Lais Carregosa, Geraldo Campos Jr. e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA*
O novo desenho do LRCAP (Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência) colocado em consulta pública pelo MME (Ministério de Minas e Energia) na última sexta-feira (22) foi comemorado pelo setor elétrico. Em geral, agentes e especialistas destacam avanços na modelagem, como a separação dos produtos para gás natural, inclusão de outras fontes e melhorias no produto hidrelétrico. Mas a participação de usinas a biodiesel, por outro lado, segue como um assunto que ainda não foi totalmente pacificado.
O governo decidiu retirar os biocombustíveis do leilão alegando falta de segurança no suprimento do mercado e eventual demora para conversão das usinas. O tema foi um dos que provocaram a judicialização da versão anterior do certame e a sua suspensão. Com a exclusão, agora os segmentos ligados aos produtores de biodiesel sinalizam que devem pressionar para que a fonte seja contemplada.
Biodiesel
Agentes que atuam no segmento argumentam que há um contrassenso por parte do governo ao excluir um combustível verde do certame, enquanto acrescenta carvão e óleo diesel, responsáveis por mais emissões de CO2 (gás carbônico).
O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), integrante da FPBio (Frente Parlamentar Mista do Biodiesel), disse à Agência iNFRA que irá articular “uma pressão grande” para que o leilão inclua o biodiesel também como fonte. “Não tem cabimento colocarmos combustíveis fósseis, como carvão e diesel, e não o biodiesel”, disse.
Julio Cesar Minelli, diretor superintendente da Aprobio (Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil), rejeita as justificativas de que o setor já foi suficientemente contemplado com o mandato do B15, ou que não teria matéria-prima para atender à demanda do leilão. Sobre a possibilidade de judicializar, ele disse que a situação ainda está sendo analisada e, antes disso, será feito um esforço para o governo mudar de ideia na fase de consulta pública.
“Nós estamos com 40% de ociosidade das usinas. Então, temos perfeitas condições de estarmos atendendo esse volume”, disse Minelli. “Sabemos de algumas usinas que já estavam até fazendo investimento para preparar estoque para atender à demanda do leilão. Esses investimentos foram frustrados”, acrescentou.
Para o economista e sócio-fundador da consultoria CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), Adriano Pires, não havia biodiesel suficiente para atender à adição obrigatória de 15% ao diesel fóssil para transporte veicular e, ao mesmo tempo, gerar energia elétrica.
“Acho que o governo ficou preocupado que, no final do dia, essas usinas a biodiesel acabassem alegando que não tinham biodiesel para gerar e acabassem substituindo por diesel. O governo fez uma avaliação mais cuidadosa e pode ser que na frente ele reveja isso”, afirmou à Agência iNFRA.
João Carlos Mello, CEO da Thymos Energia, lamenta a saída do combustível renovável do certame, mas acredita que o governo em breve irá fazer um leilão específico para o segmento “e com um tamanho adequado”. “Não adianta a gente falar que vão ser muitos mil megawatts, porque, na realidade, o biodiesel é um ‘juvenil’ nesse ambiente, que tem que começar a participar do jogo”, destacou. Contudo, para ele, não há abertura para que o produto retorne ainda neste certame, uma vez que o debate já está avançado.
Gás natural
A divisão da contratação de térmicas a gás natural em dois produtos, integrados na malha de transporte e fora da malha, foi uma saída adequada na avaliação do presidente da Abraget (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas), Xisto Vieira. Segundo ele, o modelo anterior provocava uma competição entre os dois produtos “num momento em que ainda temos que analisar tanto o custo efetivo do GNL como o custo da malha de transporte, o que seria ruim”, afirmou citando o debate sobre o chamado “pass through”.
À Agência iNFRA, fontes do setor afirmam que, ao menos por ora, a divisão por produtos tende a esvaziar a discussão mais ampla sobre o mecanismo de incidência da tarifa de transporte de gás. Desta forma, o “pass through” pode ficar fora deste leilão. Nesta avaliação, o formato pulverizado atende aos diferentes agentes, que devem “se acalmar”.
Para Adriano Pires, do CBIE, é preciso que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) faça a revisão da tarifa de transporte, que tem sido impeditiva para a conexão de novas usinas à rede de gasodutos. O repasse desse custo aos consumidores de energia, conforme a proposta de “pass through”, contudo, não seria “justa”, afirma. Segundo ele, o valor da tarifa faz com que as usinas conectadas à malha percam competitividade. “O normal seria essas usinas terem mais competitividade do que aquelas que estão ligadas ao terminal de GNL [Gás Natural Liquefeito]”, declarou.
