Gabriel Vasconcelos, da Agência iNFRA
A aprovação a jato do texto da MP (Medida Provisória) 1.304 na Câmara e no Senado sem mudanças nos trechos relativos ao setor de óleo e gás, que incluem alterações para elevar o PRP (Preço de Referência do Petróleo) e previsão de limitação à reinjeção de gás, foi uma derrota para a Petrobras e demais petroleiras que atuam no país.
Agora o setor se agarra a um possível veto presidencial ao artigo que trata do PRP, o que manteria a fórmula de cálculo vigente, estabelecida pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e reformada em julho. O líder do PL no Senado, senador Izalci Lucas (PL-DF), afirmou que já haveria acordo para que o trecho fosse vetado pelo presidente Lula.
As petroleiras temem, principalmente, redução de receitas ligada à eventual escalada de encargos como royalties e participações especiais, calculados proporcionalmente a partir desse valor de referência. Já o teto de reinjeção de gás preocupa, mas, segundo fontes, por depender de decisão futura do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), não teria efeito prático imediato, podendo ser contornado à frente.
Governo dividido
A Agência iNFRA apurou que o governo esteve dividido sobre a questão: interessado em incrementar a arrecadação com petróleo, o Ministério da Fazenda chegou a avalizar o relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM), enquanto Casa Civil e MME (Ministério de Minas e Energia) se manifestaram contrariamente. No fim das contas, ficou definido, nesta quinta-feira (30), que a discussão não seria uma prioridade para a base do governo no Congresso Nacional, e o trecho vingou.
Uma das figuras mais atuantes contra a redação da MP foi o secretário especial de Análise Governamental da Casa Civil, Bruno Moretti, que acumula a presidência do Conselho de Administração da Petrobras, a principal adversária do texto nos bastidores. Uma fonte com conhecimento do assunto disse que a restrição nas receitas da Petrobras ligada à medida impacta de forma relevante sua capacidade de investimentos, o que justificaria a pressão.
Petroleiras x refinarias privadas
Questionado por jornalistas sobre a preocupação da petroleira, o relator, Braga, disse que “Petrobras e nação nem sempre são aliadas”. Além do objetivo de aumento de arrecadação, o senador acolheu a tese de refinarias privadas, representadas pela associação Refina Brasil, de que o aumento do preço de referência reduziria o apelo econômico à exportação de petróleo, aumentando a oferta interna do produto e, com isso, barateando cargas para refinadores locais com efeitos positivos sobre a cadeia.
Essa tese é questionada pelas petroleiras, reunidas no IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), sob o argumento de que o preço efetivo de venda é formado a partir de uma lógica global e não local. Segundo o diretor-executivo de Exploração e Produção do IBP, Claudio Nunes, o que vai baratear efetivamente o petróleo para refinadores domésticos é a redução da carga tributária, sobretudo ICMS, o que deve acontecer nos próximos anos com a efetivação da reforma tributária.
Nunes diz que a MP 1.304, ao definir que o preço de referência deve ser colhido junto a agências internacionais especializadas em detrimento do método da ANP, quer substituir o valor de referência de produção, do qual são descontados custos adicionais (frete, seguro etc.) e que vale para a apuração de royalties, pelo chamado “preço de transferência”, que engloba esses custos e serve à apuração do imposto de renda das empresas. O executivo adianta que, na próxima semana, o IBP vai buscar o governo para apontar os perigos da medida.
“Vamos tentar mostrar para a presidência que o veto é o melhor para o país no momento. Deixar de seguir o cálculo atual é errado, ilegal e traria confusão institucional para todas as partes, inviabilizando projetos futuros”, diz o diretor do IBP. Ele questiona o pouco tempo de discussão da matéria, embora admita que o assunto já estivesse em voga por ocasião de projeto de lei correlato, de autoria do deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Pressão da Petrobras
Durante a OTC Brasil, conferência do setor que aconteceu nesta semana no Rio de Janeiro, executivos da Petrobras falaram contra a mudança, tanto privadamente, nos corredores, quanto publicamente, nos painéis.
Uma dessas vozes foi a diretora de Transição Energética e Sustentabilidade da estatal, Angelica Laureano, para quem a MP 1.304 ameaça o futuro do negócio de gás natural da estatal.
“Temos riscos com essa MP, que já nos ameaçou com a questão do [acesso ao] sistema de escoamento e tratamento de gás e, agora, nos ameaça com o preço de referência do petróleo. O trabalho com gás está sempre em permanente estado de alerta, para saber qual é a próxima [ameaça] que vai acontecer”, disse Laureano para uma plateia de executivos do setor.
A jornalistas, a diretora da Petrobras disse que o aumento do pagamento de royalties sobre a produção pode comprometer o valor presente líquido de projetos, que passam a correr riscos. Neste ponto, ela citou o principal projeto de gás da companhia à espera de decisão final de investimentos: Seap (Sergipe Águas Profundas), que será capaz de entregar novos 24 milhões de metros cúbicos de gás por dia ao mercado brasileiro.
Para além do PRP, outro risco que ainda preocupa a empresa, segundo a executiva, é o programa de desconcentração do mercado de gás, chamado de “gas release”, que incluiria a cessão não só do acesso a infraestruturas, como de volumes para outros agentes sob termos definidos pelo regulador.
“Hoje somos 62% do mercado de gás, o que produzimos com os parceiros. Se eu for obrigada a me desfazer de produção, vou começar a pensar que é melhor [o projeto de] Seap não sair. Se, em algum momento, eu for obrigada a abrir mão de reservas, também vou ter que abrir mão de projetos, até porque vão deixar de ser VPL positivo”, disse Laureano.
O recado da executiva dá o tom dos argumentos que estarão na mesa do presidente Lula nos próximos dias e definirão a queda de braço entre as pastas do próprio governo, e entre petroleiras e refinarias privadas.






