Nestor Rabello e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
O diretor-geral da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), André Pepitone, avaliou que o setor elétrico passa por um “divisor de águas”, diante do crescimento do mercado livre, e que não há mais condições para que o modelo de expansão da geração de energia seja feito no âmbito do ACR (Ambiente de Contratação Regulada).
Em entrevista à Agência iNFRA, o diretor apontou que a agência trata como prioridade a abertura do mercado livre, dentro da pauta de modernização do setor. Nesse sentido, ele considerou que o modelo atual, baseado em leilões em que distribuidoras declaram suas necessidades, está esgotado dentro do que classificou de um “empoderamento do consumidor”.
“As regras para a distribuição precisarão evoluir, para que ela [distribuidora] fique responsável pelo fio […]. A expansão do setor não pode mais ser calcada no mercado regulado, porque nós estamos numa agenda de avanço do mercado livre”, disse.
Ao comentar o apagão ocorrido no Amapá, no ano passado, Pepitone afirmou que a agência aprimorou o fluxo de informações do setor. Agora, a partir do quinto dia útil de cada mês, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) terá de encaminhar informações sobre linhas ou equipamentos de transmissão indisponíveis há mais de 30 dias.
Em dezembro, a agência já encaminhou ofícios a nove transmissoras seguindo essa nova determinação. São elas: Chesf, CTEEP, Eletronorte, Furnas, TP Sul, IE Garanhuns, Manaus Transmissora de Energia, Narandiba e Taesa. No total, foram identificados 20 equipamentos indisponíveis.
Sobre a possibilidade de perda de validade da MP (Medida Provisória) 998, que trata do setor elétrico, o diretor apontou que as revisões tarifárias já feitas estariam garantidas mesmo nessa hipótese. No entanto, medidas estruturais, como o fim dos subsídios, perderiam sua vigência.
Ele acrescentou que as tarifas de energia sofrerão uma redução significativa a partir deste ano, devido a uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que alterou a base de cálculo sobre PIS e Cofins. A expectativa é que isso contribua para reduzir os custos das concessões de distribuição em R$ 50 bilhões nos próximos anos.
Segundo Pepitone, a agência está atenta a eventual retomada de um quadro mais difícil em razão da pandemia. Ele afirmou ainda ter preocupações quanto ao cenário hídrico do país, a necessidade de aprimorar regras do preço horário, e fez avaliações sobre o embate ocorrido no âmbito da discussão do reequilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras.
Confira os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA: O que a ANEEL está enxergando para esse ano como prioridade para o setor elétrico no campo regulatório?
André Pepitone: O ano de 2020 foi uma prova clara que a nossa regulação está sempre em constante evolução e sempre se moldando aos desafios que a realidade vem nos impondo. É importante registrar que o dinamismo regulatório é uma característica cada vez mais necessária para o regulador. Acredito que o ano de 2020 deu uma demonstração clara para a sociedade de que a ANEEL está preparada para essa novidade.
No ano de 2020, a ANEEL cumpriu papel decisivo no estabelecimento das medidas para mitigar o efeito da pandemia. Um ano que, podemos resumir, foi pautado em ações para mitigar os efeitos da pandemia e temos que ficar atentos para todos os indícios de retomada da pandemia.
Olhando agora para uma agenda de futuro, pós-pandemia, esse ano de 2021 a gente entende como um ano de recuperação. O que nós vamos perseguir aqui na agência é a desburocratização, simplificar os processos e, sobretudo, reduzir custos para empreender no Brasil.
Qual seria a agenda deste ano dentro desse cenário de pós-pandemia?
Nossos esforços em 2021 contemplam a adequação de procedimentos para as usinas hídricas, a criação de novas formas de remunerar a prestação de serviços ancilares e a regulamentação do sistema de armazenamento.
Além disso, a consolidação da questão do preço horário, tratar as questões relativas à geração intermitente, que avança com a expansão da potência instalada das eólicas e a ascensão das usinas solares, o papel de térmicas inflexíveis no sistema e o excedente de geração renovável também estão na nossa lista de prioridades. Isso aqui é fundamental.
Estamos atentos também a outro tema prioritário na agenda de 2021, que infelizmente não conseguiu ser concluído na agenda de 2020, a segurança do mercado. A contratação no mercado livre tende a se intensificar com a diminuição das barreiras à entrada. Então, precisamos avançar nessa agenda.
Os senhores monitoram possibilidade de volta de uma situação mais difícil no contexto da pandemia no início deste ano? Há algum temor ou expectativa disso?
