Amanda Pupo e Marília Sena, da Agência iNFRA
A decisão tomada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) nesta segunda-feira (8) sobre o projeto do Tecon Santos 10 deu mais fatores e variáveis para o governo federal definir sobre como será o modelo de leilão do megaterminal projetado para o Porto de Santos (SP).
Na disputa entre um modelo aberto a todos ou restrito a alguns tipos de concorrentes, venceu em plenário a tese que restringe a participação de incumbentes (quem já opera no porto), como foi proposto pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) com a anuência do MPor (Ministério de Portos e Aeroportos). O modelo foi considerado legal.
Mas a proposta vencedora, apresentada pelo ministro Bruno Dantas, recomenda à ANTAQ uma mudança nessa restrição, para que ela seja a armadores e não a incumbentes. E ainda, que esta restrição à participação de armadores seja imposta não somente à etapa da licitação mas a todo o período de execução do contrato, que pode chegar a 70 anos.
Uma recomendação do TCU pode ser cumprida ou não pelo órgão público. Caso não seja cumprida, é necessário que seja apresentada uma justificativa ao tribunal. O MPor vinha reiterando que cumpriria a decisão que fosse adotada pelos ministros.
Além de definir o modelo concorrencial, os técnicos terão de se debruçar sobre os ajustes de modelagem determinados pela corte de contas (veja na matéria abaixo) num calendário apertado, já que há planos para que o edital seja divulgado em janeiro e o leilão ocorra na segunda quinzena de março, prazos reconhecidamente desafiadores dentro do governo.
Além de definições jurídicas também serão necessárias avaliações econômicas. Uma delas sobre o valor mínimo de outorga que, nos modelos da agência, a disputa sai com valor simbólico de R$ 1, mas que para o caso específico deve ser reavaliado para evitar o risco de uma outorga baixa em caso de não haver concorrência.
Pelo rito esperado, após o acórdão do TCU (leia aqui), o MPor vai receber e encaminhar as diretrizes para a Infra S.A fazer os ajustes na modelagem. Em seguida, o processo é direcionado para a ANTAQ arrematar os estudos. Depois, a pasta precisa referendar e liberar o leilão, cujas companhias internacionais reiteraram, após a análise do tribunal, a decisão de disputar.
No entanto, os interesses de grupos antagônicos nesse tema, inclusive dento do governo, devem fazer com que a decisão sobre como será feito o leilão passe pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A publicação das regras, por sua vez, pode não ser a garantia de que o certame vai ocorrer. As companhias interessadas no maior leilão portuário do Brasil e que, pelo modelo recomendado pelo TCU ou sugerido pelo MPor e ANTAQ, estarão proibidas de participar, já avisaram que vão recorrer ao Judiciário para tentar reverter o veto.
Verticalização no foco
A decisão da corte de contas de chancelar o leilão em duas etapas e recomendar a restrição a empresas donas de navios foi tomada por seis votos a três no plenário. A corrente minoritária, liderada pelo relator, Antonio Anastasia, acompanhou a área técnica e o Ministério Público que atua no órgão no sentido de determinar que o governo fizesse o leilão em única etapa. Se uma incumbente (empresa que já opera no porto) ganhasse, ficaria obrigada a desinvestir.
A tese vencedora foi apresentada na sessão do último dia 18 pelo ministro Bruno Dantas, revisor do processo. Em seu voto, ele disse referendar a decisão da ANTAQ de fasear o leilão – a avaliando como fundamentada e válida –, e recomendou que o veto na primeira fase do certame fosse direcionado a donos de navio (armadores), independente de terem ou não atividade em Santos, e não diretamente aos incumbentes.
Na sessão de ontem, Dantas reforçou que a sugestão foi avaliada considerando riscos concorrenciais da verticalização (quando o armador é dono do terminal) no setor portuário, que ele reforçou que geraria fechamento de mercado a outras companhias de navegação interessadas em operar no mercado brasileiro.
