Sheyla Santos, da Agência iNFRA
O presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, determinou a suspensão temporária de todas as reuniões das comissões de solução consensual da Secex Consenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos) em atividade.
Em nota enviada à Agência iNFRA, a corte de contas informou que o tribunal tomou conhecimento do Decreto 12.091/2024, que institui a Resolve (Rede Federal de Mediação e Negociação), capitaneada pela AGU (Advocacia Geral da União) em 3 de julho, dia de sua publicação no DOU (Diário Oficial da União).
“Embora suas disposições sejam quase integralmente dirigidas ao Poder Executivo, as secretarias do TCU estão examinando eventuais repercussões nos processos em curso na Corte”, disse o TCU, acrescentando que, até que essa análise seja concluída, as reuniões de solução consensual permanecem suspensas.
Nova câmara de consenso
O decreto que institui a Resolve foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, e o advogado-geral da União, Jorge Messias. Segundo o decreto, a Resolve deverá “organizar, promover e aperfeiçoar o uso da autocomposição de conflitos”, por meio de mediação e negociação em que órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional sejam partes. O texto não menciona a participação da corte de contas nos casos conduzidos pelo órgão do Executivo.
Conforme mostrado em reportagem da Agência iNFRA publicada em 5 de julho, a AGU pediu à corte de contas para participar dos processos de solução consensual que tramitam no TCU no âmbito da Secex Consenso. Atualmente, a direção da AGU não participa das reuniões de negociações no tribunal.
O pedido de participação foi apresentado pela AGU dentro do processo que tratou da solução consensual do setor de telefonia fixa da empresa Oi. O órgão apontou haver “a necessidade expressa de autorização do Advogado-Geral da União e Consultor-Geral da União para a realização do acordo” por determinação das leis 9.469/1997 e 13.327/2016.
E também porque o Decreto 10.201/2020 estabelece que a realização de acordos ou transações que envolvam créditos ou débitos com valor igual ou superior a R$ 50 milhões depende de “prévia e expressa autorização do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado a cuja área de competência estiver afeto o assunto”.
No entanto, já foram fechados acordos com valores superiores a esse sem que a direção da AGU tivesse feito parte da mesa de negociação do TCU. O relator do processo da Oi, ministro Jorge Oliveira, lembrou que o governo e as agências reguladoras têm entre seus procuradores representantes da AGU e ratificou o acordo com a Oi mesmo sem a chancela do advogado-geral.
Composição da Resolve
Em nota enviada à Agência iNFRA, a AGU afirmou que a Presidência da República estabeleceu a entidade como gestora do órgão central do comitê responsável da Resolve. A câmara de mediação é composta por um comitê gestor, órgão superior que tem a participação de ministros de diversos órgãos federais, entre os quais a Casa Civil e os ministérios da Fazenda e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
Na visão da AGU, em vez de estabelecer a criação de uma nova câmara, a Resolve dará apenas “novas atribuições a órgãos já existentes”. “O papel central da Resolve é fortalecer a agenda da consensualidade na Administração Pública Federal. Para isso, ela buscará sistematizar todos os procedimentos e iniciativas de mediação e negociação já existentes dentro do Poder Executivo”, disse a entidade em nota.
Relação com TCU
Perguntada se o TCU teria sido excluído da nova câmara, a AGU diz que, “na verdade, o TCU não foi excluído do Resolve”, visto que o decreto prevê, em seu artigo 9º, o estabelecimento de parcerias entre a câmara e “outros órgãos e entidades com competência para lidar com mediação ou negociação”.
Nesse sentido, complementa, a iniciativa do Executivo “reforça a consensualidade que vem sendo buscada, alcançada e continuamente aprimorada pelo trabalho do TCU por meio da SecexConsenso”. A AGU ressalta que, do ponto de vista formal, o TCU é órgão auxiliar do Poder Legislativo, não podendo, portanto, ser incluído na estrutura da Resolve, que sistematiza iniciativas de mediação existentes no Poder Executivo.
No entendimento da entidade, com a existência da Resolve, a atuação de órgãos e autarquias federais perante a Secex Consenso será feita de forma “ainda mais racional, organizada e estruturada”. “A AGU também está segura de que, tendo o TCU como parceiro, a Resolve fortalecerá de forma efetiva a agenda da consensualidade na Administração Pública Federal”, finaliza.
Críticas de outras entidades
A SecexConsenso é uma iniciativa de Dantas do início de 2023. Seu propósito, segundo o tribunal, é contribuir para a efetividade de políticas públicas e a segurança jurídica de “soluções tempestivas construídas de modo colaborativo e célere com a sociedade e os entes públicos”. A nova secretaria teve suas competências definidas na IN (Instrução Normativa) 91/2022, posteriormente alterada pela IN 92/2023.
Nesse período, foram apresentados 28 processos de solução consensual por diversos ministérios e agências reguladoras. Seis foram solucionados, entre eles dois processos do setor de ferrovia, um do setor de aeroporto e dois de energia, além do processo da Oi. Houve também processos que não chegaram a acordo.
Diversos ministérios do governo vêm apostando nessa solução para conseguir repactuações de contratos com concessionárias inadimplentes, como é o caso dos setores de rodovias e aeroportos, com esperança de retomada de investimentos mais rápido do que pelas diferentes opções de relicitar os contratos. No entanto, essas soluções têm se alongado mais que as expectativas iniciais e estão ganhando maior oposição a cada dia.
“Desvirtuamento finalístico”
Em nota publicada na última terça-feira (9), o Instituto Não Aceito Corrupção, presidido por Roberto Livianu, procurador de Justiça de São Paulo, criticou a Secex Consenso a partir de uma reportagem da revista Piauí sobre o tema. A reportagem original está neste link.
Segundo a entidade, “têm sido costurados acordos geradores de benefícios bilionários indevidos em relação a dívidas para com o patrimônio público, de forma conveniente aos interesses políticos do Governo Federal”. A entidade acrescenta que há “desvirtuamento finalístico” no âmbito desses processos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já havia feito críticas ao modelo no ano passado, alegando que o tribunal não teria competência para tratar do tema. Neste ano, relatório da liderança da oposição do Senado já havia apontado problemas no modelo que está em avaliação para a repactuação de contratos aeroportuários.
Em maio, Dantas chegou a falar em tentativa de sabotagem da câmara de consenso, ao comentar que a iniciativa estaria recebendo oposição por parte de quem, em sua visão, teria interesse em ver contratos paralisados. “Felizmente, não temos medo de latido forte”, disse o ministro na ocasião.
Depois, em evento convocado pelo próprio TCU, Dantas rebateu parte das críticas e anunciou algumas mudanças no modelo para dar maior transparência aos processos de repactuação. Reportagens neste link e neste link.