“Precisamos discutir um modelo que empodere as agências”, diz CEO do MoveInfra

da Agência iNFRA

Nesta semana, o MoveInfra vai promover pelo terceiro ano seu encontro para discutir temas do setor de infraestrutura no país, abrindo os debates sobre os 30 anos da lei de concessões, que se completam em 2025. A reformulação da lei, que está em avaliação no Congresso desde 2019, é um dos temas do encontro, segundo a CEO Natália Marcassa, que defende uma mudança cautelosa, lembrando que ela funcionou por trazer trilhões em investimentos para o país.

“A lei merece uma atualização. E eu brinco que depois de você chegar aos 30, você precisa começar a fazer um botox, cuidar mais da saúde, ir na academia. A lei se encontra nessa fase”, brinca a executiva, egressa de uma agência reguladora e que já trabalhou em diferentes áreas no governo, nesta entrevista à Agência iNFRA, parceira do evento que ocorre nesta quinta-feira (7).

O que para Natália não é tratado de forma amena são as constantes ameaças às agências reguladoras, que voltaram à discussão nos últimos meses, devido a crises na prestação de serviços em algumas áreas. Para ela, a lei precisa evoluir no tema da caducidade contratual, para que se possa retirar maus prestadores de maneira mais eficaz. Mas, de nenhuma maneira, enfraquecer as agências.

“A gente precisa discutir um modelo que aprimore e empodere o funcionamento da agência. Não que tire o poder, como parece que vem sendo discutido, cada vez que a gente observa uma falha nesse processo. Temos que melhorar a regulação, melhorar o mecanismo de agência, mas para o empoderamento, não para o enfraquecimento”, defendeu nesta conversa.    

Agência iNFRA – Porque escolheram o tema dos 30 anos da Lei de Concessões para o evento? Qual é a importância de debater isso no contexto atual?
Natália Marcassa, CEO do MoveInfra – E a lei de PPPs [Parcerias Público-Privadas] está fazendo 20 anos também. Esses são os principais arcabouços legais que regem os contratos de concessão. A gente até teve contrato de concessão antes da vigência das leis. Ele foi muito importante para a gente ter a jurisprudência que a gente tem hoje no Brasil, de uma manutenção de contrato de concessão. No começo, quando eu entrei na ANTT, no primeiro concurso em 2005, as discussões que se tinham dentro da agência reguladora era se pode pedagiar sem via alternativa, se pode cobrar receitas acessórias de uma faixa de domínio. Eram questões muito básicas que hoje a gente olha e fala: “Nossa…” Não está mais em discussão. Ter uma lei geral, que atinge todos os níveis da República também foi importante, mantém a higidez dos contratos. Escolhemos esse tema porque é uma lei muito cara para o setor de concessões

A lei veio num momento especial do país…
A palestra do ex-ministro Pedro Malan vai discutir a estabilidade que o país ganhou. São 30 anos também do Plano Real e teve toda uma mudança do arcabouço fiscal do país, tudo acontecendo ali junto. A gente precisava ter uma moeda estável, fazer concessões e privatizações, porque o estado não conseguia mais manter aqueles ativos. A gente lembra a Rede Ferroviária, o maior patrimônio do Brasil, alocada no balanço como dívida, como problema. Tem estudos da época que falam que o Brasil perdia um milhão de dólares por dia com a Rede Ferroviária. Precisava resolver esse problema e houve uma alteração nessa época para propiciar que o investimento estrangeiro viesse. Todas essas mudanças fizeram com que a gente chegasse 30 anos depois com investimentos que são muito significativos do setor privado. Só desde a fase do PPI [Programa de Parcerias de Investimentos, 2016-2024], foram 353 leilões e projetos que somam R$ 1,29 trilhão de investimentos e R$ 236 bilhões de outorga. E tem a fase do PND [Programa Nacional de Desestatização], que é contada diferente, que também dá um número trilionário.

A maioria no PND era a venda de ativos, mas houve também concessões…
A partir desse período, a gente vai ver um investimento público com alguns picos ali, mas é muito pouco. A grande parte é desse investimento depois da década de 90, que a gente vem tendo em infraestrutura logística, vem do privado pela Lei de Concessões. Para te dar um exemplo de 2023, está na casa de R$ 52 bilhões, 60% do setor privado. Só em infraestrutura para logística. Então, essa é a importância que a lei de concessões tem pra gente.

Há uma tentativa de mudança estrutural grande na Lei de Concessões que tramita no Congresso. Em quais pontos você acha que a lei pode avançar?
Esse arcabouço legal teve uma trajetória de grande resultado. Os números mostram isso. E a gente aprendeu muito. As questões que se punham na década de 90, como eu trouxe ali, eram ainda muito básicas sobre a possibilidade de o Estado privatizar, sobre a legalidade do Estado [em] cobra tarifas. Hoje, a gente já tem uma maturidade institucional e desafios institucionais diferentes do que a gente tinha 30 anos atrás. Mas a lei merece uma atualização. E eu brinco que depois de você chegar aos 30, você precisa começar a fazer um botox, cuidar mais da saúde, ir na academia. A lei se encontra nessa fase. Eu já aprendi bastante, já entendi. Agora precisamos avaliar quais são os novos desafios e onde a gente pode aperfeiçoar essa legislação que não precisa ser completamente alterada, porque tem a jurisprudência dela, que está gerando esses resultados. Mas, sim, precisa de aperfeiçoamento.

