Drenagem: sem regulação, infraestrutura essencial contra tragédias tem baixo investimento no país

Dimmi Amora e Sheyla Santos, da Agência iNFRA

O aumento da quantidade e intensidades de tragédias climáticas provocadas pelas chuvas no país não tem levado a um aumento proporcional nos investimentos e melhoria da governança de um sistema fundamental para reduzir os impactos ou até evitá-los: a drenagem urbana.

Previsto na nova lei do saneamento como um dos quatro focos do saneamento básico do país, junto com os sistemas de água, esgoto e resíduos sólidos, a drenagem tem tido ao longo dos anos baixos investimentos públicos e praticamente nenhum investimento privado, o que seria possível com uma regulação adequada e projetos de qualidade.

Para José Augusto de Castro, sócio na área de direito administrativo de TozziniFreire Advogados, a tragédia no Rio Grande do Sul deixou evidente que será necessário ampliar os investimento nessa área e que o marco legal deixou os instrumentos para isso, semelhantes aos usados para os programas para prestação de serviços de água e esgoto e resíduos sólidos. No entanto, o setor de drenagem é tratado como uma espécie de patinho feio do saneamento.

O PPI (Programa de Parceria de Investimentos) da Casa Civil da Presidência da República tem buscado pelo país alguma cidade ou região que tenha iniciado ou tenha o desejo de iniciar um estudo para um projeto de parceria com a iniciativa privada para investimentos em drenagem, como tem feito para outros setores como escolas, creches, presídios, iluminação. Mas tem tido dificuldade em encontrar, segundo relataram agentes que trabalham no apoio à estruturação de projetos da secretaria. 

Castro reconhece que a cobrança para esse tipo de serviço ter interesse privado é complexa devido à dificuldade para a individualização, mas que é possível fazer projetos com alguma receita privada e também modelagens de PPP (Parceria Público Privada) Administrativa, especialmente pela maior abertura para financiamentos para projetos de resiliência climática com recursos internacionais. Segundo ele, só com recursos orçamentários, como tem sido nos últimos anos, as tragédias vão se repetir.

“A gente tem memória curta e esquece em 2 a 3 anos, até uma nova. O momento atual tem que sensibilizar para essa necessidade”, disse o advogado.

Mudança de paradigma 
Estudo de agosto de 2022 dos pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas) Alesi Teixeira Mendes e Gesmar Rosa dos Santos, denominado “Drenagem e Manejo Sustentável de Águas Pluviais Urbanas: o que falta para o Brasil adotar?” aponta dados preocupantes sobre o tema, com base em levantamento nos dados informados pelas próprias cidades no SNIS (Sistema Nacional de Informações em Saneamento).

A maioria delas não tem pessoal especializado no tema ou pouquíssimas pessoas (menos de 5). Apesar de se registrar alguma melhoria nos últimos anos, ainda faltam dados confiáveis sobre drenagem e os investimentos são baixíssimos. E apenas 1% dos municípios que declararam dados no Sistema Nacional de Informações de Saneamento em 2019 (pouco mais de 60% do total) indicavam algum tipo de cobrança para o sistema de drenagem.

Os pesquisadores, no entanto, alertam que é necessário repensar o setor para que não se mantenha o histórico de investimentos apenas em obras, mas se priorize uma gestão integrada entre recursos hídricos e saneamento, dentro das políticas públicas urbanas e habitacionais. “A priorização de investimentos em obras e em técnicas convencionais de drenagem urbana deve ser revista, deixando de ser uma barreira para a mudança de paradigma”, informa o texto.

O advogado Castro lembra ainda que é necessário unir os projetos de drenagem também a outros temas de defesa civil, como a prevenção de catástrofes, detecção antecipada de eventos climáticos, aviso e acolhimento da população. Para ele, isso poderia melhorar a governança geral em tragédias climáticas no país e tornar o sistema mais perene e não dependente dos governos de plantão.

Norma de referência preparação
Durante o webinar “Avaliação das Formas de Cobrança dos Serviços de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais”, realizado na última sexta-feira (21), Renê Gontijo, coordenador de Regulação Tarifária da ANA (Agência Nacional de águas e Saneamento Básico), informou que a agência está iniciando os debates na construção de uma norma de referência para cobrança dos serviços de drenagem. 

Essa norma está sendo construída com base na norma de cobrança da ANA para resíduos sólidos, recentemente implementada. Ele afirmou que a agência entende haver uma impopularidade muito grande em se instituir novo instrumento de cobrança para mais um serviço. “Porém, quando a gente tem um instrumento específico para tratar de um serviço específico, a gente entende que a cobrança desse serviço pode ser muito mais direcionada, de fato, ao que ele deve se cumprir”, ponderou.

Para a superintendente de Regulação de Saneamento Básico da ANA, Cíntia Leal, o setor de drenagem tem desafios semelhantes ao setor de resíduos, por isso a agência trabalha para não enfrentar os mesmos problemas, como a judicialização do instrumento de cobrança. Para instituir a cobrança de drenagem e manejo de águas pluviais, a ANA estuda as possibilidades de trabalhar com tributos ou preços públicos. Dentro dos tributos, estariam considerados impostos, taxas ou contribuições de melhorias. Para preço público, a agência trabalha com o instrumento da tarifa.

“E existem diferenças. Por exemplo, na parte de tributos tem a compulsoriedade do pagamento. Já a tarifa é facultativa na instituição, não tem essa compulsoriedade”, explica Cíntia.

Instrumentos de cobrança
Segundo Gontijo, a norma de referência da agência pretende abordar, de forma mais detalhada, itens como custos da prestação do serviço, definição de instrumento de cobrança adequado (taxa ou tarifa) e metodologias para rateio entre usuários. Neste sentido, também estão sendo estudadas como serão consideradas as áreas computáveis para fins de cobrança. 

Ainda é preciso identificar, destaca, quais são os usuários, sejam eles municípios ou estados, assim como os usuários referentes às áreas públicas e residenciais. Na visão do diretor, os maiores problemas hoje enfrentados pela gestão de águas pluviais urbanas estão relacionados à baixa prioridade orçamentária por parte dos municípios e a grande dependência que esse serviço tem de um orçamento geral do município.

“Recursos contínuos”
O interesse pelo tema da drenagem é baixo. De 48 ERIs (Entidades Reguladoras Infranacionais) do setor de Saneamento Básico mapeadas pela ANA, apenas cinco hoje regulam a drenagem de águas pluviais. Veja aqui o levantamento. Os municípios com alguma regulação ainda são pouco mais que a maioria no país. As 48 ERIs regulam 3.186 municípios e há outros 2.384 municípios sem regulação para nenhuma das áreas consideradas do saneamento (água, esgoto, resíduos e drenagem). 

Filipe Sampaio, diretor da ANA, destacou, por sua vez, dados da Casa Civil que indicam que, aproximadamente, 73% da população vivem em áreas de risco hidrológico. Segundo o diretor, os problemas poderiam ser mitigados ou evitados com a prestação contínua de serviço de drenagem urbana. “Se houvesse cobrança adequada pelo serviço de drenagem, poderíamos assegurar recursos contínuos e específicos para a implementação”, defendeu.

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