Diretamente envolvida na discussão, a Atgás, que reúne as transportadoras de gás natural (TBG, NTS e TAG), define como “legítimo” o novo desenho do governo, com maior separação por produtos, mas vai propor uma tarifa de referência de transporte definida ano a ano pela ANP, a fim de reduzir os riscos dos agentes conectados à malha, que não dispõem de uma tarifa pré-definida para 10 ou 15 anos, segundo o presidente da associação, Rogério Manso.
“Para nós [Atgás], o ponto mais importante é que os documentos divulgados pelo governo reconhecem a estreita interdependência entre o sistema de transporte de gás natural e o SIN [Sistema Interligado Nacional], sua segurança e confiabilidade. A separação por produtos tem legitimidade. É um caminho em que dá para se trabalhar. Alternativas a esse desenho poderiam levar mais algum tempo”, disse Manso. Para ele, o governo já tem claro o problema das tarifas de gás, mas ainda precisa definir um mecanismo que o neutralize para este certame.
Marcelo Mendonça, presidente da Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado), avalia que a nova data do leilão, agora previsto para março de 2026, gerou um descasamento preocupante com a agenda da ANP sobre o gás. “Temos debates importantes como o plano coordenado, por exemplo, com toda uma previsão de investimentos, e a revisão tarifária do transporte, que precisam do resultado do leilão para que esse planejamento seja preciso. A ANP precisará fazer um freio de arrumação nessa agenda”, afirmou.
Carvão e diesel
O presidente da ABCS (Associação Brasileira do Carbono Sustentável), Fernando Luiz Zancan, considera a inclusão do carvão como uma medida positiva. Mas destaca que é preciso analisar as condições operativas exigidas pelo edital do leilão, uma vez que o parque térmico a carvão no Sul do país foi construído para operar na base do sistema, ou seja, de forma inflexível.
“Tem que ter um modelo de operação que permita que as térmicas operem em suas melhores condições, senão pode-se destruir as máquinas”, frisou.
Segundo Xisto Vieira, da Abraget, a adição das térmicas a óleo é positiva pelo ganho de flexibilidade, uma vez que elas possuem acionamento mais rápido. Ele minimizou impactos ambientais, alegando que o funcionamento como reserva de capacidade tem emissões mínimas e que seriam “insignificantes”.
Em nota técnica colocada em consulta pública, o MME afirma que não serão admitidas no certame novas usinas a carvão, voltando-se apenas para as termelétricas existentes e com contratos próximos de vencer. A pasta destaca, contudo, que essa diretriz não significa a exclusão da fonte do planejamento energético.
Autoprodução
Outra novidade no certame é a menção à autoprodução de energia. Apesar de não estar prevista nas portarias, a nota técnica enviada à consulta pública também menciona a possibilidade de contratação de térmicas associadas a unidades consumidoras industriais.
O diretor de Energia da Abiape (Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia), Paulo Sehn, explica que atualmente uma grande parcela dessas térmicas estão ociosas devido à baixa produção industrial e que, por se tratarem de ativos já amortizados, podem ter muita competitividade no LRCAP. “Têm alguns detalhes que a gente está trabalhando com o ministério para de fato ver se eles têm essa confiança de colocar essas usinas. Seria necessário deixar bem claro que se trata de usinas dentro desses parques industriais”, declarou.
Hidrelétrica
Marisete Dadald, presidente da Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica), aponta que a nova minuta de portaria “trouxe mais clareza”.
Por exemplo, podem participar do leilão aquelas usinas cotistas que tenham parte da sua garantia física, 30%, disponível para comercialização no ACL (Ambiente de Contratação Livre), explicou Marisete. A executiva afirma que também ficou clara a possibilidade de os geradores cadastrarem apenas as unidades geradoras, ou o agrupamento delas.
Marisete disse ainda que solicitou ao ministério a inclusão de um “produto hídrico 2029”. “Mesmo que a portaria tenha trazido a possibilidade de antecipação condicionada à concordância do CMSE [Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico]”, afirmou.
No entendimento da Abrage, caso a entrega seja antecipada, seria uma receita extraordinária aos geradores, e o prazo de 15 anos do contrato só passa a valer a partir de julho de 2030.
*Colaboraram: Rafael Bitencourt e Gabriel Vasconcelos








