Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A análise de um recurso da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) contra decisão do plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) que a proibiu de regular sobre uma cobrança de terminais portuários de contêineres vai a julgamento no órgão de controle nesta quarta-feira (21) com pareceres divergentes e pautada de forma acelerada.
O recurso pede a revisão da decisão de 2022 do plenário do tribunal que considerou ilegal a cobrança do SSE (Serviço de Segregação e Entrega), também chamado de THC2, e suspendeu a vigência dos artigos da resolução da agência que tratam do tema. Duas análises de auditores do tribunal sobre o recurso recomendam caminhos diferentes, uma concordando com a ANTAQ e outra com o plenário do órgão.
E, além disso, um outro tipo de processo, chamado de auditoria, que avaliou o mesmo tema, também teve sua análise técnica encerrada na última segunda-feira (19), indicando que a agência estava correta em regular o tema. Nessa auditoria, há um alerta sobre a necessidade de se compatibilizar os dois processos para evitar decisões conflitantes do órgão de controle.
Os processos começaram há mais de dois anos, mas ganharam forte aceleração na semana passada, algo pouco comum na tramitação do órgão de controle, segundo quem tem acompanhado essa disputa, que se dá entre terminais com acesso a navios (molhados) e sem acesso (secos) pela legalidade ou não da cobrança de uma taxa para movimentar contêineres de importação.
Esses contêineres chegam nos navios nos portos molhados e os clientes querem que eles sejam enviados aos portos secos. Os molhados cobram uma taxa adicional por isso (SSE/TCH2), mas os secos dizem que esse serviço já foi pago pelos navios, o que os molhados negam.
Em junho de 2022, o ministro Vital do Rêgo, do TCU, foi o relator de um processo que analisava uma denúncia anônima contra a ANTAQ por problemas na forma como foi implementada a Resolução 72 da agência, que regulamentou a cobrança do SSE/THC2 e criou um modelo que combateria práticas abusivas nessa cobrança (reportagem neste link).
Em sua decisão, ratificada em plenário, Vital considerou a cobrança ilegal como um todo e suspendeu os atos da agência, assim como também a impediu de manter a cobrança em vigência enquanto recorria da decisão. A agência cumpriu e suspendeu os atos referentes à permissão para cobrança da SSE/THC2. Mas apresentou recurso contestando a decisão.
“Vazio normativo”
Esse recurso foi analisado pela auditoria de recursos do TCU, e o auditor responsável, num parecer de 15 de agosto (neste link), indicou o provimento parcial do recurso. No parecer, o auditor informa que a cobrança do SSE/THC2 é permitida, que a decisão do tribunal de 2022 criou um “vazio normativo” e propõe ao relator que permita à agência regular a cobrança após criar normas para avaliar casos de abusividade.
O chefe da auditoria de recursos, no mesmo dia, deu um parecer divergente do auditor, defendendo a ilegalidade da cobrança do SSE/THC2, que a Resolução 72 da ANTAQ não conseguia delimitar a cobrança e que a decisão de 2022 estava dentro dos limites do que o tribunal pode fazer. O parecer desse chefe está neste link.
Mesmo com pareceres divergentes, o que no tribunal pode acontecer, o relator do recurso, ministro Augusto Nardes, decidiu pautar o processo para votação em plenário no mesmo dia dos pareceres. Por isso, ele consta da pauta do plenário desta quarta-feira. No entanto, há solicitações de entidades que acompanham o tema para que ele seja retirado de pauta (neste link).
Aprofundamento do tema
O principal argumento é que também ficou pronta na última segunda-feira (19) uma parte importante de um outro processo do TCU que trata do mesmo tema. No caso, é uma auditoria operacional, que consiste numa investigação aprofundada sobre determinado tema. A auditoria em questão é sobre a prestação de serviço portuário de contêineres no país.
Iniciada em 2023, essa auditoria é feita pela Auditoria de Portos e Ferrovias e tem por finalidade aprofundar em diversos aspectos da relação entre terminais, armadores e donos de carga, que no país tem sido conflituosa há anos, gerando o que é chamado de insegurança jurídica e problemas para o desenvolvimento do setor.
