Governo envia MP do Setor Elétrico ao Congresso com novidades

Geraldo Campos Jr. e Lais Carregosa, da Agência iNFRA

O governo enviou ao Congresso Nacional na noite desta quarta-feira (21) a MP (Medida Provisória) 1.300, que trata da chamada reforma do setor elétrico. O texto foi publicado em edição extra do DOU (Diário Oficial da União), após ter sido assinado pelo presidente Lula no início da tarde de ontem.

A medida mantém as bases que haviam sido anunciadas pelo MME (Ministério de Minas e Energia), mas com algumas novidades. A maior delas foi a antecipação da abertura do mercado livre de energia para a baixa tensão de 2027 para 2026. Há também alterações na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), para a autoprodução e na regra de transição para o fim do desconto no fio.

A abertura do mercado continuará sendo faseada. A primeira etapa, em agosto de 2026, abrangerá a indústria e o comércio em baixa tensão. Já para os demais consumidores residenciais, será a partir de dezembro de 2027, e não mais em 2028, como previsto anteriormente. Foi mantida a proposta de criação de um encargo para compensar eventual sobrecontratação das distribuidoras com as novas migrações, que será pago por todos os consumidores de forma proporcional ao consumo. 

Será criada a figura do supridor de última instância, que vai fornecer energia de forma emergencial para consumidores livres. A MP estabelece que o mecanismo deverá ser regulamentado até fevereiro de 2026 pelo próprio governo, que poderá decidir se a atividade de supridor será exclusividade das concessionárias e permissionárias de distribuição de energia elétrica. 

O texto foi assinado por Lula em reunião fechada no Palácio do Planalto, com participação dos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e dos presidentes do  Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Também participaram lideranças do governo e de partidos aliados no Congresso.

O Congresso precisa converter a MP em lei em até 120 dias, sob o risco de o texto perder a vigência e reverter todas as políticas públicas estabelecidas.

Mudanças
Uma das principais novidades da MP foi a permissão de que a CCEE atue em outros mercados de energia, como o de gás natural. Por isso, o texto também altera o nome da instituição para “Câmara de Comercialização de Energia” – sem delimitá-la ao mercado de energia elétrica.

Foi alterado ainda o trecho que pretende restringir a autoprodução por equiparação. Na minuta encaminhada à Casa Civil, no último mês, o governo limitava a equiparação a uma demanda de 30 MW (megawatts) por unidade consumidora. Agora, a demanda agregada do autoprodutor será limitada aos 30 MW. A mudança atende a um pleito do segmento, que considerou o montante por relógio inviável para a indústria.

Também foi estabelecida a possibilidade de criação de tarifas de energia diferenciadas por horário, pré-pagamento, multipartes e por critérios técnicos e locacionais, incluindo tarifa especial para áreas de elevadas perdas não técnicas (furtos), conforme apontou análise de Reginaldo Medeiros, CEO da consultoria RAD Energia. Pelo texto, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) poderá tornar obrigatória a aplicação de certas modalidades.

Desconto no fio
A proposta traz o fim do desconto de 50% de uso do fio para consumidores de fontes incentivadas. O fim desse subsídio, nas contas do governo, pode gerar uma economia de R$ 10 bilhões na CDE quando todos os contratos atuais perderem o desconto. 

A regra de transição para fim do subsídio foi alterada. Na minuta de abril, o prazo seria de até 30 dias a contar da publicação. A MP, porém instituiu prazo até 31 de dezembro de 2025 para que os contratos fechados mantenham o desconto. Desta forma, a medida só começará a valer em 2026. 

Até lá, os novos contratos ou aqueles que forem renovados e registrados na CCEE continuarão com o desconto de 50% da tarifa de uso do sistema, independente do prazo de duração. Por exemplo, se um contrato for registrado até dezembro com validade de 20 anos, ele manterá o subsídio até 2045.

Tarifa Social
Considerado pelo governo como o carro-chefe da proposta, a nova Tarifa Social de Energia Elétrica começará a valer em 45 dias. Segundo Silveira, o prazo é necessário para que a sistemática seja implementada pelas distribuidoras ao longo de junho. Com isso, a primeira fatura com isenção será a de julho.

O novo benefício prevê gratuidade no consumo mensal de até 80 kWh para famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. A estimativa é garantir gratuidade a 17 milhões de unidades consumidoras, o equivalente a 60 milhões de pessoas, segundo o governo. Caso o consumo exceda os 80 kWh, será pago apenas o proporcional. 

Haverá ainda, a partir de 2026, isenção do pagamento da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para famílias com renda mensal entre meio e um salário mínimo por pessoa que consomem até 120 kWh/mês.

