30/10/2025 | 09h41  •  Atualização: 30/10/2025 | 15h13

Trecho sobre óleo e gás na MP 1.304 é visto como ‘desastroso’ pelo setor

Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Gabriel Vasconcelos, da Agência iNFRA

O trecho que incide sobre óleo e gás no relatório da MP 1.304 foi mal recebido pelas grandes e médias petroleiras. O texto foi apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) à Comissão Mista na terça-feira (28), quando começava, no Rio de Janeiro, a OTC Brasil, uma das maiores conferências do setor. Ao ocupar uma pequena parte do documento voltado ao setor elétrico, entre as páginas 39 e 42, o trecho ganhou os corredores do evento em seu segundo dia, a quarta-feira (29), sendo definido por executivos como ‘desastroso’ para o futuro da exploração e produção de petróleo no país.

Por meio de notas, entidades do setor, como o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e Abpip (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo), falaram em “preocupação”. Nos bastidores, a palavra de ordem é buscar reverter algumas medidas junto aos parlamentares, com destaque para a parte que altera o PRP (Preço de Referência do Petróleo), base de cálculo de royalties e participações especiais. Isso aumentaria o valor nominal desses pagamentos, afetando de forma imediata a rentabilidade dos negócios em curso e futuros. O trecho já é alvo de pedidos de destaque, para votação em separado. 

Do lado das empresas, agrava o cenário o fato de as mudanças propostas chegarem em momento de baixa da cotação internacional do petróleo. O barril do tipo Brent viu o preço despencar 15% em um ano, para a casa dos US$ 64 atuais. Na prática, as medidas constantes na MP 1.304 podem encurtar ainda mais as receitas e comprometer a atratividade do país para investimentos futuros, argumentam os agentes.  

Outro trecho considerado crítico é a nova atribuição do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) para limitar a reinjeção de gás natural nos poços em produção com o intuito de aumentar a oferta de molécula ao mercado. As petroleiras reinjetam gás para aumentar a pressão no interior das estruturas geológicas, seja por necessidade técnica ou opção econômica. A estratégia é criticada por membros do governo, que a consideram excessiva, desde o início do mandato, e esteve no centro dos atritos entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, posteriormente dispensado do cargo. 

O vice-presidente de Relações Corporativas da Shell Brasil, Flávio Rodrigues, comentou a questão em sua página no Linkedin, onde defendeu “previsibilidade regulatória”. Ele disse que a mudança no cálculo do preço de referência do petróleo e a imposição de limites à reinjeção de gás podem desestimular novos aportes, especialmente em campos maduros e marginais. Em vez de aumentar a arrecadação, como dizem os apoiadores do texto, o executivo sugere que, no longo prazo, as medidas podem reduzi-la em função da possível queda na atratividade do país para novos projetos. 

“Atrelar o preço de referência a parâmetros tributários, bem como os valores de transferência, distorce a lógica técnico-econômica da indústria e gera insegurança”, disse Rodrigues, em crítica ao argumento de que a mudança levaria a maior oferta de óleo bruto no mercado doméstico em detrimento da exportação. Em seguida, lembrou que a reinjeção de gás é uma “decisão técnica”, prevista em planos de desenvolvimento que foram aprovados pela ANP com base nas características de cada reservatório. 
 
“O setor já enfrenta desafios relevantes, como a alta volatilidade dos preços e uma carga tributária elevada. Hoje, dois em cada três barris produzidos são destinados ao pagamento de tributos. Diante desse cenário, é fundamental preservar um ambiente regulatório que assegure a continuidade dos projetos e a sustentabilidade da cadeia produtiva”, continua Rodrigues.

Fontes de mercado e do governo ouvidas pela Agência iNFRA dão conta que as duas medidas previstas em questão são especialmente prejudiciais à Petrobras – grande reinjetora de gás e dona das maiores participações nos blocos de maior produção no país, Tupi, Mero e Búzios) – e suas sócias, entre as quais a principal é a Shell, mas também majors chinesas (CNOOC e CNPC), TotalEnergies e Galp. 

