Marisa Wanzeller e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
O presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), Marcos Madureira, disse acreditar que a Casa Civil não fará grandes mudanças no que for encaminhado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) acerca das regras das concessões de distribuição de energia com contratos vincendos. Ele entende que o papel da Casa Civil nesse processo é de coordenação e de consolidação do decreto que será publicado.
“A resposta dada pelo TCU ao Congresso, eu entendo que, da forma como foi colocada, cabe à Casa Civil fazer a coordenação do processo. Isso é natural. Qualquer decreto que seja realizado, ele surge no âmbito do ministério, digamos assim, responsável por aquele assunto. Nesse caso é o Ministério de Minas e Energia. E à Casa Civil cabe consolidar, muitas vezes ouvindo outros ministérios, como o Ministério da Fazenda, que faz parte desse processo”, afirmou o presidente da Abradee.
Madureira se refere à resposta dada pelo TCU (Tribunal de contas da União) ao Congresso Nacional, na última semana, em que diz que “há informações de que a Casa Civil da Presidência da República reavaliará as regras elaboradas até o momento” e que, portanto, “poderá haver mudanças substanciais” nas diretrizes encaminhadas pelo MME, que estavam em análise pelo Tribunal.
Em entrevista à Agência iNFRA, Madureira comentou as percepções da associação sobre esse processo, defendendo a renovação dos contratos sem oneração para as distribuidoras. Também falou sobre eventos climáticos intensos e investimentos nos sistemas de distribuição. Leia a seguir os principais trechos da conversa.
Agência iNFRA – Quais são as perspectivas para o tratamento a ser dado para as distribuidoras de energia que estão com os contratos de concessão vencendo nos próximos anos?
Marcos Madureira – Esse é um tema fundamental, eu diria que não só para o segmento de distribuição, mas para o setor elétrico como um todo, à medida que as distribuidoras têm esse papel fundamental de arrecadação dos recursos que efetuam a cobertura dos custos de toda a cadeia do setor elétrico.
Então, acho que isso dá a importância que existe na segurança desses contratos. Eu diria que um dos pontos fundamentais foi a questão relacionada sobre se existiria algum valor a mais que as distribuidoras estariam tendo acima daquilo que é o regulatório, e nós apresentamos estudos e demonstramos que não, pelo contrário. Em média, as distribuidoras têm tido resultados que são inferiores ao que é o ótimo regulatório. Eu acho importante falar disso porque é um dos pontos que mostra a vantajosidade que existe no processo de prorrogação para os consumidores.
Por que seria vantajoso para os consumidores?
Os consumidores em geral têm tido uma redução dos custos provocados no segmento de distribuição. Se a tarifa de energia elétrica está subindo, está subindo por outras questões relacionadas aos outros segmentos, seja transmissão, geração, e principalmente aos encargos. Mas a parcela da distribuição tem contribuído para a modicidade tarifária. Então, faz todo sentido que não se tenha nenhuma onerosidade das distribuidoras num processo como este.
E como a Abradee recebeu a decisão do TCU de que avaliaria os pedidos de prorrogação dos contratos caso a caso?
O TCU que entendeu, como não poderia ser diferente, que o ministério tem a prerrogativa de tratar sobre essa questão relacionada à prorrogação de concessões, e que caberia ao TCU examinar quando existir os processos de prorrogação de cada empresa, ou seja, a partir dos contratos que vão ser colocados. Esse entendimento nós achamos adequado. Cabe ao ministério estabelecer o decreto com as diretrizes que vão ser seguidas e cabe ao TCU verificar se os contratos estão de acordo com essas diretrizes. Então, no nosso entendimento é o processo adequado.
O TCU também disse na última semana que haveria informação de que a Casa Civil deve realizar alterações nas diretrizes dada pelo MME até agora, pela Nota Técnica 19/2023. Como a Abradee avalia essa questão?
A resposta dada pelo TCU ao Congresso, eu entendo que, da forma como foi colocada, cabe à Casa Civil fazer a coordenação do processo. Isso é natural. Qualquer decreto que seja realizado, ele surge no âmbito do ministério, digamos assim, responsável por aquele assunto. Nesse caso é o Ministério de Minas e Energia. E à Casa Civil cabe consolidar, muitas vezes ouvindo outros ministérios, como o Ministério da Fazenda, que faz parte desse processo
E cabe à Casa Civil, portanto, fazer considerações a esse respeito. Na nossa avaliação, a nota técnica preparada pelo ministério, provavelmente com alguma complementação, tem robustez suficiente para elucidar qualquer dúvida que possa existir sobre o processo. Então, nós entendemos que o que vier do ministério, exceto algum detalhe específico, não deverá passar por grandes mudanças quando chegar na Casa Civil.
Mas está escrito que há informações de que a Casa Civil reavaliará as regras. A Abradee não interpretou isso?
O ministro do TCU disse que pode esperar que seja realizada mudança, então assim, como cabe à Casa Civil fazer uma análise, ela tem a possibilidade de fazer essas alterações, aí que eu acho que é uma questão de interpretação. Ela pode fazer mudanças, como também pode não fazer nenhuma.
