Adalberto Vasconcelos*
Após discorrer sobre relicitação, recebi sugestões e pedidos para escrever sobre diversos temas afetos à regulação, entre eles as “boas práticas” para estruturação de contratos de concessão e de PPPs, o que passo a fazer no presente artigo.
O orçamento público já há muito tempo não é suficiente para prover os necessários investimentos em infraestrutura e na prestação de serviços de interesse público de que tanto o Brasil necessita para alavancar crescimento sustentável e competitivo. É nesse contexto que se presencia significativo incremento na celebração de contratos de concessão de serviços públicos e de PPP (parceria público-privada), estas notadamente lideradas pelos entes subnacionais.
Os setores contemplados com as PPPs são bastante diversificados e certamente serão impulsionados com os projetos de saneamento em virtude da edição do novo marco regulatório do setor. Dessa forma, torna-se oportuno revisitar algumas boas práticas aplicáveis à estruturação de projetos de concessão e de PPP, desde sua concepção até, pelo menos, a apreciação pelo controle externo. Em outra oportunidade avançaremos sobre boas práticas concernentes ao leilão, à assinatura do contrato e à execução contratual.
A perspectiva ampla do horizonte de projeto de concessão ou de PPP já encerra, em si, uma necessária premissa: estruturar contrato de parceria entre a Administração Pública e o ente privado como compromisso de longo prazo, que perpassará governos e governantes, ou seja, um contrato de Estado.
Assim, para além de processos e procedimentos bem-sucedidos, as boas práticas abrangem, em um primeiro momento, aspectos estruturais necessários ao desenvolvimento de ambiente propício para o florescimento de parcerias exitosas. É nesse contexto estrutural que se posiciona a necessidade de adequado arranjo institucional e robusto arcabouço normativo e regulatório para propiciar ao parceiro privado a segurança jurídica e a previsibilidade necessárias à assunção de riscos relacionados a contratos dessa natureza.
O aparato institucional federal evoluiu significativamente nos últimos anos com a criação e consolidação das agências reguladoras e o fortalecimento do papel dos órgãos formuladores de políticas públicas setoriais. Mais recentemente, ainda no âmbito federal, esse arranjo institucional foi fortalecido com a criação do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), responsável, entre outras, pela avaliação, qualificação, estruturação e coordenação da carteira de projetos de infraestrutura.
O PPI agregou ao processo de contratação de concessões de serviços públicos a lógica de planejamento integrado e de comprometimento das diversas autoridades envolvidas no processo minimizando a possibilidade de inconsistências e conflitos de interesses, e, em grande medida, racionalizou o processo, ao introduzir o juízo de qualificação de projetos. O programa introduziu práticas importantes já adotadas em outros países, como iniciativas de sondagem de mercado e adequada comunicação e diálogo com os diversos stakeholders, prévia e concomitantemente ao desenvolvimento dos estudos que subsidiam a estruturação do projeto e dos documentos econômico-financeiros e jurídicos da contratação da parceria.
Portanto, no tocante a processos e procedimentos, a primeira “boa prática” para a estruturação de contratos de concessão e de PPP, bem como para articular e coordenar os mais diversos órgãos e secretarias do ente federativo envolvidos no referido processo, diz respeito à criação de área, setor ou unidade para coordenar todas as etapas da estruturação de concessão, aprimorando os projetos e dando transparência, previsibilidade e segurança jurídica tão necessária ao investidor de infraestrutura. Ressalte-se que, dependendo do ente federativo concedente da parceria, por certo, é inviável a criação de unidade dedicada exclusivamente à mencionada missão. Todavia, nada impede a designação de área da estrutura do poder executivo para exercer as referidas atividades.
Com efeito, observa-se que a experiência estrangeira e a nacional incorporaram boas rotinas ao que se denomina ciclo de vida do projeto, o qual entendo compreender, principalmente, o planejamento integrado da infraestrutura e seus gargalos; a definição da política pública; a avaliação de pré-viabilidade técnica, econômica, financeira e socioambiental dos projetos; a sinalização para o mercado, por meio da qualificação do empreendimento ou de outra ação similar, que demonstre a aquiescência da autoridade máxima federativa com a implementação do projeto; a efetiva seleção e contratação dos pertinentes estudos (estudos de viabilidade técnica, econômico-financeira e ambiental – EVTEA), incluindo a elaboração dos documentos jurídicos; a discussão com a sociedade e demais interessados; a apreciação do controle externo; a realização do certame licitatório propriamente dito; e a contratação e gestão contratual.
