Geraldo Campos Jr., Lais Carregosa e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
Algumas insatisfações quanto ao texto final da MP (Medida Provisória) 1.300/2025, aprovada nesta semana pelo Congresso Nacional, já estão sendo manifestadas. A versão que saiu do Legislativo desagradou alguns segmentos do setor elétrico, mas também alas do próprio governo, como o Ministério da Fazenda, que aponta para um possível prejuízo aos cofres da União.
A Secretaria do Tesouro Nacional publicou nota técnica assinada na semana passada ressaltando que a proposta de repactuação do UBP (royalty pago pelas hidrelétricas), estabelecida pela medida, representa uma “renúncia de receita da União”. Cálculos preliminares no setor dão conta de que a dívida das hidrelétricas referente ao UBP está em torno de R$ 15 bilhões. Com o modelo criado pela MP, que prevê abatimento de 30% para o gerador quitar o passivo, a estimativa é que haja um desconto de cerca de R$ 5 a 6 bilhões e sejam pagos de R$ 9 a 10 bilhões.
Além disso, o texto da MP prevê que o valor oriundo da antecipação do royalty seja destinado para modicidade tarifária das distribuidoras de energia elétrica do Norte e do Nordeste. Segundo o documento da Fazenda, ainda que a receita seja atualmente destinada à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para modicidade tarifária, os valores passam pela Conta Única do Tesouro, “de modo que eventuais mudanças na dinâmica desta rubrica podem impactar receitas e despesas da União em um determinado exercício”.
Apesar de a nota técnica ter sido emitida antes da aprovação, e da preocupação da Fazenda ter sido comunicada ao Congresso, segundo fontes, o trecho sobre o UBP foi mantido. A repactuação é um pleito das hidrelétricas, mas o caminho de usar o mecanismo para modicidade foi uma encomenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), mirando as contas de luz do Norte.
A presidente da Abrage – associação que representa as grandes hidrelétricas –, Marisete Dadald, diz que a repactuação representa um avanço importante para a sustentabilidade das hidrelétricas licitadas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Segundo ela, essas concessões, que foram originalmente outorgadas pelo critério de máximo pagamento de UBP, “foram impactadas por mudanças no cenário de consumo e geração de energia ao longo do tempo”, o que tornou os encargos “descolados da realidade econômica dessas usinas”.
Tarifa de irrigação
Outra queixa sobre o texto é sobre a nova regra para irrigação. A bancada do agro, liderada pela FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), articulou na Câmara e no Senado para retirar o trecho sobre a criação de escala de horários para irrigação. Um artigo da MP aprovada prevê que o desconto especial para irrigantes ficaria limitado a oito horas e meia por dia, mas em escala horária a ser definida pelas distribuidoras.
Segundo o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA, o setor defende que seja garantido aos produtores rurais irrigantes e os aquicultores o direito de escolher os horários de uso da energia com desconto tarifário, em vez de ficarem sujeitos à definição unilateral das distribuidoras de energia.
Agora, segundo ele, a frente buscará essa mudança na outra MP do setor elétrico, a 1.304, que terá escopo mais amplo. “A nossa proposta é que os descontos especiais sejam aplicados por até 8h30 diárias, em períodos definidos de forma consensual entre produtores e distribuidoras, com regulamentação da ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica], assegurando previsibilidade de custos, eficiência hídrica e energética, para preservar a competitividade da produção de frutas e pescados”, disse.
Por outro lado, a Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) entende que a definição de descontos tarifários para o consumo de energia destinado à irrigação em horários programados pelas distribuidoras é uma solução que contribui para maior eficiência do sistema.
Angra
A divisão de custos da usina das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2 também com consumidores livres já estava prevista no texto original da MP, encaminhado pelo governo. A manutenção do trecho desagradou os grandes consumidores industriais.
O presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres), Paulo Pedrosa, avalia que o texto não enfrentou o problema de “energia cara para a produção” e que, o repasse dos custos das usinas de Angra para a indústria “prejudicam a competitividade e encarecem a produção”. Assim, a associação espera que esse tema também seja tratado na MP 1.304.
Contudo, o presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), Rodrigo Ferreira, afirma que o aumento de custos para o mercado livre é marginal e o impacto sobre a competitividade do mercado livre será “muito pouco”. “A participação mais ampliada do mercado livre nos custos de um lastro térmico é natural. Já estávamos preparados para esse debate e entendemos perfeitamente as motivações que levaram o governo a propor essa medida”, declarou.
O diretor técnico da Abdan (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares), Leonam Guimarães, ressalta que a medida irá reduzir os riscos de mercado e de inadimplência para a Eletronuclear. Dessa forma, cria “condições mais favoráveis” para a conclusão da usina de Angra 3 e também para o desenvolvimento de novos projetos. “Do ponto de vista dos consumidores, haverá um acréscimo distribuído nas contas de luz, proporcional ao consumo de cada usuário, o que significa que quem consome mais energia contribuirá em maior medida”, ressalta.
Para a Abradee, que representa as distribuidoras, a redistribuição dos custos “corrige uma distorção histórica”.
Mercado livre
A abertura do mercado livre de energia a todos os consumidores a partir de 2026 ficou de fora do texto final da MP 1.300, que será convertido em lei. Rodrigo Ferreira, da Abraceel, lamentou que o Congresso não tenha discutido o trecho durante a tramitação da medida e disse esperar que o debate seja feito na MP 1.304.
“Falta pouco tempo para terminar o prazo de tramitação da MP 1.304, nós já perdemos muito tempo de discussão. Esperamos que a agenda da comissão que já foi instalada seja divulgada e que haja as audiências, as consultas, para que o Congresso tenha tempo de discutir esses temas que são relevantes para o setor”, afirmou.
De acordo com ele, a abertura do mercado a todos os consumidores seria uma forma de compensar o aumento da CDE com a ampliação da tarifa social de energia.