Quais?
Essa é uma lei que incide sobre todos os entes. Hoje, no nível federal, a gente tem uma maturidade muito grande, a gente vê as agências federais evoluindo em contratos em mecanismos regulatórios que ainda não estão tão evoluídos nos entes subnacionais. Por outro lado, a gente vê uma fronteira de crescimento da possibilidade dessas concessões e PPPs nos entes subnacionais, especialmente em saneamento e mobilidade. Como que a gente também traz toda essa segurança jurídica que a gente foi aprendendo no [nível] federal? Isso a gente pode melhorar na lei.

Alguns pontos para o setor privado são muito caros. Pode parecer que é muito simples, mas acontece, é a não concessão do reajuste anual das tarifas que é um problema ainda nos subnacionais. Hoje a lei de concessões diz que todo o risco contratual que não tá alocado ao público é do privado. A lei de concessão diz isso porque ela foi criada na década de 90, com outra mentalidade, de vender os ativos. Hoje a gente tem uma necessidade de tornar os contratos muito mais robustos e precificáveis. Você precisa na verdade atrair o investidor. Se esse contrato tem menos risco, você consegue trazer o privado para essa parceria, e quem vai pagar um preço menor é o usuário, porque você pode precificar e dar um preço melhor para aquilo se você sabe qual é o seu risco, não tem como mensurar ainda mais em dias de mudança climática.

Outro ponto que também a gente entende que cabe um aperfeiçoamento é nos descumprimentos. Os contratos têm cláusulas hoje bastante específicas sobre os descumprimentos contratuais do setor privado, mas você não tem essa mesma organização para o descumprimento das obrigações do setor público, que também estão previstas em contrato. Se tem uma obrigação do lado do setor público, de uma entrega de um licenciamento, de uma desapropriação de uma área, e isso não é feito, ou uma contraprestação de PPP, quando isso não é feito no momento correto, altera todo o modelo de negócios daquele empreendimento e você pode levar à falência. Isso também precisa ser mais bem organizado e com obrigações dentro da própria lei.

Como a gente pode ter agências mais fortes que consigam fazer com que os serviços sejam bem prestados?
As agências surgiram logo depois da Lei de Concessões, e a gente acabou que só teve uma lei mais estruturada para as agências em 2019, que trouxe ali um arcabouço, um regramento importante. É superimportante a gente entender que o serviço de concessão não é solução para tudo. Grande parte do investimento em infraestrutura terá que ser feito pelo público. Não tem jeito, a parte desses serviços, eles não são viáveis como serviço privado. De outro lado, aqueles serviços que são viáveis, eles precisam ter contratos muito bem feitos e muito bem fiscalizados. Como toda política pública, como todo empreendimento, a gente vai ter falhas. O que a gente não pode ter é não ter mecanismos para lidar com essas falhas. 

Estamos trazendo uma proposta de melhoramento na lei de concessões sobre esse processo de finalização de contrato antecipadamente, com questões mais objetivas até pra caducidade. Porque hoje a gente vê que para players em empresas que não performam bem, não é tão simples conseguir fazer essa finalização do contrato e a retirada desse mal prestador. É uma jurisprudência que a gente evoluiu pouco ainda. Esse mecanismo tem que ser aperfeiçoado onde a gente tenha marcos mais objetivos e que isso possa ser aplicado de uma maneira mais séria. E, lógico, as agências precisam ter poder de fiscalização. A gente vem observando nos últimos anos uma deterioração do orçamento público em geral, mas bastante das agências. Isso vai fazer cair a qualidade da fiscalização. A gente precisa discutir um modelo que aprimore e empodere o funcionamento da agência. Não que tire o poder, como parece que vem sendo discutido, cada vez que a gente observa uma falha nesse processo. Temos que melhorar a regulação, melhorar o mecanismo de agência, mas para o empoderamento, não para o enfraquecimento.

Esses problemas vêm dando força novamente para discursos contra os processos de parceria. Como reverter isso?
É uma discussão saudável você olhar e falar: “Isso tem característica pública, isso daqui tem característica privada”. A gente falta avançar, principalmente na esfera federal, numa modelagem de PPP. A gente vem observando que os contratos de concessão para determinados ativos estão ficando cada vez mais difíceis de avançar por causa da viabilidade financeira deles. Quando você fala por exemplo de uma ferrovia, a gente tem agora ativos ferroviários que são mais desafiadores do ponto de vista financeiro. A gente vai precisar de participação do setor público. O modelo de concessão pura provavelmente não vai conseguir avançar nesse mecanismo. Acho que uma fronteira importante para a gente explorar é como que a gente consegue avançar em modelos de PPP no nível federal, para a gente conseguir continuar fazendo mais concessões, mais PPPs, conseguindo delegar mais investimentos para execução privada.

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