Eu não diria temor. Mas digo que estamos acompanhando esses índices. A agência tem a informação semanal das distribuidoras. Acompanhamos semanalmente como está a evolução da inadimplência e a gente observa pelos últimos dados que a inadimplência tem se mostrado num patamar estável. Não houve nenhum sobressalto. Mas esse é um item que merece atenção e merece um acompanhamento próximo.
A inadimplência nos últimos 60 dias, de 7 de novembro a 7 de janeiro, está no patamar de 1,01%. A média mensal de 2019, que foi um ano padrão, é de 1,93%. A gente observa que não está havendo maiores sobressaltos, mas é algo que necessita a atenção e vigilância constante da agência. E isso está sendo feito.
Não temos mais o benefício a baixa renda e não teremos mais o auxílio emergencial. Não acha que as perspectivas são de uma piora nesse cenário de inadimplência?
Por isso disse que é um item que merece atenção. A gente tem que acompanhar de perto, o que estamos já fazendo. Esses índices dos últimos 60 dias demonstram que está comportado, mas nós só temos sete dias do ano de 2021, e já vendo esse cenário que você colocou: foi interrompido pelo governo o auxílio emergencial – essas medidas financeiras – o que pode, sim, vir a afetar a inadimplência.
Por isso, exige atenção e acompanhamento próximo. É o que já estamos fazendo, até para que não sejamos pegos de surpresa com a escalada da inadimplência.
Um novo subsídio à baixa renda pode ser feito?
Não existe nenhuma discussão da qual a agência participou no governo sobre isso.
Como a agência avalia a operação do sistema diante do cenário hídrico desafiador que acompanhamos nos últimos anos?
De fato, começamos o ano de 2021 com cenário hídrico desafiador. As chuvas não aconteceram em outubro, não aconteceram em novembro, em dezembro aconteceu em patamar muito inferior à expectativa. Estamos com reservatórios em nível muito baixo – ou seja, a região Sudeste, que representa 70% do armazenamento do país, está na casa dos 19% no nível de armazenamento –, então vai ser um ano também desafiador para a operação do sistema.
Temos que ficar atentos, com dois olhares: primeiro, a segurança energética, que é o que pauta tudo. E o segundo, é a questão do custo, considerando que todo o parque térmico precisa ser acionado. E esse cenário desafiador evidencia falhas no modelo.
Ou seja, a gente identifica que o modelo é otimista e sempre enxerga uma água que não existe. Isso faz com que tenhamos que, no âmbito das discussões do CMSE [Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico], usar o despacho heterodoxo.
Que procedimentos estão sendo adotados para tentar reverter essas falhas no modelo operativo?
A gente tem que tomar cuidados. Primeiro, o que vai balizar todas as ações da agência é a segurança. Todas as ações serão tomadas para que tenhamos segurança energética. Mas temos que ter atenção a um fator que é custo, porque essa segurança energética vai implicar em despachos de usinas térmicas e que terá um custo associado e essa conta será paga pelos consumidores.
Para ter ideia, a usina de Araucária, que foi chamada a operar fora do modelo em dezembro de 2020 tinha um CVU de R$ 468,00 por MWh [megawatt-hora], que passou para R$ 697,00 o MWh devido ao aumento do custo do combustível no mercado internacional. O mesmo aconteceu com a usina de Santa Cruz, com o CVU passando de R$ 696,00 o MWh a R$ 995,00 o MWh.
A gente vê uma escalada nos preços e é um item que preocupa a agência. Temos que tomar medidas já sabendo que essas térmicas terão que operar fora da ordem do mérito; ou seja, melhorar a contratação delas. Em vez de fazer o contrato mensal [de combustível], a gente já fazer um contrato de médio prazo para que o impacto de custo dessas térmicas ao consumidor não seja tão oneroso.
Caso a MP 998 perca a validade, como ficam as revisões tarifárias já aplicadas sob o efeito da medida, assim como as demais regras previstas na matéria?
A MP 998 é uma medida provisória importante para realocação de custos na região Norte, sobretudo. Traz uma eficiência nessa alocação de custos e desonera bastante os consumidores da região Norte. Então, é uma medida que precisa ser aprovada.
Entretanto, caso ela não venha a ser [aprovada], a gente tem que as relações jurídicas que foram constituídas durante a vigência da medida provisória ficam válidas. O Congresso Nacional, caso a MP não seja convertida em lei, pode editar um decreto do Legislativo para lhes dar o tratamento.
Vamos supor, que seja por absurdo, que a MP 998 não seja convertida em lei, a própria legislação diz que o Congresso Nacional pode editar um decreto legislativo para dar os tratamentos para manter a eficácia das relações jurídicas que foram constituídas durante a vigência da medida provisória.
