oliveira indicaram que esse cálculo foi feito entre o ministério e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), chegou pronto para a agência e a secretaria de consenso do TCU, e não houve uma análise de risco sobre se esse valor está adequado nem se os critérios usados são apropriados. Por isso, eles queriam mais prazo para analisar, já que a decisão de Vital do Rêgo só foi apresentada na tarde de quarta-feira (29) aos ministros.
Valor menor
O presidente do TCU, Bruno Dantas, fez pressão para que o processo fosse votado na sessão, alegando que a tentativa de acordo se arrastava há quase um ano no tribunal e que aos ministros só caberia aceitar ou rejeitar o acordo.
Para tentar convencer os ministros que se posicionavam contrários, o relator fez constar no voto que o valor de R$ 670 milhões do “adicional de vantajosidade” não poderá ser contabilizado na atualização do inventário da concessão, que é objeto de outro processo entre a Rumo e a ANTT.
Quando as renovações antecipadas foram aprovadas, ficou acertado que o cálculo final para estimar os valores desse inventário seria feito depois de uma auditoria independente.
O cálculo é longo, e a alegação na época era que ele poderia demorar e tirar a vantagem de se renovar as concessões e iniciar as obras. Foi estimado um valor inicial pago pelas concessionárias, e, se ele for menor que o encontrado pela auditoria, a concessionária teria que pagar ao governo a diferença (também poderia ocorrer o oposto).
Como o chamado “adicional de vantajosidade” também foi tirado de um cálculo que leva em consideração a base de ativos, alvo do inventário, o ministro Vital deixou bem claro que o acordo só pode sair se a Rumo concordar que os R$ 670 milhões não serão descontados futuramente desse cálculo.
Nova cláusula
Será dado um prazo de 15 dias para que Rumo e governo possam concordar com essa nova cláusula inserida no acordo, mas a tendência é que ela seja aceita pelas partes e o acordo seja ratificado.
Como está inadimplente, sem o acordo, o governo pode até mesmo iniciar um processo de retomada da concessão, pelas regras do contrato. Por isso, a concessionária, de acordo com agentes do mercado, está praticamente sem opção de não assinar o acordo.
A proposta aprovada pelo TCU, no entanto, foi bem abaixo do valor inicial que agentes do Ministério dos Transportes cogitavam receber nessa renegociação. Falava-se em uma indenização de até R$ 4 bilhões da Rumo.
A ideia do ministro Renan Filho é se utilizar desses valores renegociados com as concessionárias que renovaram antecipadamente suas concessões ferroviárias para compor um fundo que financiaria um plano de desenvolvimento do setor ferroviário no país, que está em fase de elaboração pela pasta. O objetivo do ministério era lançar o plano em outubro, mas foi preciso adiar a divulgação devido a demora nas negociações do acordo na Secex Consenso.
Impactos do adiamento
Além de discutir a metodologia para se chegar ao “adicional de vantajosidade”, Nardes também levantou a discussão sobre os impactos dos adiamentos das obras. Frente a essa afirmação, tanto o ministro presidente do TCU quanto o ministro Vital do Rêgo disseram que postergar os investimentos é o mérito do acordo. O ministro Bruno Dantas chegou a destacar que a inexecução contratual por parte da Rumo é observada há quase três anos.
Por sua vez, o ministro Jorge Oliveira também afirmou que o adiamento dos investimentos para daqui a cinco anos pode não ser benéfico e concordou com o pedido de vista por uma semana do ministro Nardes. Ele também disse que o adiamento era necessário para analisar com mais calma o processo e que queria seguir o relator, mas que precisava de mais tempo.
Reflexo nas concessões
Outro ponto levantado pelos dois ministros que votaram contra o acordo foi que é necessária cautela na apreciação da proposta devido ao impacto em outras concessões de ferrovias.
O ministro Bruno Dantas afirmou que, como o processo não é de controle externo, não deve haver decisões do colegiado que impactem as outras concessões de ferrovias e que a decisão de usar esses parâmetros para possíveis novas renegociações é do Ministério dos Transportes.
Uma das mudanças em relação à proposta inicial que o ministro Vital do Rêgo apresentou quando o processo entrou em pauta na primeira vez no plenário, em 25 de outubro, foi que, agora, não há mais no acórdão determinações para que o ministério e a ANTT revisem as bases de ativo das outras concessões.
Interesse público
Mas o ministro Vital, na leitura de seu voto, afirmou que o procedimento adotado nas renovações antecipadas foi desfavorável ao poder público. Segundo ele, foi recomendada à secretaria de consenso do órgão uma análise do tema para as outras concessionárias, mesmo com a concordância a pedido de outros ministros de que isso não constasse como determinação (algo obrigatório de ser feito).
“É preciso dizer que o ministério e a agência devem se debruçar sobre esse assunto, avaliando valores e adotando medidas, porque há um interesse público em jogo”, lembrando que o problema identificado pode “ter se repetido em outras concessões”.
Judicializar
O Ministério dos Transportes conta com a aprovação desse acordo para tentar revisar os levantamentos de ativos e passivos das outras concessões de ferrovias que passaram pela renovação antecipada.
A pasta cobra que MRS e Vale também façam um acordo para revisão da base de ativos, o que resultaria em uma indenização ao governo. Mas, como já mostrou a Agência iNFRA, essas reuniões não estão levando aos resultados que o governo almeja.
As empresas não estão dispostas a pagar os valores que o governo apresenta a elas, algo na casa dos R$ 20 bilhões para a Vale e dos R$ 9 bilhões para a MRS, apesar de já terem se disponibilizado a levantar recursos para apoiar o fundo ferroviário que o ministério pretende lançar.
Nas últimas semanas, insatisfeito com as negociações, o ministro já mandou suspender outros processos das concessionárias que estavam em andamento.
Também tem dito em entrevistas a jornais que está disposto a seguir com a cobrança e até mesmo a judicializar a renovação antecipada dessas concessões.