Nilson Mello*
De um lado, no clima, e de outro, paradoxalmente, em órgãos de controle, residem hoje fontes de incertezas para os setores produtivos e de infraestrutura. Há também expectativas quanto à atividade legislativa e a medidas a serem confirmadas pelo Executivo que contribuiriam para atrair investimentos. Nessas duas frentes, o debate transparente, próprio do regime democrático, é indispensável para o aprimoramento das políticas públicas. O pressuposto desse processo é a crítica construtiva.
A crise hídrica e, com ela, a possibilidade de uma quebra da safra é o fator climático imponderável que preocupa o agronegócio, o carro-chefe da economia brasileira há alguns anos. Em função das estiagens no Centro-Oeste e em parte do Sudeste, já se pode prever uma safra de milho 3,9% inferior à de 2020, ainda que a área plantada tenha sido 6% maior. Outras culturas importantes, como as de café, laranja e cana, foram igualmente afetadas. A previsão do avanço do PIB agropecuário em 2,6% neste ano ainda está mantida, mas o risco é grande.
Não se pode disciplinar o clima (fator imponderável), porém, é possível mitigar os seus efeitos, sobretudo se ações preventivas não foram tomadas a tempo. O Ministério das Minas e Energia garantiu na semana passada que não trabalha com a possibilidade de racionamento de energia, e que antecipou a entrada em operação de termelétricas, a fim de suprir a queda de geração de energia hidrelétrica. Também está acelerando a construção de novas usinas e de linhas de transmissão.
Deixou, contudo, no ar a possibilidade de restrições ao uso da água no campo – uma medida extrema e, pelo que se sabe, sem precedentes. Tendo em vista a importância do agronegócio para a economia, essa seria a hipótese a ser prontamente descartada, até para evitar o “terrorismo midiático” e os movimentos especulativos a ele associados.
Acelerar as medidas mitigatórias, em paralelo a um discurso tranquilizador, ajuda a dissipar as expectativas negativas. Desnecessário lembrar a estreita relação da atividade agropecuária com as operações logísticas. Graças, sobretudo, ao agronegócio, o setor portuário tem demonstrado grande resiliência desde o início da pandemia. No primeiro quadrimestre, voltou a apresentar crescimento: de 9,7%, em relação ao mesmo período do ano passado, com um total de 380,5 milhões de toneladas movimentadas.
Para tornar ainda mais claro o horizonte da logística e dos transportes, há providências práticas, de curto prazo, a serem tomadas, tanto pelo Executivo quanto pelo Legislativo, e, de preferência, em cooperação entre os dois Poderes. É o caso do Projeto de Lei 4.199/2020, de estímulo à cabotagem, que pode ser aprimorado com o apoio do próprio governo e de sua base aliada.
O BR do Mar, como foi apelidado, promove uma ampla abertura do transporte marítimo entre os portos nacionais, algo sem paralelo no mundo. Da forma como está o texto, contudo, não garante o efetivo aumento da participação deste modal na matriz de transportes, pois questões cruciais – como o preço do combustível mais caro em relação ao diesel rodoviário, o alto custo das tripulações brasileiras, devido aos excessivos encargos, ou o excesso de burocracia – não foram decisivamente enfrentadas.
Ao mesmo tempo, o projeto, na origem, ignorou a possibilidade de se estimular a retomada da indústria naval brasileira, que chegou a ser a segunda maior do mundo na década de 1970. Uma vez que o PL perdeu a urgência e está parado no Senado, abre-se a oportunidade para que ajustes sejam feitos.
Entre as mudanças recomendáveis está a emenda de número 43, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ). Ela altera o art. 5º do Projeto de Lei 4.199, para que seja dada prioridade, no afretamento para a cabotagem, a embarcações construídas no Brasil, desde que ofertadas nas mesmas condições técnicas e financeiras das produzidas no exterior.
A emenda teve fundamento em nota técnica da Sobena (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval), num bom exemplo de interlocução produtiva entre sociedade e Congresso. Está também em consonância com a ideia de que ambos os setores – o de transporte marítimo e o de indústria naval – são indissociáveis, e por isso devem se desenvolver em ciclos de reciprocidade, a exemplo do que ocorre com a agropecuária e o setor de implementos agrícolas.
O apoio do governo ao aprimoramento do “seu” BR do Mar deve ser acompanhado de outras providências urgentes para a infraestrutura. A imediata prorrogação do Reporto, regime especial que desonera a importação de equipamentos para investimentos em portos e ferrovias é fundamental para viabilizar novos projetos, sobretudo no momento em que esses dois setores inauguram uma nova e promissora etapa de privatizações. Sem o regime, esses equipamentos se tornam até 50% mais caros, inviabilizando muitos projetos.
Instituído em 2004, prorrogado a cada cinco anos, o Reporto expirou em dezembro passado e ficou sem rubrica no orçamento de 2021, devido à inércia do governo. Chegou a ser “contrabandeado” em uma das muitas emendas do BR do Mar – onde é um “estranho no ninho” – e prometido para uma das futuras etapas da reforma tributária. Contudo, a urgência dos investimentos em portos e ferrovias recomenda a sua imediata prorrogação. Até porque dessa medida depende, em grande parte, o sucesso das privatizações nesses dois setores.
O secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni, tem reiterado que os contratos com os terminais arrendados serão respeitados no processo de desestatização das Companhias Docas. É um discurso responsável, em prol dos investimentos e das privatizações, pois fortalece a ideia de segurança jurídica. Mas precisa ser confirmado por ações concretas do governo, como a prorrogação do Reporto. O que é ponderável deve ser resolvido pelo Executivo e Legislativo, pois de imponderável, já basta o clima, nem sempre previsível e favorável à agricultura ou à geração de energia.
Lamentavelmente, imponderáveis são também as decisões surpreendentes emanadas pelos órgãos de controle – justamente as instâncias que deveriam contribuir para a segurança jurídica. Insere-se nesse rol recente decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) que determinou, contrariamente à previsibilidade, a prorrogação do arrendamento de terminal no Porto de Santos cujo contrato já havia expirado. Agiu o TCU na contramão do planejamento feito pelos gestores portuários e em flagrante violação do direito de escolha da Administração Pública.
Se o assunto do momento é o clima, está aí uma decisão que turva o horizonte, afastando os investimentos de que o país tanto precisa. Para essas questões, interlocução e crítica construtiva também podem ajudar.