E se um eventual decreto legislativo não for editado?
Caso esse decreto legislativo não seja editado, a própria Constituição prevê que as relações jurídicas constituídas em decorrência dos atos praticados durante a vigência consigam ser por ela regidas.
A 998, caso perca a validade e não seja editado decreto legislativo, as revisões de reajustes tarifários que foram realizadas pela ANEEL durante a vigência da MP deverão ser consideradas atos jurídicos perfeitos, e devem ser preservados mesmo após a perda de vigência da MP. Para o futuro, a gente, infelizmente, não vai poder mais usar os comandos da MP.
Temas como fim de subsídios para fios, por exemplo, deixariam de valer, então.
Isso tudo perderia a eficácia. O que seria uma pena, tendo em vista que, na nossa gestão na agência, conseguimos avançar nessa pauta estruturante do setor, que é o fim do subsídio.
Tivemos um decreto em dezembro de 2018, do presidente Michel Temer, que tirou o subsídio do consumidor rural e agora a MP 998 que tira o subsídio que tem um custo importante, que é esse desconto no fio das fontes renováveis.
Na realidade, o que pesa não é nem o desconto no fio do gerador, é o desconto no fio de quem compra a energia do gerador. Esse desconto ele ultrapassa os R$ 3 bilhões de reais, que é rateado por consumidores de todo o Brasil, o que não se justifica.
Houve uma divergência na ANEEL sobre os dados de entrada para formação do PLD. É uma questão na qual a agência pretende se desdobrar?
Essa é uma discussão importante, inclusive, que a ANEEL levou ao CMSE na última quarta-feira. Considerando essa adversidade hidrológica que estamos vivenciando, o ONS soltou ofício para diversos comitês de bacia demandando que fossem retiradas as restrições [de vazão], a exemplo do que aconteceu com o São Francisco.
A situação física está resolvida na operação do ONS. Entretanto, tem o efeito disso no mercado, na CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica]. Isso tem que ser resolvido até para a gente evitar uma onda de judicialização no setor. É uma preocupação que se tem e é um encaminhamento que precisa ser delineado.
Agora mesmo, estamos com situação que até a CCEE soltou um comunicado em que houve uma alteração da vazão da Volta Grande do Xingu que afeta Belo Monte. Isso vai ser tratado do ponto vista operacional, entretanto não vai ter efeito do ponto de vista de mercado. É uma decisão que cabe a CCEE e ONS tomar e a ANEEL atua como entidade revisora, se for o caso.
Como lidar com essa questão no âmbito do preço horário?
Nós temos que tratar um trade off entre a segurança do mercado com as informações e a efetividade do sinal de preço que está sendo dado. Porque se a gente não representa a situação física no sinal de preço, só daqui a um mês, eu estou operando com um preço que não está representando a realidade. Entretanto, eu tenho toda essa preocupação dessa discussão da segurança, que é muito relevante também.
A gente precisa ter um trade off e dar um encaminhamento claro para que não haja disputas. Que isso não é benéfico para o setor nessa questão da representação de dados de entrada para formação de preço do PLD.
Ou precisa discutir a CNPE 07 [que trata da atualização de dados de entrada no PLD], ou então precisa se discutir qual que vai ser a interpretação da CNPE 07. É uma agenda que não pode dar margem à discussão. Temos que ter total transparência e flexibilidade nessa questão.
Após o apagão no Amapá, como a ANEEL pretende melhorar a fiscalizações das concessionárias, principalmente em localidades mais distantes?
A fiscalização da interrupção de energia no estado do Amapá está sendo realizada pela ANEEL com base nas constatações e informações técnicas que foram trazidas no Relatório de Análise da Perturbação, o RAP. Esse relatório foi emitido pelo ONS no dia 4 de dezembro.
Associado a uma fiscalização que fizemos lá na subestação em novembro e no centro de operações da LMTE, em Santa Catarina, em dezembro, instauramos os processos de fiscalização para identificar o ocorrido. Esse processo está em andamento agora, já foi encaminhado um termo de notificação tanto para a LMTE [responsável pela subestação onde ocorreu o incidente] como para o ONS, e, uma vez tendo resposta, vamos avaliar se será o caso de emitir auto de infração ou não.
Há alguma providência adicional que poderia ser tomada no âmbito da fiscalização da ANEEL?
A interrupção de energia do Amapá traz ensinamentos importantes para a gente. Acho que todo blecaute gera aprimoramentos. E, nesse evento em particular, a gente constatou a necessidade de aperfeiçoar o fluxo de informações do setor elétrico. A diretoria deu uma determinação que fosse instaurado processo administrativo com o propósito de aprimorar o regulamento sobre comunicação de ocorrência grave e indisponibilidade prolongada na rede de transmissão.