No tocante ao gás natural, essas fontes citam prejuízos a projetos com alto potencial de produção de gás com previsão de reinjeção, a exemplo de Gato do Mato (Shell, Ecopetrol e TotalEnergies) e Bacalhau (Equinor, ExxonMobil e Galp). Ainda assim, afirmam que este trecho da MP parece mais uma sinalização política do que uma medida técnica efetiva, porque seria impossível estipular um teto de reinjeção universal, visto que cada projeto tem um valor operacional de reinjeção ótimo que o torna viável. Significa, portanto, que a medida seria de difícil execução pelo CNPE.

Executivos da Petrobras dizem que a companhia tem buscado se adiantar, com alternativas para aumentar a exportação do gás do pré-sal e reduzir a reinjeção. É o caso do projeto do 12° navio-plataforma do campo de Búzios, na Bacia de Santos, pensado para receber e escoar o gás de outros sistemas já instalados e que são incapazes de fazê-lo. 

Questionada se a limitação de reinjeção traz preocupação, a diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia Anjos, disse que não, mas lembrou que sistemas antigos, construídos sem a previsão de exportação, não podem ser alterados. “Não causa preocupação não. Eu gosto muito de produzir gás natural, na verdade. Adoro gás”, disse Sylvia a jornalistas durante a OTC Brasil. 

Outro lado do PRP
Nesta quarta-feira (29), o relator Eduardo Braga (MDB-AM) defendeu as alterações na definição do preço de referência do petróleo previstas em seu relatório sob o argumento de que aumentariam a arrecadação do governo e a oferta de petróleo bruto às refinarias domésticas, sobretudo as privadas, que não operam verticalmente como a Petrobras. 

Braga disse que há empresas “fazendo lobby contra a mudança porque, hoje, tudo o que produzem é exportado”. O senador admitiu que as alterações são fruto de um debate no Ministério da Fazenda e partem de estudos apresentados pela Refina Brasil, associação que reúne empresas responsáveis por 20% do refino nacional.

Recentemente, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) incluiu novos critérios para o cálculo do PRP, considerando cotações internacionais de produtos com diferentes teores de enxofre (quanto menor, maior o preço). A nova fórmula, que passou a vigorar em setembro, aumentou o PRP, mas, segundo a Refina Brasil, não a ponto de equipará-lo aos preços internacionais, como determina a lei do petróleo. Essas cotações são apuradas por agências especializadas, como Argus e S&P, e, segundo a MP 1.304,, passariam a ser usadas para o cálculo do PRP. 

Segundo o estudo levado em conta para a redação da MP, assinado pelo economista Manoel Pires, do FGV/IBRE e ao qual a Agência iNFRA teve acesso, a metodologia revista pela ANP só reduziu em 25% a defasagem do PRP com relação aos preços internacionais: a elevação potencial do PRP, estimada no estudo em 4,77%, teria ficado em apenas 1,2%. 

Em nota, o IBP defendeu a nova fórmula da ANP, por ter sido amplamente debatida com o setor e preservar a neutralidade fiscal. Segundo o instituto, o argumento de que a mudança aumentaria a oferta de carga bruta a refinarias privadas não se sustenta.

“O preço do petróleo ofertado às refinarias não será alterado, já que o cálculo do preço de petróleo para fins de recolhimento das participações governamentais não influencia a oferta da commodity no mercado interno. Vincular o cálculo das participações governamentais às regras de preço de transferência, cuja finalidade é a apuração do imposto de renda, apenas cria insegurança e desvirtua a lógica técnico-econômica que sustenta a política de participações governamentais. Na realidade, é a atual carga tributária do ICMS incidente na operação de compra e venda que impacta as condições de oferta do petróleo no mercado interno, fator alheio ao produtor e que cessará quando da implementação definitiva da reforma tributária”, escreveu o IBP.

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