Dessa forma, é a partir do ciclo de vida do projeto que relacionarei, de forma expedita, algumas boas práticas inseridas em cada etapa do processo de contratação de parceria.
O planejamento integrado para infraestrutura deve ser dinâmico e técnico, discutido com a sociedade e demais atores envolvidos. O objetivo é dar previsibilidade e transparência aos investidores, ao próprio governo, aos órgãos de controle, à sociedade e aos demais stakeholders. Deve ainda transmitir seriedade, confiabilidade, tecnicidade, profissionalismo e comprometimento com a construção de soluções sustentáveis, haja vista se tratar de contratos de longa duração.
A principal “boa prática” dessa fase diz respeito a alcançar planejamento debatido, aprovado e publicizado, em que se almeja mitigar imposições políticas oportunistas e indesejáveis. Assim, é oportuno que seja discutido e estabelecido consenso dentro do governo antes de ser realizada a sondagem ao mercado, a potenciais financiadores, a acadêmicos, dentre outros segmentos. Também configura “boa prática” a busca de planejamento crível e com horizonte confiável para as projeções, incorporando ajustes e revisões periódicas sempre que necessários para se adequar à realidade.
Ademais, outra “boa prática” dessa etapa é dar clareza e transparência sobre a governança do projeto e sobre o marco regulatório e legal, bem como avaliar o impacto fiscal da contratação, em se tratando de PPP.
A segunda etapa do ciclo de vida do projeto alberga os estudos de pré-viabilidade técnica, econômico-financeira e ambiental. É “boa prática”, por não dizer essencial, ainda nessa fase inicial da estruturação da parceria, a adequada incorporação das questões ambientais e dos custos socioambientais decorrentes da implantação do projeto, a análise das possíveis medidas mitigadoras do impacto ambiental e, se for o caso, o estudo de alternativas de projetos, traçados ou substituição de modais, dentre outras medidas.
Impende realizar análise mais aprofundada dos aspectos ambientais com o fito de melhor dimensionar os custos ambientais, geralmente subavaliados, com o consequente comprometimento da correta estimação dos custos do projeto. A par dessa providência, ressalte-se a necessidade do apropriado tratamento da questão ambiental na matriz de risco da concessão.
Adicionalmente, coadunam-se com as “boas práticas” que os referidos estudos preliminares de viabilidade incluam considerações jurídicas, além de estimativas de cronograma físico-financeiro da implantação do projeto e sua aderência com o planejamento integrado de infraestrutura.
A partir desse conjunto preliminar de informações, é importante e “boa prática” que a autoridade máxima do ente federativo dê sua aquiescência aos projetos que apresentem pré-viabilidade e estabeleça, baseado em critérios bem definidos e transparentes, ordem de priorização de projetos, a fim de otimizar os esforços e transmitir correta sinalização para o mercado e demais atores envolvidos. Se houver escala no ente federativo que justifique a criação de programa de parcerias, essa ação seria a qualificação do projeto no aludido programa do ente federativo.
A manifestação da autoridade máxima do ente federativo não é ato burocrático. Por meio dela, busca-se, além de priorizar o empreendimento, dar previsibilidade ao mercado, aos investidores, aos órgãos de controle e à sociedade do “nascedouro” oficial do projeto, permitindo discussões com os demais atores acerca de aspectos fundamentais para o sucesso da concessão desde a sua concepção inicial. Ademais, é “boa prática” explicitar e publicizar a governança do processo de contratação da parceria, clareando os papéis de cada órgão governamental envolvido.
A partir da mencionada manifestação, aprofundam-se os estudos de pré-viabilidade, ou seja, inicia-se efetivamente a elaboração dos EVTEA (estudos de viabilidade técnica, econômico-financeira e ambiental).
A principal “boa prática” concernente à estruturação dos EVTEA consiste em buscar, sempre que possível, o cenário mais realista possível e, em certa medida, conservador. O otimismo desejável deve resultar de leilões desenhados com o objetivo de estimular a competitividade no certame licitatório.