Após o julgamento ter sido suspenso por pedido de vista do ministro Augusto Nardes há três semanas, foi do ministro Benjamin Zymler o primeiro voto a ser lido e a acompanhar a tese do relator nesta segunda. Além de considerar que a regra do desinvestimento seria suficiente para afastar a concentração horizontal – preocupação que guiou o modelo de leilão faseado da ANTAQ –, o entendimento de Zymler foi de que há uma “tendência mundial inexorável” de verticalização no setor portuário, e que não haveria, portanto, razões de armadores serem vetados da disputa.
“[…] No mundo há conclusões sucessivas de que a verticalização não aponta de forma simples, direta, como uma dedução lógica, como um corolário, uma prática anticoncorrencial e a causa primeira dos problemas que temos tido nos portos brasileiros”, afirmou o ministro. Já sobre o veto a incumbentes no modelo proposto pela ANTAQ, Zymler afirmou que o remédio do desinvestimento seria uma solução “robusta” para manter o ambiente concorrencial menos concentrado e permitir uma competição aberta pelo ativo.
Na sessão, Anastasia também voltou a fazer considerações sobre seu voto e a posição do ministro revisor. Enquanto Dantas e os demais ministros que o acompanharam entenderam que a posição majoritária se trataria de um referendo à decisão da agência reguladora, o relator questionou a se a vertente não estaria “substituindo plenamente a vontade da autarquia”, uma vez que os estudos da ANTAQ apontavam não haver elementos que justificassem a exclusão de armadores do certame, disse ele.
“Me parece que nesse caso nós estaríamos de modo claro ingressando plenamente no mérito da adesão da autarquia porque nós estamos acrescendo na proibição da autarquia algo que ela nem cogitou”, disse Anastasia.
Dantas, por sua vez, reforçou que o veto a armadores se trataria apenas de uma recomendação da corte para ser avaliada pelo governo, e não uma determinação. “O que nós estamos a decidir é se a decisão legítima, dentro de sua esfera de competência tomada pela agência reguladora, é ou não ilegal”, afirmou.
Ele também argumentou que a sugestão sobre os armadores foi pensada para evitar que um porto estratégico fosse “100% verticalizado”. “De fato, a verticalização é um fenômeno global. O que não é um fenômeno global é permitir que um porto estratégico de um país seja 100% verticalizado”, afirmou. Dantas foi acompanhado pelos ministros Walton Alencar, Augusto Nardes, Jhonatan de Jesus, Aroldo Cedraz e Vital do Rêgo.
Para eles, a verticalização no Tecon Santos 10 poderia resultar num fechamento de mercado dentro do porto de Santos. “Se nós não tivermos um único porto, um único terminal bandeira branca capaz de receber todos os armadores […] nós fecharemos o porto em torno dessas três grandes operadoras portuárias que são também armadoras”, disse Rodrigues.
Já o voto de Anastasia foi acompanhado por Zymler e por Jorge Oliveira – que na sessão do último dia 18 indicou que acompanharia Dantas, mas ontem acabou seguindo o relator após os debates no plenário. Os três não foram convencidos de que haveria risco vertical ou horizontal capaz de justificar um leilão com vetos.
Concorrentes
Seguindo a recomendação da corte, terminais verticalizados cujos sócios são grandes armadores – como Maersk e MSC, que têm participação no terminal BTP no Porto de Santos –, serão barradas do certame. O modelo também vetaria a gigante chinesa Cosco, que demonstrou interesse na disputa.
Quem poderá participar, nesse modelo, são os grupos chamados bandeira branca. Como mostrou a Agência iNFRA, dois deles têm sido os que até o momento mais vocalizaram a vontade de disputar, a filipina ICTSI, que opera terminais portuários no Rio de Janeiro e em Pernambuco, e a JBS Terminais, do grupo J&F, que opera o porto de Itajaí (SC).
