Dimmi Amora, da Agência iNFRA
As concessionárias de rodovias do país estão finalizando um processo de contratação de empresa para mapear os riscos em relação a eventos extremos nos principais corredores logísticos do país.
A ideia é ter, já no próximo semestre, um mapeamento que possa mostrar os pontos mais vulneráveis e apresentar um caderno de investimentos necessários para que as rodovias concedidas possam se tornar mais resilientes a esse tipo de situação, que tem aumentado de frequência e intensidade.
“Nossa ideia é saber o que mudou e identificar o risco que hoje existe para o investimento privado. E, a partir disso, construir soluções para o futuro, sem esquecer dos contratos existentes”, explicou o diretor-presidente da Melhores Rodovias do Brasil – ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), Marco Aurélio Barcelos, à Agência iNFRA.
Outras áreas de infraestrutura já estão com processos desse tipo. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) contratou em 2021 junto ao GIZ, agência alemã de fomento, o projeto AdaptaVias, que tratava de identificar vulnerabilidades das rodovias federais com as mudanças climáticas.
A mesma agência trabalhou com a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) para apontar os efeitos das mudanças climáticas nos portos do país. O trabalho final foi apresentado em 2023 (neste link), e alguns portos foram escolhidos para que tenham uma avaliação mais aprofundada.
A mais recente tragédia no Rio Grande do Sul, na semana passada, para Marco Aurélio, deixou mais evidente que a questão da resiliência das infraestruturas às mudanças climáticas não poderá mais ter a discussão adiada.
O desastre mantém, até o fim de semana, 191 pontos de bloqueio, a maioria total e com danos em pontes, nas rodovias federais e estaduais no estado. Com alagamento na pista, o Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, ficará fechado pelo menos até sexta-feira (10).
Pelo menos uma barragem de hidrelétrica se rompeu parcialmente e há subsestações de distribuição alagadas. O número de residências sem atendimento de água no estado chegou a registrar um milhão, de acordo com dados oficiais.
No domingo (5), uma comitiva formada pelos presidentes da República, Lula, do Senado, Rodrigo Pacheco, da Câmara, Artur Lira, acompanhados de 12 ministros e do presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, foi até o estado. Em seu discurso, Lula prometeu ao governador Eduardo Leite ajuda para recuperar as rodovias no estado.
Novo mecanismo na 5ª Etapa
Segundo Marco Aurélio Barcelos, no caso dos desastres naturais em rodovias, já se vê alguns movimentos, como o fato de o Ministério dos Transportes ter criado um mecanismo nos contratos da 5ª Etapa de Concessões para eventos climáticos.
Nesse mecanismo, 1% da receita da concessão forma um fundo para ser usado na recuperação da rodovia em eventos desse tipo. Na última sexta-feira (3), o secretário-executivo da pasta, George Santoro, disse à CNN que uma portaria regulamentará os procedimentos para o uso desse recurso.
Foram feitas duas concessões de rodovias na 5ª Etapa. A maior parte dos contratos federais e nos estados não tratam especificamente desse tipo de risco para as infraestruturas, que em geral são classificados na alea extraordinária dos contratos.
Mas, para Marco Aurélio Barcelos, isso não será mais suficiente. Será preciso também fazer uma “reconstrução regulatória” nesses contratos para que seja possível tratar de protocolos para os momentos de crise, por exemplo.
Ele explica que as concessionárias terão que ter uma melhor coordenação sobre como usar os recursos disponíveis, como seus equipamentos, em que casos vão ter que liberar as rodovias, entre outras questões que terão que ser debatidas com o poder público.
Mapeamento no 2º semestre
No caso das infraestruturas, a ideia é que já no 2º semestre do ano se tenha um mapeamento dos pontos mais críticos. Ele lembrou que algumas concessões já têm avaliações específicas sobre o tema.
Quanto aos investimentos a serem executados, o diretor-presidente diz que será necessário criar uma política pública específica para tratar do tema. Segundo ele, parte dos pontos vulneráveis a eventos climáticos extremos está fora da faixa de domínio das rodovias, mas impactaria as estradas, se colapsar.
Para ele, “não haverá uma fórmula única” para obter os recursos para a realização dos investimentos identificados e será preciso ter um mix de soluções com recursos de dentro e de fora dos contratos para realizar os projetos.
Aumento na frequência e intensidade
Quem faz o mapeamento de eventos extremos do clima diz que eles estão aumentando não apenas em intensidade como também na frequência. Hermes Brancalião, head de Properties e Solutions da seguradora Swiss Re no Brasil, diz que a empresa tem um rigoroso mapeamento desse tipo de evento como forma de avaliar corretamente os riscos em seus seguros.
Segundo ele, os ciclos de prejuízos mais severos nas rodovias por eventos climáticos caíram de cinco anos para três anos em média. Ele afirmou que a seguradora faz uma análise própria sobre esse tipo de risco para cada seguro que realiza, o que é precificado nas apólices.
Para Brancalião, terão que ser pensadas soluções de uma maneira mais ampla porque, a depender dos eventos, as seguradoras precisarão cobrar de forma adequada para cobrir esses riscos. Ele citou que no México há algumas apólices que cobrem diversos tipos de propriedades públicas contra terremotos, o que pode ser uma ideia para o país.
“A seguradora chega a um limite que não vai mais, se tem um prejuízo todo ano numa rodovia. A conta tem que fechar para todas as partes”, disse o diretor.
Infraestruturas críticas sem política
O cuidado com as infraestruturas mais críticas do país não tem sido, até o momento, adequado, de acordo com um recente relatório de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o tema.
No processo que analisou a PNSIC (Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas), que deveria criar um Plano Nacional de Segurança para as Infraestrutura Críticas, o órgão identificou falhas graves nesse programa, instituído em 2018, como falta de marcos mínimos para que se institucionalize essa política pública.
O órgão deu 180 dias para que o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência da República estabeleça “indicadores de desempenho, linhas de base e metas objetivas de entrega de produtos” para a implementação da PNSIC e para o Plano.
Declaração federal de risco crítico
O órgão de controle também está realizando uma auditoria, em cooperação com outros países, sobre a “Adaptação às Mudanças Climáticas com ênfase na Redução de Riscos de Desastres”. Na última sexta-feira (3), foi realizado um painel de referência onde foi apresentada a forma como o tribunal fará a auditoria, com pedido de sugestões sobre o tema (neste link).
Entre as análises, o órgão avaliará a integração entre a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e a Política Nacional de Mudanças Climáticas. De acordo com o auditor responsável pelo tema, Rommel Brandão, o foco é na parte de gestão de riscos para a prevenção de desastres. O planejamento da auditoria pode ser visto neste link.
O representante da Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério do Desenvolvimento Regional no evento, Reinaldo Soares, disse que o novo Plano Nacional de Defesa Civil deve estar com todas as propostas concluídas até o meio deste ano, inclusive com documentos apresentando metas e indicadores, e que o foco é mesmo na prevenção a catástrofes.
Já a representante da Secretaria de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Inamara Melo, disse que está sendo discutida a possibilidade de se criar uma “declaração federal de risco crítico de desastre climático”. Segundo ela, isso poderia dar maior agilidade nas respostas aos eventos climáticos extremos. O painel pode ser visto neste link.