Sem definição, uso de precatórios para quitar outorgas de concessões está parado desde 2023

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Quase um ano depois do governo abrir uma consulta pública para criar uma nova regra sobre o uso de precatórios para quitar pagamentos devidos à União, como outorgas de concessões, não há qualquer definição sobre como as empresas podem usar desse expediente, que foi previsto por uma emenda à Constituição Federal de 2021.

Empresas de vários setores que têm recursos a pagar à União fizeram planejamentos sobre o uso dessa modalidade, mas até hoje não conseguem saber como vão poder se utilizar dessa previsão, de acordo com interlocutores que conversaram com a Agência iNFRA.

Por essa modalidade, as empresas poderiam adquirir esses créditos de precatórios no mercado, com desconto em relação ao valor de face, e entregá-los ao governo como pagamento de suas dívidas pelo valor de face.

O governo anterior, que propôs a medida ao Congresso Nacional, defendia que isso seria uma forma de reduzir a dívida futura. O atual, vê problemas com o caixa e apontou diversos problemas na regulamentação dessa modalidade de pagamento, revogando normas que permitiam o recebimento.

Em março de 2023, a AGU (Advocacia-Geral da União) editou uma portaria revogando a portaria de 2022 do órgão que criou as regras para que as pastas pudessem aceitar os precatórios e criou um grupo de trabalho para apresentar uma proposta de nova regulamentação. 

O governo anterior apostava que o uso de precatórios poderia até mesmo o ajudar a solucionar os problemas financeiros de algumas das concessões que têm outorgas a pagar elevadas, especialmente no setor de aviação, e que alegam por isso estarem com contratos desequilibrados (reportagem sobre o tema neste link).

No entanto, sem uma regulamentação, nem para as concessionárias que ainda têm valores a pagar e nem para as que possam ter em projetos futuros, há uma definição sobre o tema, o que, segundo o representante de uma empresa do setor que pediu para não ser identificado, atrapalha o planejamento. 

Conforme mostrou a edição 1.484 da Agência iNFRA, de 4 de abril de 2023, empresas que tentaram usar o modelo tiveram seus pedidos negado por um jogo de empurra institucional. A Aena tentou pagar nesse formato parte da outorga de R$ 2,4 bilhões do lance do leilão de concessão de um bloco de 11 aeroportos na 7ª Rodada de Concessões. A ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) indicou antes da assinatura do contrato que não poderia aceitar.

Sem impedimento
A Portaria Normativa 87 de 2024 da AGU, suspendendo os efeitos da portaria anterior, indicou o grupo de trabalho para tratar do tema. Nessa portaria, a AGU não impediu o recebimento por parte dos órgãos públicos. Mas na prática, sem regras específicas, o modelo virou letra morta.

Na época, a AGU informou que a Portaria Normativa 73, editada no governo anterior, “não oferece densidade normativa suficiente para disciplinar de forma adequada os procedimentos e trâmites internos entre os órgãos da Advocacia-Geral da União e entre órgãos vinculados”.

A AGU defendeu ainda que a Portaria Normativa 73 tinha também divergências em relação a outras regulamentações relevantes sobre o assunto, citando a Portaria da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) nº 10.826/2022, a Portaria 10.702/2022 do então Ministério da Economia e a Resolução 482/2022 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), defendendo sua revisão.

Contribuições há um ano
O grupo de trabalho criado pela AGU em 2023 recebeu contribuições de uma consulta pública, a partir de questionamentos para que os setores afetados pudessem apresentar contribuições. Isso ocorreu entre junho e julho de 2023. Mais de 50 entidades contribuíram com sugestões. O grupo de trabalho chegou a uma proposta. 

Depois dessa consulta, em análise de novembro de 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) validou a emenda constitucional, retirando do texto apenas a expressão de que ela seria autoaplicável para a União. Isso faz com que ela dependa agora das regras para que possa funcionar.

Fazenda diz que está analisando
A ANAC informou à Agência iNFRA que houve o caso de pedido para pagamentos de outorga por precatórios no âmbito das concessões aeroportuárias, relativo ao Aeroporto de Brasília (DF) para o pagamento de contribuição fixa vencido em dezembro de 2022. O valor devido à época era de R$ 255,38 milhões. 

A agência informou ainda que a “cobrança desses valores está atualmente suspensa por orientação do Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR), que é também responsável pelo processo de verificação de precatórios no presente momento.” 

Os ministérios setoriais aguardam que a AGU apresente as regras sobre o tema, levadas à consulta pública em 2023. Após o fim do período de consulta pública, a AGU informou que encaminhou uma proposta para o Ministério da Fazenda e aguarda posicionamento da pasta. Em resposta aos questionamentos da Agência iNFRA, o Ministério da Fazenda informou que “o processo está em análise no Ministério da Fazenda e por isso ainda não há detalhes a adiantar”.

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