No modelo proposto, há dúvidas no mercado sobre se seria possível a participação da DP World, empresa dos Emirados Árabes, que é uma incumbente por operar no porto santista um terminal privado. Ela não é armador de contêiner, apesar de ter associações com armadores em outros portos do mundo, além de ter em sua estrutura operações com navios.
Diretrizes concorrenciais
Ao recomendar o veto a armadores na primeira fase do leilão, o acórdão do TCU elencou uma série de especificações que, na prática, sugerem à ANTAQ tomar medidas para impedir que donos de navios controlem em qualquer etapa do contrato do Tecon 10, inclusive durante a execução.
Para isso, recomendou que o governo insira no edital e no contrato do arrendamento cláusulas que assegurem a neutralidade concorrencial do novo terminal e que vedem a participação de armadores, direta ou indiretamente, “inclusive por meio de estruturas que camuflem controle ou influência relevante”. A vedação se estenderia a empresas vinculadas dos armadores. Há ainda sugestões de outros aspectos, como de transparência societária, monitoramento e enforcement.
Ainda no ponto concorrencial, o acórdão determina ao MPor e à ANTAQ que se um incumbente vencer o leilão, a empresa venda seu ativo atual. “Os riscos de que a operação de desinvestimento, por qualquer motivo, não se complete no prazo estipulado recairão sobre a licitante interessada”, apontou.
Repercussão
Já aventado como possível desdobramento após o julgamento pela Corte – fosse o entendimento para um ou outro lado, como disse um dos ministros, Benjamin Zymler, durante a votação – a judicialização do leilão do Tecon Santos 10 foi dada como certa ontem por atores afetados pela restrição.
Ontem mesmo, a TiL (Terminal Investment Limited), operadora portuária da armadora MSC, decidiu que vai entrar na Justiça para que possa participar do certame. O diretor de Investimentos da TiL, Patricio Junior, disse que a avaliação feita pela empresa com sede em Genebra é de que a votação realizada nesta segunda, a partir dos votos divergentes, deu mais subsídio para a contestação judicial.
Já a ICTSI, liberada a participar, afirmou que o tribunal “tomou a decisão que melhor recepciona o interesse público” e confirmou em nota seu interesse em participar do leilão. “Trata-se de modelagem tradicional e bem conhecida do setor de infraestrutura, a qual fomenta a efetiva possibilidade de entrada de um novo player no Porto de Santos, com bilhões de investimentos privados, mais concorrência e eficiência aos clientes finais, a todos os armadores em geral e, consequentemente, à economia nacional”, disse a companhia filipina em nota.
A ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), por sua vez, afirmou ter recebido a decisão do TCU com “serenidade” e reafirmou que as ações da autarquia sempre se pautam “pelo rigor técnico e pela defesa do interesse público, em alinhamento com os posicionamentos já manifestados pelo MPor e pelo Cade e, agora, pela Corte de Contas”, disse em resposta à Agência iNFRA. “Fica claro que as preocupações da agência eram pertinentes e que havia a necessidade de preservar a concorrência na prestação dos serviços no processo do Tecon Santos 10”.
Entre as associações do setor, a ATP (Associação de Terminais Portuários Privados) vinha se posicionando a favor de um leilão aberto. Procurada após o julgamento, disse reafirmar a posição pela livre concorrência. Já a ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários) entende que a posição vencedora no TCU preserva a segurança jurídica do processo.
“Um dos aspectos da segurança jurídica é reconhecer a segregação de poderes no setor portuário. Quem decide são o MPor e a ANTAQ, porque são eles os responsáveis pela fiscalização e regulação. O que foi muito relevante na decisão do TCU é que ele entendeu que a competência sobre o modelo seria do MPor e da ANTAQ. Isso é um sinal muito positivo em relação à segurança jurídica, pois deixa claro qual órgão é responsável pela decisão”, afirmou Jesualdo Silva, presidente da associação.