Além disso, a ANEEL expediu um ofício requerendo que o ONS, até o quinto dia útil de cada mês, encaminhe informações acerca de linhas ou equipamentos de transmissão no sistema que estão indisponíveis há mais de 30 dias, para reforçar a atividade de monitoramento exercida pela agência. Isso aconteceu agora pela primeira vez, recebemos esse relatório do ONS em dezembro, já fruto de um aprimoramento do episódio do Amapá.
E esse relatório já identificou alguma indisponibilidade nas linhas de transmissão relevante no sistema?
A ANEEL expediu nove ofícios para uma quantidade abrangente de transmissoras questionando, solicitando informações, sobre as ações que estão sendo executadas e prazo para retorno dos equipamentos que estão indisponíveis. E a gente até fazendo também uma análise de factibilidade sobre a previsão indicada por essas transmissoras para retomar esse equipamento.
Foram [solicitadas informações] da Chesf, CTEEP, Eletronorte, Furnas, TP Sul, IE Garanhuns, Manaus Transmissora de Energia, Narandiba e Taesa. Fruto desse relatório que o ONS nos encaminhou, claro, fazemos uma análise do que é mais relevante e entendemos que tinham instalações relevantes nessas nove transmissoras.
Então, encaminhamos esses novos ofícios e isso vai ser agora uma rotina. Mês a mês vamos acompanhar isso, também exigindo tanto das transmissoras quanto do ONS, esse fluxo de informações sobre equipamentos que estão indisponíveis e sobre a criticidade de atendimento a uma determinada região.
O modelo de expansão da geração por meio de leilões, com base em contratos com as distribuidoras, precisa ser revisto?
Essa agenda já está endereçada na modernização do setor. Então, estamos vivenciando agora um divisor de águas. Olhando para trás, a expansão acontecia no mercado regulado. A distribuidora fazia seu planejamento de mercado, dizia quanto ia crescer, o governo somava o crescimento de todas elas, fazia o leilão e dava o contrato de 30 anos aos geradores.
Só que com a modernização do setor e o empoderamento do consumidor, esse modelo não funciona mais. Então, estamos aqui no divisor de águas. A distribuição vai ter que evoluir a regra para que ela fique responsável pelo fio. E cada vez mais a comercialização não afete a distribuição, ela vai ter que ser responsável pela rede.
A expansão do setor não pode mais ser calcada no mercado regulado, porque nós estamos numa agenda de avanço do mercado livre que, diga-se de passagem, com a discussão estruturante do setor, mas que teve efetividade a partir de dezembro de 2018, com portaria do ministério estabelecendo a abertura [para mais consumidores].
Como a agência olha para a geração distribuída dentro desse contexto de modernização?
Em paralelo, temos a agenda de GD [geração distribuída] que já está tirando bastante consumidor do mercado regulado, que são mais de 4.800 MW. Ou seja, o mercado regulado não tem mais como ser responsável por responder pela expansão do sistema, é um fato.
Então, olhando para frente, eu preciso avançar nesse modelo de lastro e energia. Em que o lastro será pago por todos, que seria a segurança da expansão. Então, eu saio do mercado regulado e rateio com todos, em função de que o consumidor está empoderado – pode escolher seu fornecedor, não fica mais refém no mercado regulado, o consumidor livre – associado também à GD.
A GD surgiu agora, e surgiu com ascensão de potencial, está tirando consumidor do mercado regulado. E esse custo não pode ficar no mercado regulado. Vira o ‘espiral da morte’. Cada vez mais menos consumidor está no regulado, e cada vez mais o custo desse consumidor aumentando.
Percebe-se que existem agentes favoráveis a esse modelo de energia como commodity, mas, por exemplo, térmicas defendem contratos mais de longo prazo…
Ela vai ter que ter esse contrato, mas esse contrato não vai ser nos moldes de hoje, que eu faço com a distribuidora. Vai ser nos moldes do lastro. Quem está com lastro, que é a térmica, que são as hidráulicas, [eles] vão fazer esse contrato com a carga. Esse é o futuro, e estamos vivendo justamente essa turbulência da transição que é natural do processo.
Até porque o futuro é algo novo, as pessoas não sabem como vai acontecer direito, as regras não estão muito claras, está sendo feito um debate. É natural que haja um pouco esse receio do mercado. Mas o futuro tem muita clareza, não tem como continuar a agenda de expansão dessa forma. A expansão agora vai ser feita pela carga, independente de onde esteja, em GD, como consumidor livre ou como consumidor da distribuidora.
