Nestor Rabello e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
O presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães, afirmou que será feito um novo contrato de energia da usina de Angra 3, baseado no modelo de capacidade, em vez do atual, de reserva. A alteração é um dos principais efeitos da Lei 14.120 (oriunda da MP 998), disse o executivo em entrevista à Agência iNFRA.
“Ela [a lei] cancela o contrato existente e determina que seja feito outro. A lei não define as características específicas ou detalha esse novo contrato. Mas certamente será um contrato do tipo de capacidade, que tem sido discutido hoje no contexto do setor elétrico como um todo”, completou.
De acordo com ele, a determinação dará maior viabilidade econômica e financeira ao empreendimento, além de assegurar maior segurança jurídica. “Isso dá segurança de que o preço de venda da energia será minimamente atrativo”, defende.
O executivo ressalta que a contratação da energia de Angra 3 já deverá ter como base a modernização do setor, com os custos sendo rateados entre todos os consumidores.
Na entrevista, Leonam defendeu a energia nuclear como fonte de geração competitiva e firme. Ele deu ainda detalhes sobre eventual parceria privada internacional com Angra 3 e outros detalhes sobre o projeto. Confira os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA: Quais as principais questões que a Lei 14.120 (originária da Medida Provisória 998) trouxe para a energia nuclear?
Leonam Guimarães: A MP 998 foi mais um passo na direção da efetiva retomada de Angra 3, que já está acontecendo. Ela vem para que a Eletrobras possa colocar, efetivamente, esse investimento [de Angra 3] em seu plano de negócios, de gestão. Ela dá segurança jurídica para o preço futuro de venda da energia de Angra 3, que é baseado no contrato de energia de reserva feito originalmente, com um preço completamente inviável do ponto de vista econômico-financeiro do empreendimento.
Em outubro de 2018, o CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] estabeleceu um valor de referência para esse preço de R$ 480 o MWh. Mas esse valor de referência não está estabelecido formalmente em contrato. A medida provisória rescinde o contrato atual e determina que seja feito um novo contrato, baseado num preço a ser determinado pelo BNDES considerando uma série de condições. E essas condições é que garantem que esse preço permita a viabilidade financeira do empreendimento.
Como assim?
Rescinde o contrato antigo e determina que seja feito um novo contrato de venda de energia. É o grande ponto da 998, no caso de Angra 3.
Esse efeito é extremamente importante para dar segurança ao investidor, em especial ao principal investidor, que é a Eletrobras. Dá segurança de que o preço de venda da energia será minimamente atrativo ao empreendimento.
Como enxerga a energia nuclear dentro da matriz energética no futuro, dentro de um sistema com maior intermitência?
Tem sempre alguém dizendo que é caro. E diz que é caro comparando com outras fontes, como a energia solar ou eólica, por exemplo. Essa posição denota um pouco de falta de percepção de como funciona o sistema interligado, como é o caso brasileiro.
Ninguém individualmente paga pela energia nuclear, pela energia eólica ou pela energia solar. Na realidade, o sistema como um todo tem um custo, que é rateado entre os usuários, seguindo diferentes regras e aspectos.
Não considera o preço de Angra 3 caro?
Se Angra 3 estivesse operando a R$ 480 o MWh, como estabelecido pelo CNPE nos últimos anos, o efeito seria de redução do custo global do sistema. Porque o sistema cada vez mais despacha energia térmica convencional de custo bastante elevado. Isso é particularmente mais sério em anos hídricos difíceis, como é o ano que estamos passando. Dependendo da bandeira, como a bandeira vermelha 2, se despacha energia a mais de R$ 1000 o MWh.
Ou seja, se Angra 3 estivesse operando, não seria necessário o despacho dessa energia térmica tão cara. E, no momento em que as condições hídricas fiquem boas, você economiza água no reservatório para usar mais tarde.
Então, o efeito de Angra 3, mesmo a R$ 480 o MWh – que todo mundo diz que é caro, pois compara com R$ 180 o MWh ou R$ 200 o MWh de uma energia eólica, vendida em determinado leilão – não considera o custo do sistema, que é o que interessa.
Muito tem se discutido sobre um novo modelo de leilões, calcado no mercado livre. Onde entra a energia nuclear nesse novo formato que está sendo pensado?
A nuclear é térmica, igualzinha à outra, só o combustível que é diferente.
Mas quem pagaria por essa energia térmica? Como seria sua inserção no modelo?
Sempre, não importa que modelo seja, o custo total do sistema tem que ser rateado pelos seus usuários. Agora, o peso desse rateio que é uma política e vai variar dependendo do lugar.
Mas a realidade é: você tem um grande sistema interligado, como é o caso nacional, e esse sistema tem um custo de geração – com as diferentes fontes de geração –, custo de transmissão, com as diferentes distâncias a qual essa geração é transmitida, e o custo de distribuição, com as características específicas que chegam ao consumidor. Como ratear esse custo é que é uma política pública.
O mercado livre hoje não paga por energia nuclear, certo?
Não. O mercado livre, não.
Mas ela é energia de reserva?
Não. Angra 1 e 2, não. A venda de energia delas é um regime similar ao de Itaipu. São cotas para distribuidora.
