Dimmi Amora e Sheyla Santos, da Agência iNFRA
Recursos prometidos pelo Ministério dos Transportes, a serem obtidos com as repactuações de contratos de concessões ferroviárias renovadas, para serem usados no Plano Nacional de Ferrovias, ainda não lançado, começaram a ser direcionados para o caixa da União.
Nos últimos meses, o ministro da pasta, Renan Filho, vinha indicando que usaria o dinheiro que as concessionárias estão sendo cobradas a pagar a mais de outorga pelas renovações efetuadas entre 2020 e 2022 para constituir uma espécie de fundo de aporte para financiar PPPs de ferrovias.
Com isso, o governo poderia ampliar a quantidade de ferrovias licitadas e garantir a financiabilidade dos projetos. Em várias ocasiões, Renan Filho afirmou que não poderia lançar o plano sem ter garantia dos recursos para ele. Os recursos viriam principalmente dessas renegociações, segundo o ministro.
A pasta chegou a falar em repactuações na casa dos R$ 30 bilhões, mas as estimativas atuais giram mais próximas aos valores de R$ 20 bilhões, com três empresas. O primeiro acordo, com a Rumo Malha Paulista, foi concretizado no fim do ano passado e resultou numa promessa de pagamento de R$ 670 milhões, a título de vantajosidade, pela repactuação (outros cerca de R$ 700 milhões ficaram para ser usados em obras no próprio contrato).
Em junho deste ano, ao assinar o acordo, os representantes da empresa e de outras companhias do setor pediram ao Ministério dos Transportes para evitar que a primeira parcela que a Rumo teria que pagar fosse para o caixa da União. Isso não ocorreu. A primeira parcela do acordo, de R$ 170 milhões, foi quitada pela empresa e entrou no caixa.
O argumento das empresas é que, no caixa da União, o dinheiro não voltará para as ferrovias e será usado para que o governo possa fechar as contas. E que não haveria outras fontes no orçamento para a criação desse fundo de aporte para o Plano Nacional de Ferrovias.
Acordo com a MRS no TCU
O pagamento acontece no momento em que o ministério já anunciou que fechou um acordo com a MRS de R$ 2,6 bilhões para a repactuação da renovação antecipada com a empresa.
No entanto, não se sabe o quanto há de valores que vão ter que ficar no contrato (não podem ir para o caixa da União porque são alterações na programação dos investimentos) e o quanto será pago de outorga a mais, tanto a título de vantajosidade, como de um recálculo do valor dos ativos, algo previsto para todas as renovações desde 2020.
O processo para esse acordo já foi encaminhado ao TCU (Tribunal de Contas da União) e será avaliado pela Secex Consenso (Secretaria de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos). No caso da Rumo, o processo de avaliação no tribunal durou cerca de 10 meses e foram necessários mais sete meses até a assinatura do termo aditivo da repactuação.
No caso da Vale, uma proposta para um acordo ainda não está fechada. A empresa fez uma proposta no final do primeiro semestre para uma repactuação que estaria na casa dos R$ 15 bilhões, considerando esses três aspectos (reprogramação de obras no contrato, outorga a mais a título de vantajosidade e outorga a mais pelo recálculo dos ativos). O ministro chegou a informar que precisava avaliar com o Planalto a proposta da empresa e, até o momento, as negociações prosseguem.
Fazenda quer R$ 10 bilhões este ano
No entanto, o Ministério da Fazenda está contando com a maior parte desse dinheiro das repacutações ferroviárias para que eles entrem diretamente no caixa da União, ainda este ano, para que seja possível cumprir as metas fiscais previstas para o ano e cobrando isso do Ministério dos Transportes, segundo reportagem da Folha de S. Paulo desde sábado (3).
A informação é que seriam necessários R$ 10 bilhões das repactuações de contratos ferroviários para que não seja necessário um novo bloqueio orçamentário ao fim do terceiro trimestre. No bloqueio orçamentário do segundo trimestre, de R$ 15 bilhões, o Ministério dos Transportes teve recursos de R$ 1,5 bilhão travados.
A reportagem informa ainda que o ministro Renan Filho e o secretário-executivo da pasta, George Santoro, foram pedir ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apoio para fechar o acordo com a Vale e que Haddad se dispôs a apoiar.