A estruturação dos EVTEA deve sempre ter em consideração – e acredite, nem sempre isso ocorre – que em concessões de serviços públicos e em PPPs contrata-se a prestação de serviços públicos (concessão pura ou PPP na modalidade de concessão patrocinada) ou serviços públicos ou de interesse público (PPP na modalidade de concessão administrativa) e não obra pública, ou seja, a obra é meio para atingir o resultado esperado que é a prestação de serviços adequados aos usuários.
No tocante aos instrumentos jurídicos, particularmente edital e minuta do contrato de parceria, alguns aspectos merecem atenção especial.
Em relação às regras editalícias, a construção das disposições relativas à participação no certame e aos requisitos de habilitação merece especial atenção a fim de evitar restrições desnecessárias que prejudiquem ou restrinjam a competição da licitação.
Quanto aos contratos, é tido como “boa prática” atentar-se para: o delineamento das regras de preservação do equilíbrio econômico-financeiro; a correta alocação de riscos, nesse caso, alocando cada risco do projeto de forma eficiente à parte que pode absorvê-lo e gerenciá-lo com o menor custo regulatório; a elaboração da metodologia de avaliação dos bens reversíveis e suas definições; a construção de contratos de parcerias com prazos compatíveis com a amortização dos investimentos, considerando rentabilidade adequada aos investidores; a análise do custo-benefício ou vantagem da opção por contratação por meio de PPP; a estruturação de contratos de parcerias que minimizem os custos regulatórios, a fim de não inviabilizar a fiscalização da execução contratual por parte dos entes reguladores; a definição clara, objetiva e efetiva do sistema de aferição dos indicadores de desempenho.
Ademais, é tido também como “boa prática” a divulgação do empreendimento por meio de site oficial dos órgãos envolvidos e a realização de road shows para potenciais investidores, com o fito de aumentar a probabilidade de se ter um certame competitivo e a melhor oferta para o ativo licitado, o que se coaduna com o interesse público.
Com efeito, EVTEA e instrumentos jurídicos devem se submeter aos mecanismos de participação social. Na atualidade, ainda que a realização de audiências e consultas públicas seja exigência legal, falta, em grande medida, efetividade a tais procedimentos. A realização de consulta e audiência públicas – esta última necessária para a manifestação da população afetada diretamente pela prestação dos serviços a serem delegados à iniciativa privada – são instrumentos de debate com a sociedade que legitimam o procedimento, conferem maior aceitabilidade do projeto por parte dos futuros usuários e permitem o seu aprimoramento.
Nesse sentido, a consulta e audiência públicas não podem ser instrumentos meramente formais, ou seja, cada contribuição deve ser avaliada e, se for pertinente, o projeto ou os instrumentos de contratação devem ser ajustados. Isso é a participação da sociedade no aprimoramento do projeto, em outras palavras, o exercício do efetivo controle social.
Não obstante a submissão dos estudos e documentos jurídicos ao respectivo tribunal de contas, em muitos casos, seja obrigatória, entendo ser “boa prática” o gestor aguardar a manifestação do órgão de controle para publicar o edital, a fim de se ter “atestado” ou “auditoria externa” acerca da legalidade, regularidade, exatidão dos estudos, efetiva concorrência e isonomia do processo de contratação da parceria. Dessa forma, permite-se a tempestiva correção de eventuais irregularidades, o aperfeiçoamento da contratação e a maximização da segurança jurídica.
Ressalte-se que, mesmo o projeto sendo bem discutido e publicizado, é importante e tido como “boa prática” dar prazo razoável para que os potenciais licitantes possam estudá-lo adequadamente, a fim de maximizar a possibilidade de selecionar o melhor parceiro privado e minimizar a possibilidade de inviabilidade da execução contratual.
Por fim, vale destacar que as instituições federais brasileiras, apesar de se encontrarem em estágios de maturidade institucional e em ritmos distintos, como vem evidenciando as auditorias de governança do TCU (Tribunal de Contas da União), já avançaram em muitas frentes. Assegurar o aperfeiçoamento contínuo e sem solavancos certamente é o grande desafio.
Por certo, as instituições e o arcabouço legal e regulatório federal seguem sendo referências importantes para os entes subnacionais, seja sobre o que fazer, mas também, em alguma medida, sobre o que não fazer em projetos de concessão e de parceria público-privada em setores de infraestrutura. Há sempre uma lição a ser aprendida.