01/10/2025 | 08h00  •  Atualização: 01/10/2025 | 18h34

Tecon 10: Auditoria do TCU vê como ‘especulação’ risco de concentração

Foto: Autoridade Portuária de Santos

Amanda Pupo e Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Os principais argumentos que o MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) levou ao TCU (Tribunal de Contas da União) na última sexta-feira (26) para defender o leilão faseado do Tecon Santos 10 já foram objeto de uma análise crítica da auditoria técnica da corte de contas. Em relatório prévio de 176 páginas – grande parte dedicado à avaliação concorrencial do projeto – a AudPortoFerrovia (Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária e Ferroviária) do tribunal alegou não haver informações concretas que justificariam vedar numa primeira fase do leilão a entrada de empresas que já operam no Porto de Santos. Para a auditoria, a proibição fere regras legais e também não encontraria respaldo como decisão de política pública. 

O documento da AudPortoFerrovia ainda é preliminar e foi finalizado em 25 de agosto. Foi em resposta a ele que o MPor enviou suas considerações ao TCU, em um documento de seis páginas assinado pelo secretário nacional de Portos, Alex Ávila, no último dia do prazo prorrogado para atender ao tribunal (reportagem neste link). Agora, para elaborar sua posição final, a área técnica vai analisar, entre outros pontos, as respostas da pasta, da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Este último órgão apontou haver possíveis “riscos” concorrenciais se uma uma das empresas que operam em Santos levarem o Tecon, mas não cravou a defesa por um modelo específico de leilão. Também indicou que restrições podem ser adotadas por questões não concorrenciais.  

Mesmo que a auditoria da Corte não altere seu posicionamento final após ter recebido esses comentários dos gestores, o documento não necessariamente indica qual será a posição da corte de contas sobre o modelo do leilão. O relatório da unidade de auditoria serve para subsidiar os ministros, mas não é vinculativo. Mesmo que o relator do caso, Antonio Anastasia, eventualmente siga a recomendação da AudPortoFerrovia, um ou mais ministros do tribunal podem divergir. A maioria de votos na corte é formada pela posição de ao menos cinco de um total de nove ministros. 

Confira abaixo os principais pontos da análise concorrencial que foram avaliados pela AudPortoFerrovia:

  • Análise da concentração horizontal 

A decisão da ANTAQ de impedir a participação de empresas que já operam em Santos (incumbentes) numa primeira fase do certame se baseou na avaliação de que, se MSC, Maersk, CMA CGM e DP World levassem o Tecon 10, haveria uma concentração de mercado na movimentação de contêineres problemática para o mercado. Os números atuais indicam que os armadores ligados a elas já estariam com cerca de 80% da movimentação do porto.

Em resposta ao TCU, o MPor foi na mesma linha e afirmou que a finalidade do projeto não é maximizar a arrecadação do governo – que pode ser afetada pela restrição no certame –, mas fomentar a concorrência intraporto durante a concessão, “contribuindo para prevenir a concentração de mercado em poucos operadores verticalizados (já ativos no Porto de Santos) e garantindo a entrada de novos prestadores de serviço”. 

Na análise que havia feito sobre esse argumento anteriormente, a AudPortoFerrovia diz que o ponto não se sustenta. Em primeiro lugar, segundo ela, porque a exigência de desinvestimento, caso alguma incumbente leve o Tecon, já garante, “em praticamente todas as hipóteses”, o ingresso de um novo operador. A exceção aconteceria se a Maersk ou MSC levassem o Tecon 10, já que elas operam juntas o terminal BTP. Ainda assim, diz a unidade técnica, o desinvestimento de uma delas no terminal atual já asseguraria a desconcentração horizontal em grau “idêntico” ao que seria visto na vitória de um novo entrante. 

A previsão do desinvestimento, por sua vez, é contestada por partes interessadas no processo, que apontam risco judicial na previsão. A regra da alienação posterior ao leilão, que seria acompanhada pelo Cade, é apontada como possivelmente ilegal em pareceres que estão sob análise do órgão, o que poderia ser mais um motivo para a judicialização do processo. 

  • Concentração vertical

Outro ponto levantado pela AudPortoFerrovia é que a desconcentração vertical seria incerta no modelo do governo, já que não há como presumir de forma antecipada que uma empresa armadora de fora vai levar a disputa. “Se o vencedor for não verticalizado, nenhuma desconcentração vertical poderá ocorrer, mas a vedação ao incumbente já terá comprometido a isonomia e viciado o certame sem entregar o benefício alegado”, afirmam os auditores.

“Assim, o critério adotado não apenas falha em gerar benefícios universais e mensuráveis, como também impõe custo elevado ao excluir agentes com elevada capacidade de formular lances agressivos, comprometendo a eficiência alocativa do certame”, diz o relatório.

  • Outorga e eficiência

A capacidade de as empresas que operam no porto darem lances agressivos foi outro ponto explorado pela AudPortoFerrovia. Embora o MPor tenha alegado que potencializar a arrecadação não é o objetivo do arrendamento, a auditoria afirma que o certame não é apenas um mecanismo de seleção, mas também de captura antecipada de eficiências. Ao deslocar a competição para o momento da outorga, o processo força os concorrentes a revelar, por meio de suas propostas, o valor presente das eficiências que são capazes de gerar ao longo do contrato, afirmaram os técnicos. 