Segundo o MME, o impacto da nova Tarifa Social será de R$ 3,6 bilhões, o que representa um aumento médio de 0,9% aos demais consumidores. Já a isenção da CDE custará R$ 850 milhões, um aumento de 0,53%. Juntos, os dois benefícios geram um custo de R$ 4,5 bilhões. O governo alega que essa alta será compensada por outros trechos da proposta, principalmente pelo término dos descontos no fio para o consumo de fontes incentivadas.

Tramitação legislativa
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o texto será analisado em uma comissão mista do Congresso. “Os presidentes do Senado e da Câmara já pactuaram o fluxo de tramitação da MP e vai ser montada uma comissão mista do Senado e da Câmara”, afirmou Rui Costa em entrevista no Palácio do Planalto.

Ainda segundo o ministro, a base do governo focará esforços para aprovar a MP no Congresso. Durante a reunião com Lula, Alcolumbre disse que o Congresso terá “maturidade política adequada e necessária para fazer o aprimoramento adequado” do texto enviado. Ele afirmou que o Parlamento buscará os quadros que mais entendem do setor elétrico para compor a comissão mista que analisará o texto.

“Desde a indicação do presidente da comissão, a indicação do relator da comissão, aos membros que serão indicados pelos líderes partidários para compor a comissão, a gente tem que fazer com muita atenção, inclusive as indicações de companheiros para que eles possam ter imparcialidade total no debate desta matéria relevantíssima”, afirmou o presidente do Senado.

Relatoria
O líder do União Brasil na Câmara, deputado Pedro Lucas (MA), disse na quarta-feira que o partido trabalhará para que o relator da MP na comissão mista seja o deputado e ex-ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (União-PE).

Segundo Lucas, Coelho Filho é o melhor nome porque foi o relator do PL (Projeto de Lei) 414/2021, que também tratava do novo marco legal do setor de energia elétrica. Este projeto, no entanto, não avançou no Legislativo. O líder do União deu a declaração em evento da Casa Parlamento.

Setor elogia, mas tem preocupações
Entre entidades do setor elétrico, o principal tom tem sido o de elogio à proposta. A Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), por exemplo, divulgou nota afirmando que a MP “traz avanços importantes para restabelecer o equilíbrio do setor, reduzindo distorções e subsídios e promovendo uma tarifa mais justa”. Disse esperar que, durante a tramitação legislativa, a medida “não sofra alterações que impliquem em ampliação de subsídios”.

Por outro lado, algumas entidades têm demonstrado preocupação com trechos pontuais. É o caso da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). Estudos feitos desde o anúncio da MP, em abril, indicam que os grandes consumidores industriais serão os mais impactados pelo texto. A Volt Robotics, por exemplo, estima um aumento para o segmento de até 12%.

Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, defendeu que “os benefícios da redução da conta de energia alcançaram também o preço dos produtos feitos no país, que carregam grande parte de seus custos na energia”. Segundo ele, encarecer o custo da energia para a indústria “pode ser um tiro no pé e representar mais inflação e menos competitividade para a indústria nacional”.

A medida determina que vários custos sistêmicos e subsídios, hoje custeados majoritariamente pelos consumidores cativos, sejam rateados entre todos os consumidores, incluindo aqueles do mercado livre. Essas despesas incluem a sobrecontratação das distribuidoras, a energia das usinas nucleares e subsídios dados às distribuidoras para compensar as perdas com a expansão da geração distribuída.

O diretor presidente da ABCE (Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica), Alexei Vivan, disse que a MP “merece reparos”. Segundo ele, a medida “usa os demais consumidores de energia para fazer política pública voltada à população de baixa renda”. Além disso, destaca que o texto pode encarecer a energia para a indústria e afetar a inflação.

Já Rodrigo Ferreira, presidente-executivo da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), disse ver com bons olhos a antecipação da abertura do mercado de baixa tensão, mas afirmou ser “juridicamente frágil” a proposta de acabar com os descontos no fio antes do que estava estabelecido pela Lei 14.120/2021. 

“Esse ponto tem potencial enorme de causar judicialização e causar desequilíbrio grande para o setor de geração renovável e para o setor de comercialização. Vamos tentar sensibilizar o Congresso para que ela seja suprimida”, afirmou Ferreira à Agência iNFRA

“A gente compra energia do gerador no atacado para ser vendida ao consumidor no varejo, ao longo do tempo. Mas como revender um produto que não existe mais? Vai se descontinuar um produto que já foi vendido para comercializadores para ser revendido ao longo do tempo aos consumidores”, disse o presidente da Abraceel.

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