Essa auditoria fez visitas técnicas, entrevistas com diferentes tipos de interessados do setor e teve um relatório prévio discutido com os interessados no primeiro semestre do ano. Ela não trata apenas do SSE/THC2, mas teve essa com uma das análises centrais.
E a indicação dos auditores que trabalharam no tema foi a mesma do auditor da área de recursos, ou seja, que o SSE/THC2 é um serviço específico e que pode ser cobrado. No entanto, alertam que a ANTAQ não tem regulamentos adequados para fazer o balizamento dessa cobrança e cobram isso da agência (relatório neste link).
Desagrado a usuários
A auditoria também aponta que outros serviços que os terminais portuários começaram a cobrar, como o DSA (Despacho Sobre Águas), também são corretos de serem cobrados, o que desagradou representantes de usuários de portos que participaram da auditoria (reportagem sobre o tema abaixo).
Ao apresentar o relatório final da auditoria de Portos e Ferrovias do TCU ao relator do processo da auditoria operacional, o ministro Jorge Oliveira, Bruno Martinello, o auditor-chefe da área de Portos, informou sobre a avaliação do recurso da ANTAQ no outro processo.
Para ele, seria “oportuno evitar que as deliberações do presente processo e do TC 021.408/2019-0 [o do recurso da ANTAQ] sejam conflitantes entre si”, sugerindo ao relator que leve ao plenário a possibilidade de que “avalie a oportunidade de harmonizar ambas as deliberações” (proposta neste link).
AGU entra no tema
A disputa sobre essa cobrança arrasta-se há mais de duas décadas, com processos em praticamente todos os órgãos administrativos e judiciais. Em 2019, a ANTAQ e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) firmaram um protocolo para buscar harmonizar as posições sobre o tema, que até então eram divergentes.
Na área técnica do Cade, houve uma mudança de posicionamento sobre o tema e se entendeu que a cobrança não era necessariamente anticompetitiva. No entanto, o conselho do Cade ainda não tem uma posição firme sobre o tema. Parte da área técnica do TCU agora também indica a validade da cobrança, mas a posição do plenário até 2022 era contrária.
Neste ano, ANTAQ e Cade voltaram a tratar sobre uma forma de criar uma posição sobre essa cobrança, desta vez também contando com a atuação da AGU (Advocacia-Geral da União), que identificou o tema como um dos problemas que levam insegurança jurídica ao setor de infraestrutura do país.
Usuários
As conclusões da Auditoria Operacional do TCU sobre a “Prestação do Serviço Portuário” no Brasil foram motivo de reclamação de representantes dos usuários do setor, que classificaram as conclusões como um “equívoco regulatório” que “beneficia arrendatário em desfavor do país”.
Já os representantes dos terminais defendem o trabalho, indicando que a auditoria confirma o que já vem sendo apresentado pelos terminais há anos, de que os serviços devem ser cobrados da forma como são, ou seja, de quem se utiliza deles, para evitar subsídios cruzados.
O processo de auditoria do TCU, de acordo com o relatório, tem várias etapas, como entrevistas e visitas aos terminais, além de painéis de referência, que são encontros onde os auditores pedem informações sobre o tema a todos os interessados.
Ao fim das análises, é apresentado um relatório preliminar aos interessados, que depois é encaminhado para que os gestores públicos responsáveis possam também apresentar comentários sobre o que o órgão encontrou de problemas durante a auditoria operacional. Ao fim dessa análise, é emitido o relatório final.
Após a apresentação do relatório preliminar, ficou claro ao presidente da Usuport-BA (Associação dos Usuários dos Portos da Bahia), Paulo Villa, que a auditoria se encaminhava para validar o modelo de cobrança dos terminais portuários de contêineres que, para ele, vem trazendo prejuízo aos usuários e ao país.