“Excluir agentes verticalmente integrados como Maersk, MSC e CMA CGM de um leilão reduz significativamente a expectativa de lances agressivos. Esses operadores, por atuarem em diferentes elos da cadeia logística no Porto de Santos, conseguem, desde o início da operação, suprimir parcela relevante da dupla margem existente entre os serviços de navegação e operação portuária, o que eleva substancialmente sua disposição a pagar pela concessão. Já operadores independentes como a DP World, com elevada eficiência operacional e sólido know-how logístico, também tendem a converter suas vantagens técnicas em propostas mais competitivas”, afirma a área técnica, repetindo que a ampla participação é “regra expressamente amparada na legislação”, enquanto a exclusão seria medida excepcional. 

Interessada na disputa, a filipina ICTSI tem levado ao tribunal e outros órgãos públicos outra visão sobre o tema. Para a empresa, a consolidação do controle de Maersk ou MSC sobre o BTP (na opção de desinvestimento) ou a entrada de um novo player como acionista do BTP teria como efeito não aumentar o nível de rivalidade no mercado.

“Com efeito, caso Maersk (ou MSC) vença o certame e a sua participação seja vendida à outra contraparte no BTP (até por conta de natural direito de preferência do sócio), vislumbra-se o efeito perverso de que o leilão representará aumento de capacity share simultaneamente dos grupos econômicos de maior poder de mercado no porto”, alegou a ICTSI, que opera em Suape (PE) e no Rio de Janeiro.

Ao discorrer sobre o nível de concentração atual no porto, a AudPortoFerrovia afirmou que, embora os três grandes terminais que estão lá concentrem a movimentação de contêineres, eles “oferecem escala, produtividade e rivalidade, sem sinais de abuso de poder de mercado”.

  • Política pública

Em outro ponto de sua resposta ao TCU, o MPor afirma que, dentro de uma avaliação de política pública, a solução mais adequada para o Tecon 10 seria a operação por um novo player, “assegurando a existência de um Terminal competitivo que possa atender ao mercado de forma ampla e irrestrita”. No documento finalizado em agosto, por sua vez, a auditoria afirmou não haver em nenhum lugar a formalização pelo ministério de uma política pública motivada e fundamentada para a entrada de um novo player em Santos. 

“Se a externalidade concorrencial relevante, isto é, a concentração horizontal, permanece equivalente após o desinvestimento, não há fundamento objetivo, sob o prisma horizontal, para admitir o novo entrante e vedar o incumbente”, diz o relatório. Os auditores também argumentam que, se para o poder público o aumento do número de armadores for efetivamente prioritário e imprescindível, o governo deveria buscar uma política pública apropriada, a começar por “estudar profundamente as causas do reduzido número de armadores no país, para, a partir daí, definir as estratégias mais adequadas para a solução do problema”. 

  • O que justificaria uma restrição

Na resposta ao TCU, o MPor afirma que a experiência internacional demonstra que a concorrência no mercado, por meio da presença de terminais independentes, tende a disciplinar tarifas e reduzir custos para os usuários, induzir ganhos de eficiência e estimular a inovação operacional. A área técnica do TCU afirmou em agosto que a restrição não pode se basear em “cenários hipotéticos ou especulativos”.

Para a unidade, a decisão só poderia ser considerada legal se fosse lastreada em sólido estudo concorrencial e elementos empíricos; avaliasse os ganhos oriundos de um processo de ampla competição com as perdas geradas por processo concentrador; levantasse os processos e investigações em curso por abusos dos incumbentes e fizesse projeções futuras confiáveis; e não houvesse outro “remédio” igualmente eficiente. 

Ao determinar a restrição, a ANTAQ citou que outros projetos portuários já tiveram vedações a participantes. Mas a AudPortoFerrovia argumenta que a maioria dos casos citados dizem respeito a terminais que movimentam granéis líquidos, “mercado completamente distinto” do de contêineres. 

A reportagem pediu ao MPor que indicasse a experiência internacional citada ao TCU. A pasta respondeu que a manifestação é “objetiva e está em linha com as manifestações sobre o tema já proferidas” pela ANTAQ e pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) na “defesa de modelos que proporcionem a melhor competitividade para o setor portuário”. “Cumprida essa etapa, o Ministério aguardará e cumprirá a decisão final do TCU sobre o assunto”, concluiu. 

  • Melhorias para a ANTAQ 

O relatório preliminar da AudPortoFerrovia também tece uma série de críticas ao processo de tomada de decisão da ANTAQ no caso. Para a unidade, não haveria no âmbito da agência uma metodologia de análise concorrencial formalizada e compatível com os parâmetros legais aplicáveis, para justificar a restrição ou não de participação de uma empresa em um certame.

“Essa lacuna resulta em substancial insegurança jurídica e permite a adoção de soluções não alinhadas à lógica antitruste nem à estrutura normativa vigente, abrindo espaço para decisões discricionárias e potencialmente desproporcionais”, escrevem os auditores, que a princípio recomendam que a ANTAQ, com a colaboração do Cade, regulamente de forma clara e transparente o rito de análise concorrencial que aplica a seus processos, num prazo de 180 dias.

  • Prazo para desinvestimento

Em alinhamento com o parecer produzido pela Seae (Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação) do Ministério da Fazenda, a AudPortoFerrovia sugere inicialmente que o governo dê um prazo razoável para a conclusão da venda de ativos, caso a empresa vencedora precise fazer desinvestimentos.

Para a área técnica, o prazo previsto de 180 dias (colocado no projeto original para caso alguma empresa incumbente participe da segunda fase do certame e leve o Tecon) é desarrazoado diante da complexidade dessas operações. Essa restrição temporal, avaliam os auditores, seria análoga a criar um obstáculo de fato à entrada de players incumbentes, “os quais podem ser desencorajados a participar do certame diante da incerteza sobre a viabilidade jurídica e operacional do cumprimento da cláusula”. 

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