No ano passado, o Ministério dos Transportes apresentou à Fazenda a possibilidade dessa receita a mais da repactuação das renovações ferroviárias e ela foi incluída no Orçamento da União deste ano. Mas, nos três primeiros relatórios de receitas e despesas do ano, a Fazenda reduziu as previsões dessas receitas. Com receitas menores que o previsto e despesas maiores, a Fazenda tem que fazer os bloqueios para cumprir as metas fiscais.
Retomada da audiência da FCA em agosto
Além desses recursos das repactuações das três concessões renovadas até 2022, o governo também conta com recursos de novas renovações que estão para serem iniciadas. Ainda neste mês, deve ser relançada a audiência pública para a renovação antecipada da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), empresa da VLI, que tem a Vale como controladora.
Nesse caso, há forte pressão para que os recursos da outorga fiquem no próprio contrato para a realização de obra para ampliar a capacidade de alguns corredores como forma de aumentar a produção dos trens que vão para a Bahia, o Espírito Santo e o Rio de Janeiro. A expectativa é que a renovação seja assinada em 2025.
Já outras concessões ferroviárias têm no momento maior possibilidade de passarem por processos de repactuação ou serem relicitadas do que passarem pelo processo de renovação antecipada. Nenhuma delas com qualquer possibilidade dos acordos serem fechados em 2024.
Antecipação da Transnordestina
Em cerimônia na última sexta-feira (2), o ministro dos Transportes, Renan Filho, defendeu que a ferrovia Transnordestina (Piauí ao Ceará) possa ser concluída em 2026, em vez de 2027, e fez um apelo ao presidente Lula para intervir junto ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) pela liberação de recursos. Renan disse que a ferrovia, que liga o interior do Piauí aos portos do Pecém e de Suape, em Pernambuco, custa R$ 12 bilhões.
O ministro participou da cerimônia de assinatura do PL (Projeto de Lei) 858/2024, que cria o FIIS (Fundo de Investimento em Infraestrutura Social). Aprovado pelo Congresso Nacional em julho, entre outros projetos, o fundo facilitará a continuidade da construção da ferrovia Transnordestina e terá o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como agente financeiro.
“Esse fundo de hoje está garantindo a sustentação de mais R$ 4 bilhões para essa obra ser 100% executada até, segundo a Transnordestina, 2027. Mas esse evento permite um convite para a gente tentar terminar essa obra em 2026, respeitar o cronograma eleitoral” defendeu.
R$ 3,6 bilhões para a obra
A liberação de recursos pelo FIIS vai ocorrer através de financiamento pelo Banco do Nordeste. Para a Transnordestina, estão previstos repasses no valor de R$ 1 bilhão por ano entre 2024 e 2026, e mais R$ 600 milhões em 2027, totalizando R$ 3,6 bilhões.
A ordem de serviço assinada na sexta-feira autoriza o início dos serviços do lote MVP 6 da Transnordestina, que tem 50 quilômetros e compreende o trecho entre Quixeramobim e Quixadá, no Ceará. Renan Filho destacou que um quilômetro de ferrovia custa, em média, R$ 15 milhões e que a ordem de serviço assinada na ocasião vai destinar R$ 750 milhões somente para o Ceará.
“É o maior investimento de infraestrutura do Nordeste. É a maior ferrovia em execução na América do Sul. É uma das maiores ferrovias em execução no mundo”, disse Renan.
Lula critica paralisação
Lula, por sua vez, criticou a paralisação da obra por 12 anos e disse que irá convidar Mercadante para liberar recursos e concluir a ferrovia. “Presta atenção, Aloizio, eu estou te convidando, primeiro, para você liberar o recurso que tem que liberar para fazer. E, segundo, eu estou te convidando porque nós vamos fazer um jantar antes de eu deixar a presidência, andando nesse trem ‘daonde’ for até chegar aqui no porto”, disse.
No mesmo evento, também foram assinadas a medida provisória que institui o Programa Mover, o PL 2.308/2023, que institui o Marco Legal do Hidrogênio Verde, e o decreto que aprova o regulamento do FDNE (Fundo de Desenvolvimento do Nordeste).