Secretaria do TCU sugere suspender resolução que limita voos do Santos Dumont, caracterizada como ilegal

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

A resolução do governo que restringe voos no Aeroporto Santos Dumont (RJ) a partir de janeiro de 2024 foi tomada sem fundamentação técnica, com ausência de motivação e desvio de finalidade. O ato pode levar a prejuízos milionários à Infraero e ensejar uma série de reequilíbrios de contratos de concessão de aeroportos no país, cuja responsabilização será dos gestores que assinarem os atos.

Essas são as principais conclusões do primeiro relatório da Auditoria de Rodovias e Aviação do TCU (Tribunal de Contas da União) que analisou denúncia apresentada pelo prefeito de Guarulhos (SP) e outros políticos da região contra a Resolução 1/2023 do Conac (Conselho Nacional de Aviação Civil). A norma determinou, em julho deste ano, as restrições. O relatório concorda com os denunciantes de que o ato foi ilegal.

“A Resolução Conac-MPor 1/2023 apresenta diversos indícios de graves ilegalidades em sua edição, além de trazer impactos bastante gravosos para o mercado de transporte aéreo brasileiro – não apenas para passageiros e empresas aéreas que utilizam o Aeroporto Santos Dumont, mas também para outros agentes econômicos relacionados direta ou indiretamente com as operações aéreas no SBRJ, e, não menos importante, para a própria Infraero”, informa trecho do relatório da auditoria obtido pela Agência iNFRA, que solicita uma urgente cautelar suspendendo a medida.

O relatório agora será submetido a superiores na auditoria e ao ministro designado para avaliar o caso, Benjamin Zymler, que pode ou não acatar o pedido de suspensão liminar até o julgamento do mérito, o que deve se alongar devido à extensa lista de informações sobre o ato e suas motivações apresentada pela auditoria. O ministro pode tomar uma decisão monocrática, mas ela tem que ser submetida ao plenário.

400 quilômetros
A Resolução 1/2023 do Conac determina que somente aeroportos num raio de 400 quilômetros do Santos Dumont e que não operem voos internacionais podem receber ou enviar voos da unidade fluminense. Na prática, isso resulta que somente o Aeroporto de Congonhas (SP) ainda poderá ter voos para o Santos Dumont, visto que nenhuma outra unidade que atualmente faz voos domésticos regulares cumpre os requisitos da resolução, segundo o TCU.

A justificativa da resolução, assinada pelo então ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, foi que a Infraero precisaria de dois anos para fazer as obras de implantação de equipamentos de proteção de voos (extensões da pista chamadas de Resa e Emas).

O órgão analisou o edital de licitação dessas obras e nele consta que as intervenções só começam em outubro de 2024, que a própria Infraero informa aos licitantes que não precisa parar as operações por todo o tempo da intervenção (seria no máximo dois períodos de 30 dias, semelhante ao que ocorreu com a implantação desses mesmos equipamentos em Congonhas dois anos atrás).

Destaca ainda que a estimativa é que a Infraero perca algo na casa dos R$ 800 milhões com tarifas de embarque se a medida for tomada, além de possíveis prejuízos com indenizações em contratos comerciais e de serviços, o que pode comprometer a sustentabilidade da empresa na operação de outras unidades.

O prejuízo da estatal que opera o aeroporto central do Rio de Janeiro é descrito em artigo publicado pela Agência iNFRA por André Luiz de Albuquerque Farias, auditor do TCU, e Fernando Villela de Andrade Vianna, advogado, ambos do Comitê de Regulação da Infraestrutura da FGV Direito Rio, que também aponta para ilegalidades no ato pela falta de motivação e desvio de finalidade.

Descoordenada
Mas não seria o único prejuízo. A auditoria aponta que a medida está sendo tomada de forma descoordenada com a programação de slots das unidades dentro das chamadas temporadas, que vão de outubro a março. Com isso, milhares de passageiros podem ser prejudicados.

“[…] Inegável que a quebra do planejamento das empresas aéreas tem consequências negativas para a operação das empresas e para o mercado de transporte aéreo de maneira geral, uma vez que afeta não apenas os voos operados no Aeroporto Santos Dumont, mas toda a malha aérea de cada empresa”, diz trecho do documento.

Outro possível prejuízo é para o próprio governo. A auditoria aponta que o ato, se mantido, poderá ser caracterizado como fato do príncipe, o que resultaria em pedidos de reequilíbrio por parte das concessões aeroportuárias que vão perder voos (citam que Guarulhos pode perder 7% de sua demanda) e que os aeroportos beneficiados artificialmente, como o Galeão (RJ) e Congonhas, poderão perder receitas com reequilíbrios em favor do governo.

“Como são dezenas de aeroportos que serão afetados pela medida, o potencial prejuízo aos cofres públicos é considerável – e o custo regulatório para tratar todas essas demandas também não será desprezível”, avalia a auditoria.

Pretexto
Segundo o documento, aumentar os voos para Galeão está por trás da motivação para criar a resolução. A análise é que a medida foi feita de forma imotivada e sem nenhuma justificativa técnica, apenas para realizar o desejo manifestado pelo governador do estado e o prefeito da capital, como o ministro declarou publicamente à época, o que indica desvio de finalidade.

“Fica ainda mais evidenciado, portanto, como argumentado pelos representantes, que a alegação da necessidade de restringir as operações no Aeroporto Santos Dumont foi apenas o pretexto, o “formato jurídico”, como afirmado publicamente pelo próprio Ministro, para que se pudesse restringir rotas naquele aeroporto e assim transferir esses voos para o Aeroporto do Galeão”, avalia o relatório.

Para corroborar isso, o trabalho relembra os pareceres da área técnica da Secretaria de Aviação Civil do Ministério de Portos e Aeroportos, apresentados em reportagem da Agência iNFRA, mostrando que não se deveria adotar a medida de restrição espacial de voos no Santos Dumont, indicando que ela seria ilegal diante das leis de aviação civil do país e de liberdade econômica.

Até o momento, apesar da resolução do Conac, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) não tomou nenhuma medida adicional para operacionalizar o ato do conselho. Por isso, passagens continuam sendo vendidas para a unidade fluminense, mesmo para depois de janeiro de 2024, de várias unidades do país.

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