Críticas a direito de preferência predominam em audiência da ANTT sobre ferrovias

Sheyla Santos, da Agência iNFRA

Os casos de exceção para as concessionárias de ferrovias exercerem o direito de preferência na obtenção de autorizações ferroviárias, previsto na Lei das Ferrovias, e a delimitação das áreas de influência das concessões foram alvo de crítica da maioria das contribuições feitas em sessão de audiência pública na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). O encontro, realizado na última quarta-feira (7), discutiu a regulamentação do procedimento de exploração indireta de ferrovias mediante outorga por autorização.

Os temas estão dispostos no artigo 4º da minuta de resolução que disciplina o procedimento, o qual estipula que “no âmbito da estruturação do chamamento público cujo edital seja divulgado até o dia 6 de fevereiro de 2027, deverá ser verificado se a ferrovia a ser outorgada […] estará situada na área de influência de concessão ferroviária já existente”. O artigo estabelece como área de influência aquela compreendida em um raio de 100 quilômetros a contar do eixo da ferrovia.

Além disso, o dispositivo estabelece critérios de exceção para o exercício do direito de preferência pela concessionária para obtenção da autorização, nos primeiros cinco anos de vigência da Lei das Ferrovias (Lei 14.273/2021), conforme disposto em seu artigo 67. Sobre direito de preferência, Leonardo Coelho, do Braz Coelho Véras Lessa e Bueno Advogados, sugeriu à agência a supressão de exceções lançadas no artigo 4º, que, na avaliação dele, vão além do que permite o artigo 67.

Coelho mencionou o parágrafo 1º do mesmo artigo, que diz que “o regulador ferroviário definirá a área de influência” para que a concessionária se manifeste quanto ao interesse de exercer seu direito de preferência. Para ele, a proposta da ANTT “acaba ultrapassando limites legais”.

A consultora jurídica da MoveInfra, Ana Carolina Alhadas, chamou a atenção para o artigo 4º, parágrafo 2º da minuta de resolução, que estabelece que as concessionárias de ferrovias estão impedidas de exercer o direito de preferência em duas situações: caso o acesso à área de influência pelo projeto de ferrovia autorizada ocorra para permitir conexão com concessão já existente ou para viabilizar o acesso a ferrovias autorizadas a portos.

“Essas duas restrições não foram previstas na Lei 14.273 e, na prática, se elas forem mantidas, podem fragilizar o exercício do direito de preferência”, disse, acrescentando que poderá haver impacto sobre toda a cadeia logística. “Pode gerar grande desestímulo às concessionárias de realizarem investimentos contratados nas malhas já concedidas”, acrescentou.

Thaís Araripe, advogada da Infra S.A. e atualmente diretora de mineração e energia renovável no governo do Piauí, manifestou preocupação sobre o método utilizado pela agência de fixar uma distância para a área de influência. “Essa definição idêntica para todas as ferrovias gera ao revés uma assimetria regulatória, porque coloca todas as ferrovias sob uma mesma ótica, sem o cuidado em relação à realidade concorrencial”, avaliou. “Uma ferrovia maior acaba tendo o mesmo tratamento que uma ferrovia menor, por exemplo, sob a ótica de custos.”

Ainda sobre área de influência, o presidente-executivo da Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga), Luiz Henrique Baldez, disse à Agência iNFRA que o melhor seria uma análise caso a caso em vez dos 100 quilômetros estabelecidos para todos. Ele também disse que a entidade é favorável à cobrança simbólica de outorga e contrário ao conceito de ociosidade.

“Tinha que estar no contrato a obrigatoriedade de ter o direito de passagem”, defendeu. “Se em 15, 20 dias não passou o trem, ele está ocioso.”

Leonardo Coelho também criticou a definição de 100 quilômetros pela ANTT como um “possível referencial”. Segundo o relatório de AIR (Análise de Impacto Regulatório) da agência, “apesar de não ter sido identificada metodologia que resultou na definição dessa distância de 100 km”, esse valor se mostra viável para “fins de avaliação das possíveis alternativas”.

“Com todo respeito, mas aqui me parece que existe uma certa confissão de uma definição imotivada do que seria a área de influência econômica”, disse. “Não há motivação que explique porque 100 quilômetros é um bom critério”, completou Coelho.

Yuri Pontual, diretor jurídico e regulatório da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), disse que gostaria de fazer coro ao que foi dito sobre a área de influência e a delimitação de 100 quilômetros. Ele afirmou que a entidade vê com preocupação o inciso 3, do artigo 3º, que trata do descumprimento das metas ou indicadores nos últimos dois anos. “Seria quase que uma caducidade velada”, avaliou.

Posição da ANTT
Gerente de regulação ferroviária da ANTT, Gilson Matos afirmou que já era esperado pela agência que o artigo 67, da Lei 14.173, e o artigo 4º da minuta de resolução chamassem mais atenção na discussão. Ele também destacou que as concessionárias com contratos celebrados após 2019 terão o direito de reequilíbrio econômico-financeiro assegurado de forma muito taxativa.

“Vi que as contribuições se concentraram em um dispositivo que tem uma vigência por volta de dois anos”, disse. “Tendo em vista que temos contratos que alguns deles vão até 2058, outros até 2079, eu não estou diminuindo a discussão desse ponto, senhores, mas eu gostaria de um olhar mais cauteloso sobre aquilo que é estruturante da proposta”, propôs.

Sobre a crítica aos 100 quilômetros, Matos disse haver estudos sobre outras quilometragens e que a agência foi pelo “meio do caminho”. Em relação à cobrança de outorgas, ele disse que a lei impõe a cobrança de um valor mínimo. “Sobre interoperabilidade, a gente respeita a visão da Anut, naturalmente, mas nós, enquanto reguladores, somos uníssonos em dizer que o direito de passagem é um dever do concessionário”, disse.

Gerente substituto de regulação ferroviária da ANTT, Marcus Vasconcellos, ressaltou que a área de influência não foi “tirada da cartola” e que a agência tomou como referência um EVTEA elaborado pela Valec. Segundo ele, a possibilidade aventada de avaliar caso a caso cada proposta poderia trazer complexidade ao processo, que precisa ser célere.

“O artigo 67 tem mais dois anos e meio de vigência. Se for uma metodologia muito complexa, que enseje estudos, pode ser que o estudo fique pronto faltando pouco tempo para o artigo 67 perder a vigência. Nesse caso, o poder público pode até escolher por ‘vamos aguardar aqui mais seis meses que aí a gente não precisa passar por esse processo”, explicou.

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