A gente tem espaço para todas as formas de geração, a gente consegue avançar com todas as fontes. Agora, esse avanço da fonte intermitente ele exige que o sistema se preocupe com o equilíbrio dinâmico, então a gente precisa de energia firme na base, e precisa de potência. A gente vai ter a opinião da instituição, mas já observamos que o sistema já precisa a partir de agora, de 2021, de potência.
Como está a relação da ANEEL com as distribuidoras após esse embate sobre as RTEs?
O que a gente pode dizer é o seguinte: no âmbito da discussão do equilíbrio econômico das distribuidoras, logo em seguida à estruturação da Conta-Covid, tivemos um debate amplo com o segmento, com a própria Abradee [entidade que representa as distribuidoras], e avançamos em medidas estruturais como deve ser feito. A divergência é natural do processo e é rica, mas desde que ela fique sendo tratada aqui na agência e não ocupe outras esferas.
A gente trata com a nossa equipe técnica, os consultores e a equipe técnica do segmento de distribuição. É natural do processo, acho que ele é rico. Diante essa discussão, nós já estamos na terceira fase da consulta pública do reequilíbrio econômico-financeiro.
Nessa terceira fase, a gente já evoluiu bastante, já trazendo para o processo a questão da sobrecontratação e as regras, também, de como será cobrado o spread ou da distribuidora ou dos consumidores, isso traz tranquilidade ao mercado.
Considera que, em certo momento, houve uma escalada de tom nessa discussão?
No início do processo, de fato, acho que algumas distribuidoras elevaram o tom. Mas acho que, fruto da abertura e diálogo que a agência tem com o mercado, a gente conseguiu, diante de diálogo, de fato, trazer de novo as questões para o campo técnico, para o campo da agência, porque transitar na esfera política e na esfera do Judiciário não ajuda a resolver.
E temos diversos exemplos disso, o mais recente é o GSF. Fica a Câmara de Comercialização parada, por mais de cinco anos, prejudicando todo o setor. Então, nesse caso, acho que a própria maturidade do setor leva à compreensão do diálogo com a regulação, observando nosso processo de atuação.
E qual o impacto da decisão do STF que muda a base de cálculo de PIS e Cofins e afeta as tarifas de energia?
A agência imprime no país uma agenda muito forte de desoneração tarifária. O que contribuiu sobremaneira para reduzir tarifas em 2019, foi a quitação antecipada da conta ACR. Em 2020, que vai ficar um índice baixo, foi a Conta-Covid. Em 2021, o que vai contribuir para que a gente continue com patamar razoável, será essa decisão do STF sobre o cálculo de PIS e Cofins nas tarifas de energia, do ICMS.
Temos que, dentre as 53 concessionárias de distribuição, 49 possuem ações judiciais, sendo que 31 informaram seus valores, que nós estimamos em R$ 50 bilhões de reais. Esse recurso já vai começar a ser devolvido ajudando a gente a amortecer as tarifas. Isso já é uma realidade na concessionária de Minas Gerais, a Cemig, e na concessionária do Espírito Santo, na Escelsa – da EDP –, onde os processos tarifários praticados em 2020 já consideraram a devolução desse recurso. Em 2021, isso vai ficar mais intenso nos processos tarifários.
É uma decisão que vem em benefício do consumidor. A agência está regulamentando o tema, mas já avançamos sobre dois critérios. Primeiro, entendemos que esse recurso é integralmente do consumidor e segundo que ele será devolvido à concessão. Ou seja, ele vai reduzir os custos da concessão refletindo uma redução de tarifa.
O que exatamente são esses R$ 50 bilhões?
São impostos que foram pagos – PIS e Cofins pagos sobre o ICMS [das tarifas] – que o STF entendeu que é inconstitucional. É um recurso que o consumidor pagou. Não é que existe um fundo com R$ 50 bilhões. O consumidor pagou R$ 50 bilhões de impostos. Então, agora, nos processos tarifários futuros, ele tem um encontro de contas.
Então, eu tenho impostos a pagar, de PIS e Cofins, como paguei a mais, eu não vou pagar agora e vou usando o meu saldo, e quando bater de novo [R$ 50 bilhões] eu volto a pagar. Não é que tenho R$ 50 bilhões para dar ao consumidor. Esse imposto eu deixo de cobrar na tarifa.
Tem alguma estimativa de em quantos anos isso vai ser feito?
Não temos esse valor em anos, porque cada concessionária tem uma realidade. Mas o que tem sido colocado para gente é que essa recuperação do ICMS ela transcorreria entre três e cinco anos. Mas ainda estamos avaliando esse prazo.