Como eu disse, cabe à Casa Civil fazer um processo de consolidação, então normalmente um decreto vem do ministério, que manda o texto com as justificativas, com todo o suporte que é dado por uma nota técnica, e cabe a Casa Civil observar, ver se tem consideração, por exemplo, da área econômica, se vem alguma coisa de outro ministério, e a partir daí levar o decreto ao presidente. Esse é o nosso entendimento.
Então o senhor não acha que pode haver uma mudança do nível das concessões passarem por licitação em vez de renovação, por exemplo?
Não, acredito que não tem uma razoabilidade para isso. O ministério avaliou isso profundamente e mostrou a vantajosidade de não se fazer um processo de licitação. Primeiro porque não traz uma vantagem você abrir um processo como esse, pelo contrário, traz uma insegurança muito grande. Você imagina que nós teremos os processos de três distribuidoras nos próximos dois anos, EDP Espírito Santo, Light e Enel Rio.
Mas se você tem uma condição como essa, que não tem ganhos se for feito um processo licitatório, o que que vai acontecer? Você vai colocar insegurança. Esse é o ponto que nós entendemos que não faz sentido essa discussão sobre licitar ou fazer a prorrogação. E mais um detalhe: existe nos próprios contratos a prerrogativa de que eles podem ser prorrogados, a lei estabelece que eles poderão ser prorrogados.
Tem um projeto de lei na Câmara dos Deputados que também trata dessas concessões, e alguns deputados estão apostando que ele vai ter andamento nesse semestre. A Abradee acha que esse projeto pode interferir na renovação?
Hoje existe uma lei que delega ao MME a prerrogativa de tratar do processo. Nós temos um projeto de lei no Congresso, a gente tem todo respeito, nós temos participado inclusive de audiências públicas que envolvem a discussão do tema.
Entendo que não tem nenhum problema maior que possa ser colocado, eu acho que é um momento de discussão junto ao Congresso para explicitar. A gente tem todo respeito pelo Congresso, de estar buscando colocar essas questões, mas nos cabe a interlocução sobre o assunto. A gente entende que o processo deverá ter um encaminhamento natural, como está colocado até pelo próprio TCU, que é a ação do MME.
A gente tem visto uma certa pressão política em cima das distribuidoras. É um ano de eleição, e ocorreram eventos climáticos intensos que interromperam o serviço de energia. Como o senhor vê esse movimento, por exemplo, de um prefeito ir ao TCU (de São Paulo, Ricardo Nunes) pedir que não haja renovação de outorga (da Enel)?
Nós respeitamos essas manifestações, mas nós temos que separar o que de fato está ocorrendo. Nós tivemos em alguns locais eventos climáticos extremos. Isso não pode ser visto dentro de uma categoria normal do contrato de concessão que abrange todos os dias do ano. Se nós olharmos para os indicadores de qualidade que as empresas têm, eles são bons indicadores de qualidade. Em 2022 [ainda não fecharam os dados de 2023] estava dando 99,8% das horas do ano em média com a energia fornecida no mercado brasileiro, fruto de evolução de qualidade que as empresas têm tido.
Os eventos que ocorreram são extremos. Vamos pegar o evento em São Paulo, onde mais de duas mil árvores foram arrancadas e jogadas sobre a rede elétrica. Não tem rede que vai resistir a árvores desse porte. Nós não podemos aqui demonizar a árvore e nem demonizar o poder público municipal, por exemplo, como responsável por essas árvores. São árvores que já estão há muito tempo [no local], têm árvores aí quase que centenárias, mas que estão convivendo com a realidade diferente de urbanização.
Então, é necessário que nós, por exemplo, juntemos as distribuidoras de energia elétrica, com os poderes públicos estaduais, municipais etc. para poder pensar um pouco sobre isso. Então, entendemos a postura de questionamento como natural por parte desses governos, mas entendemos que é preciso a gente parar e olhar para essa situação. Podem ser feitas questões para melhorar essa situação? Podem, e nós já estamos inclusive trabalhando.
Quais soluções estão sendo estudadas para que a rede aguente eventos como esses?
Existem algumas experiências positivas em locais onde árvores foram trocadas por árvores de menor porte, mais adequadas à infraestrutura urbana. E com isso o efeito é menor. Porque hoje a gente já dispõe de redes, que a gente chama de redes protegidas, que têm uma convivência melhor com a urbanização. A árvore pode tocar nessa rede e não há um desligamento. Mas quando eu tenho uma árvore de grande porte, ela cai e ela derruba a rede.
Nós estamos trabalhando também numa forma diferente de atuar em eventos dessa natureza. Vou dar um exemplo: nos Estados Unidos, que já convivem com nevascas ou similares, em que as pessoas chegam a ficar 15 dias sem energia, o que o pessoal começou a fazer lá? Não dá para dimensionar equipes de trabalho em função de um dia como esse, porque pode ser que não ocorra em 10 anos um evento dessa magnitude. Então, eu vou ter um custo muito elevado para isso.