Angra 3 é que hoje tem um contrato de energia de reserva, nas bases antigas, que foi rescindido pela MP 998 e será elaborado um novo contrato já nas novas bases de contratação do sistema, na linha do que você está falando, na linha do que o secretário Limp [Rodrigo Limp, indicado para a presidência da Eletrobras] deve ter dito.
Então, para viabilizar Angra 3, ela será inserida no modelo como se fosse uma térmica a gás, por exemplo?
Não posso afirmar exatamente. O contrato atual é um contrato de energia de reserva. Contrato de energia de reserva é rateado por todo mundo, livre e regulado. Esse contrato foi rescindido, com a MP 998. Em paralelo, está se desenvolvendo um novo modelo de modernização do setor elétrico, que certamente o contrato de Angra 3 vai ser fortemente determinado por essa evolução que o próprio secretário Limp está falando. Mas não sei afirmar exatamente como será isso.
Então seria um contrato por capacidade?
A lei não entra nesse detalhe. Ela cancela o contrato existente e determina que seja feito outro. A lei não define as características específicas ou detalha esse novo contrato. Mas certamente será um contrato do tipo de capacidade, que tem sido discutido hoje no contexto do setor elétrico como um todo.
Não podemos imaginar que vamos gerar muito mais energia de base através de hidrelétricas de grande reservatório. Resta o gás natural. Mas para o gás natural operando na base, você tem que ter uma logística e preço adequados. Teremos isso no curto prazo? Até podemos vir a ter, e o gás natural terá um papel importante na geração elétrica de base.
Mas temos aqui no Brasil uma tecnologia e experiência que poucos países têm na energia nuclear. Então, acredito que energia nuclear terá, sim, um papel importante na matriz energética brasileira do futuro. Ainda mais se a busca pela descarbonização a nível mundial continuar.
Você acha que existe agora um mercado propício para que se desenvolva a fonte nuclear no país, que está inclusive no PNE?
O Plano Nacional de Energia de 2030, considera que depois de Angra 3 haverá mais 8 a 10 GW de energia nuclear. O que corresponde a um percentual da ordem de 8% de energia instalada lá na frente, em 2050.
Para que isso ocorra, precisariam se desenvolver outras coisas, como o mercado de urânio?
Mas o mercado de mineração de urânio no país está ávido para que o parque cresça, porque ele tem uma capacidade ociosa em várias etapas, e tem uma reserva de combustível bruto imensa no Brasil. É uma questão de ter demanda para ser desenvolvido.
A gente pode ter essa cadeia toda de formação de insumos, tecnologia?
O Brasil domina toda a etapa de produção. Mas ele não tem capacidade industrial suficiente em duas delas, que é a conversão e o enriquecimento. A do enriquecimento vem aumentando passo a passo num ritmo relativamente lento, mas vem aumentando. É uma questão de investimento.
E a conversão é a mesma coisa. Ou seja, tendo demanda, você tem condições de ampliar a capacidade de produção do ciclo do combustível e tornar o índice de nacionalização muito maior.
Para desenvolver esse mercado, também é preciso que empresas privadas entrem no país?
Esse é um tema bastante discutido no próprio ministério, da flexibilização do monopólio do urânio, em especial, para permitir a exploração do urânio. Hoje, só a INB (Indústrias Nucleares do Brasil), que é estatal, explora urânio.
Para você atrair investimentos necessários para aumentar a capacidade de produção para atender a essa nova demanda, você precisa incentivar o investimento. E para esse investimento, possivelmente a parceria com o investidor estrangeiro é uma saída importante.
Quais as expectativas da Eletronuclear para este ano, com a retomada das obras de Angra 3?
Temos uma meta empresarial para que a usina entre em operação em novembro de 2026. Como o modelo de negócios proposto pelo BNDES leva um tempo de maturação, propusemos à Eletrobras o Plano de Aceleração do Caminho Crítico do Empreendimento, para efetivamente retomar as obras o mais rápido possível, de forma a atingir essa meta.
A expectativa é que o BNDES realize a contratação de um ‘epecista’ para concluir tudo que não está incluído no plano de aceleração em 2022, no segundo semestre. O plano de aceleração do caminho crítico e a conclusão da obra via contratação de um grande ‘epecista’ se convergem no final do ano que vem.
Estamos otimistas em relação à retomada dessas obras. Não é só importante para o setor elétrico, mas para a própria retomada do crescimento econômico do país, na medida que é um investimento que tem retorno grande em termos de PIB [Produto Interno Bruto].
E como fica a questão da possibilidade de um parceiro privado para Angra 3?
Quando o BNDES começou a estudar o modelo, vários estudos que fizemos anteriormente consideravam uma participação importante da parceria privada internacional. O BNDES considerou, com grande razoabilidade, que essa parceria transferia muito risco para o parceiro, da forma como estava sendo discutida. E muito risco para o parceiro significa custos muito altos.
Então, eles tentaram evitar esse caminho, de forma que o prêmio de risco fosse mais baixo. E a parceria internacional não foi descartada, ela continua em aberto, mas é bem melhor chamar um parceiro com uma obra andando do que entrar o parceiro em uma obra parada.
Quando a obra estiver andando, com tudo equacionado, possivelmente surja um interesse muito maior dos parceiros internacionais. E o próprio modelo que o BNDES estabeleceu não impede isso. É um plus que pode acontecer, mas numa etapa mais avançada da construção.