Villa explica que a fragmentação cada vez maior das cobranças dos serviços portuários (são oito tipos de cobrança em 22 terminais diferentes) torna a tarefa dos usuários de comparar preços e qualidade de serviço difícil de ser executada e que, também pela fragmentação, a ANTAQnão tem como exercer uma fiscalização adequada.
“Os Usuários não querem serviços gratuitos, nem vantagens ou, muito menos, privilégios, contudo, desejam liberdade econômica para todos e não apenas para um lado”, pede a Usuport-BA em documento encaminhado ao órgão de controle, disponível neste link.
O documento também pede um modelo de cobrança simplificado e parametrizado com os grandes portos do mundo, “cuja cobrança é sistematizada na cesta de serviços, que já engloba todas as micro etapas inerentes à movimentação, vale dizer, é algo que excede aos interesses do próprio dono da carga, pois traz benefícios ao custo final do produto e à competitividade do Brasil no cenário internacional”.
Em entrevista à Agência iNFRA, Villa lembrou que os usuários são os protagonistas do comércio internacional, mas não têm tido voz em relação aos temas que têm impacto na competitividade dos negócios no Brasil. “O intermediário pesa mais nos órgãos governamentais que o dono da carga”, reclamou.
Apropriação dos ganhos
Para ele, a auditoria do TCU vai consolidar outro problema para o setor, que é a cobrança do DSA (Despacho Sobre Águas). Nos próximos meses, a Receita Federal vai praticamente acabar com a necessidade de tempo para os contêineres que não tiverem problemas (canal verde) ficarem nos terminais.
Esses contêineres em canal verde vão ganhar autorização para serem desembaraçados quando ainda estiverem nos navios (por isso, despacho sobre águas). Isso vem sendo implementado aos poucos pela Receita, com alguns tipos de importadores selecionados. Os terminais começaram a fazer uma cobrança específica para quem se utiliza dessa ferramenta. A Usuport-BA foi contra a cobrança, mas a ANTAQ permitiu.
“Perguntamos para a Alfândega se tinha algum serviço dos terminais nisso e eles disseram que não. Por isso, fomos contra. Os ganhos que o despacho sobre águas teria para os usuários vão ser apropriados pelos terminais”, reclamou Villa.
Prioridade gera prestação de serviço
Na auditoria, o TCU entendeu que existe serviço dos terminais tanto na segregação de contêineres quanto na retirada das cargas desembaraçadas no mar. Para o órgão, “há custo incremental (…) em razão do uso mais intenso de recursos de movimentação, tendo em vista o requisito de prioridade de entrega do contêiner para o trânsito aduaneiro”, o que justificaria as duas cobranças.
No entanto, o órgão de controle indica que a ANTAQ não expressa isso de forma direta e objetiva nos seus normativos, o que leva a problemas para a aplicação. E também que a agência tem um andamento inconsistente para regulamentar a abusividade. Além disso, indica que a cobrança por esses serviços considerando um percentual do valor da carga não seria legal.
Caio Morel, diretor-executivo da Abratec (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres), defendeu o trabalho da unidade técnica do TCU, lembrando que ela visitou dois terminais secos, dois molhados e revisou trabalhos de órgãos como ANTAQ e Cade para indicar que a cobrança do SSE/THC2 é legal.
“Um pagando pelo outro”
Segundo ele, não existe a complexidade alegada pelo representante da Usuport-BA. Os serviços cobrados no THC (Terminal Handling Charge) e no SSE são diferentes e, sem a separação, o que vai acontecer é que clientes que não se utilizam de um deles vão ter que pagar pelos que se utilizam.
“As tabelas têm um monte de serviços que ninguém questiona. Não entendemos porque alguns questionam especificamente esse. Se colocarmos tudo num pacote só, o que vai acontecer é subsídio cruzado, um pagando pelo outro, e isso é errado”, defendeu Morel.
Ele também defendeu que a ANTAQ vem trabalhando para regular os casos de abuso e que isso é suficiente. “Quando é necessário, a ANTAQ não tem dificuldade em regular. O sistema de preços nos portos é livre e é necessário regular o que está fora do padrão”, disse o diretor.