O que se começou a fazer nos Estados Unidos, é uma espécie de mutirão. Eu posso juntar equipes de concessionárias de uma mesma região, que podem apoiar a empresa atingida naquele momento. Não é uma coisa muito simples porque necessita algumas adequações de procedimentos. Cada empresa tem uma maneira de atuar, cada empresa tem um sistema por exemplo de comunicação, mas é possível você fazer isso.
Os Estados Unidos já avançaram nesse trabalho. Nós estamos indo agora buscar essa experiência, estamos conversando com a agência reguladora para a gente criar condições para que isso possa acontecer aqui.
Mas quem bancaria essa operação?
A empresa que está recebendo os recursos. Então, se eu tenho uma empresa “A” que está emprestando um recurso dela para a empresa “B” que é necessitada, a empresa “B” vai estar é cobrindo os custos que aquela empresa “A” teve que emprestar.
Isso não sairia do consumidor nacional? Não teria que ter uma espécie de CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), ou algum fundo para cobrir isso?
A coisa que nós temos menos segmento de distribuição é CDE. Nós precisamos tratar desse tema.
A parte relacionada às questões e como vão ser cobertas, a gente tem que discutir sim, se faz sentido ter um fundo para poder cumprir situações excepcionais, porque é excepcional. Então, como se forma fundos para isso é uma outra questão que precisa e deve ser discutida, mas nesse momento a gente está pensando em dizer o seguinte: como é que a gente organiza para poder atender?
A gente não tinha eventos desse tipo, nós tínhamos algum mas vinham com uma frequência muito menor e com uma dimensão menor também. Agora nós infelizmente temos questões que envolvem aí as mudanças climáticas e coisas do gênero, nós estamos com efeito do El Niño, que tem provocado esse tipo de situação, e nós temos que nos preparar para isso.
O senhor acha que essa decisão do TCU de olhar caso a caso cada concessão pode complicar individualmente algumas distribuidoras que estão sendo politicamente mais pressionadas na hora da renovação?
Não, eu não acredito na questão política dessa história. Não que a pressão política não faça sentido, mas eu acho que nós estamos tratando aqui de questões que tem a ver com indicadores.
Nós teremos os indicadores a serem estabelecidos e condições que estão sendo colocadas na nota técnica em relação à prorrogação, que já estabelece que no momento da prorrogação serão verificados indicadores de como aquela empresa vem performando, tanto do ponto de vista da qualidade de energia quanto do ponto de vista do equilíbrio econômico-financeiro da empresa.
Aí eu entendo que caberá ao TCU examinar na proposta essa prorrogação de concessão da empresa: ela está dentro dos parâmetros das diretrizes que estão colocadas em relação a sua capacidade de entrega pelo que ela vem fazendo de qualidade de energia assim como o seu equilíbrio econômico-financeiro? Está? Então, essa empresa está apta à prorrogação. Não esquecendo que nos próprios contratos preveem que se a empresa não atender essas mesmas condições ela poderá ter até a caducidade da concessão decretada
Sobre os investimentos em resiliência das redes. Como equilibrar esses investimentos necessários com a modicidade tarifária?
A distribuição é o único segmento que contribui com a modicidade tarifária. Todos os outros corrigem acima da inflação. Então é momento de a gente examinar essa questão. Se nós precisarmos de ter um volume de investimento maior para, por exemplo, atender com maior resiliência, é importante que a gente avalie. E aí vai verificar exatamente os impactos no preço da energia elétrica. Não se faz investimento se não tem a remuneração relacionada a ele
Nós temos, por exemplo, realizado uma série de investimentos adicionais e que estão sendo coberto pelo consumidor para atender por exemplo a implantação do sistema de geração distribuída.
A GD [Geração Distribuída] solar está exigindo novos investimentos e isso está indo para tarifa do consumidor. Esse aspecto é importante ser observado. Além da geração distribuída por exemplo não pagar pelo uso da rede ela ainda está adicionando novos investimentos para que ela possa funcionar.
Como vocês estão vendo o avanço da GD e o equilíbrio econômico da distribuição?
O principal ponto que tem com relação à geração distribuída não é a GD em si. Ela é uma tecnologia importante que veio trazer uma maneira de ter uma maior possibilidade de ampliar gerações renováveis. O grande problema é a forma como ela está aposta, ela termina trazendo um custo principalmente para o consumidor.
Se vocês olharem hoje aquele instrumento criado pela ANEEL que é o subsidiômetro, a GD já é o terceiro elemento que traz custos aos demais consumidores. O próprio crescimento da tarifa de distribuição é aquilo que a gente vem falando, se alguém não paga pelo uso do sistema elétrico e a gente ainda está tendo que até que investir a mais sobre ele, o custo fica para os demais consumidores.
A GD não existe sem a rede elétrica, mesmo nos momentos em que ela está gerando energia elétrica, necessita da rede, não funciona sem a rede. Se ela necessita da rede e ela não paga pelo uso da rede, quem vai pagar por ela são os demais consumidores. Isso já está significando em algumas empresas da ordem 10%.
Se nós olharmos hoje só para o conjunto subsídios que estão dentro da tarifa de energia elétrica, cerca de 50%, talvez um pouco mais, é oriundo de incentivo a fontes renováveis. Seja incentivo direto naquela migração com o mercado livre seja através da GD.